segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

Céu crepuscular de dezembro, com Vênus à sudeste e Cassiopeia ao Norte

Foram-se o aniversário de trinta e quatro anos e outras particularidades. Sobraram-me demasiadas perguntas: posso considerar-me ainda uma pessoa atrevida ou sou agora a decadência de um espírito desvairado que é averso às delicatesses juvenis? O amor e os desejos nesse campo tornaram-se navios longínquos, banhados pelos raios rubis do Pôr do Sol que servem apenas para serem apreciados ou relatados em livros com capas de tecido.

Anseio por uma viagem a Irlanda. Por quê? Ao certo, não sei dizer. Apenas acredito que lá há alguma dessas respostas que parecem fragmentos de vivências marcantes. Pela Galiza tenho o mesmo sentimento. E esse vazio que reside em mim assemelha-se muito mais a uma busca que não pode ser iniciada e que possui o temor de transferir-se para uma nova existência, em um outro corpo.

Permaneço presa, longe de algo que nunca será encontrado aqui. É uma sensação cortante de perda constante de alegrias genuínas, de amores puros e de uma paz nunca antes experimentada.

Pessimismo, sim. Eu admito. E com razão.

Deixei de escrever por longos dois meses. Isso não é uma displicência. Trata-se mais de cansaço e de uma leve e crônica tristeza. Entretanto o curso de História tornou-se um horizonte mais instigante e que permite uma certa liberdade de estudos. Ultimamente é um conforto e um consolo. É uma das poucas esperanças que tenho para começar a investigar o meu próprio eu.

Não deixei de pensar na Astronomia. Ela estava em algum lugar. Porém causava uma dor suave e uns batimentos mais acelerados. Portanto tive que usar um truque mental e trancá-la no fundo da minha própria mente. Metade de mim morreu depois da perda da batalha. Porque eu tinha construído uma vida inteira baseada em ser feliz através dela.

E foi assim... Que meu primeiro grande (e talvez) único amor juntou-se a esse imaginário: com os os olhos azuis de um céu crepuscular de dezembro, com Vênus à sudeste e Cassiopeia ao Norte. Por muito tempo felicidade era simplesmente tecer a colcha de promessas e de vontades de viver intensamente os prazeres intelectuais e carnais.

Todavia a iconoclastia veio furiosa e estraçalhou tudo. Não passavam de sonhos infantis e devaneios. As paixões jamais serão como antes e só tiveram sentido naquela época.

Guardei os pedaços em um baú. E vivo agora só pela metade. Reinventei-me. E tenho prazeres momentâneos que se desfazem pelo dissabores passados. Não envelheci só pela idade.

Condenei-me a sentir pesar a qualquer momento. A satisfação irá embora com a aurora. Se não desejo-me, então estão todos proibidos de tentarem-me.

Minha metade morta jaz na realidade. E a restante trasportou-se para um novo lugar imaginário.

A fantasia é a minha única salvação: meu sangue, meu oxigênio.


sábado, 12 de outubro de 2019

Coringa, Cinema & História - o cotidiano solitário no meio de uma multidão incompatível

S..., 12 de outubro do ano de 2019.

Saudações.

Bom, por qual parte começar? Um mês inteira afastada; praticamente fagocitei setembro. Não se tratou de um desligamento da escrita. Jamais! Entretanto digo que o curso de História tem exigido muito de mim: compromissos, lecionar para as crianças do nono ano, estudos, algumas noites de insônia e uma certa dose de loucura e episódios de surtos.

E essa é uma parte complicada. Na última segunda-feira estive praticamente à beira de um colapso mental, com direito a um choro estrondoso, lamentos e quase um ranger de dentes bíblico. O motivo pode parecer o mais banal dentro do cenário em que os jovens universitários estão mergulhados em um oceano de desinteresse, portando-se como figuras patéticas e bufantes, que não sabem se expressar na língua materna, pensam apenas em beber algo muito vagabundo e extremamente barato em lugares nos quais a vulgaridade é uma senha principesca. Contudo não poderia sê-lo para mim. Perdi um fichamento no maldito Word e entrei em desespero. Foi a cereja de um bolo que assa em estresse, tarefas e muito pouco dinheiro. E mesmo ao recuperá-lo no momento final, o estrago mental já estava feito. Estou presa em um universo em que a única coisa que me pertence é o próprio curso de História e qualquer ponto fora do planejamento é motivo para um verdeiro apocalipse. 

Sim. Vivo em um limbo. Ninguém mais é interessante, nem mesmo desperta aquela admiração que é necessária para cotidiano, que alimenta a alma e causa um sabor na boca igualzinho ao de maçãs com coalhada. É uma espécie de filme verde, um tanto sujo, desesperançoso. Por isso sigo otimamente na solidão. E não pense que é uma queixa; ponho mais como uma questão de que esses sapatos calçam melhor. 

Assim, no último sábado, fui assistir ao Coringa do Joaquim Phoenix. Meu Deus do Céu! Fazia tanto tempo que eu não via algo que parecesse um pouco com o cinema que gosto: com filtros que gradualmente saem desse tom musgo, azul envelhecido e marron para as cores sádicas e eufóricas da loucura do amarelo e vermelho. Ao final, aplaudi em pé. 

Hannah Arendt
Só que essa experiência pediu uma outra apenas comigo mesma. Ontem fui na primeira sessão vespertina rever o filme. Comprei um ingresso para a cadeira mais espetacular de todas: a  da segunda fileira - 13B, que praticamente traga o telespectador e é evitada pela massa em geral. Peguei pipoca doce (a minha favorita) uma super Coca-Cola e fiquei lá embaixo como se não houvesse o amanhã e ninguém a mais além de mim e Arthur Fleck

Eu realmente deveria fazer isso mais vezes. 

Para o fechamento do dia, comprei um belíssimo livro da Hannah Arendt chamado As Origens do Totalitarismo. É mais um para o curso de História e que irá fazer companhia para o ótimo Peter Burke

Penso em gravar um podcast... Como nos velhos tempos... Talvez saia essa semana. Será sobre o lado psicológico do filme Coringa ou Cinema e História (no contexto historiográfico). 

Essa é mais uma carta de notícias. Espero que chegue tão logo aos seus olhos.

Até muito em breve.

T.S. Frank

P.S: envio-te a música do Cream. Você entenderá tão logo (ou isso até mesmo já aconteceu!). 
Guarde isso:  - Olha o que você fez! A cidade está queimando por sua causa! - Eu sei. É lindo, não é?




quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Fadó

Em gaélico irlandês fadó significa uma vez. É muito utilizado nos contos de fada da língua irlandesa. E isso lembrou-me de fatum, a palavra latina para destino e que nos dá a fatalidade do Português e o fatality do inglês, por exemplo. E não se pode esquecer, jamais, da fada, que também pertence ao mesmo grupo. Latim, Gaélico Irlandês, Português, Inglês... Todas trazem um radical comum para o imaginário milenar e ancestral dos seres humanos. Carregam, num conjunto de letras, os anseios e as loucuras que interligam povos de culturas diferentes, porém com o mesmo manancial de pensamentos sobre os caminhos misteriosos de nossas vidas. 

Bem... Após essa introdução, tenho que admitir que demorei por demais a escrever. São dias estranhos, parecidos com os filmes de Lynch. Ultimamente preocupo-me mais com os fatores financeiros. Preciso da minha independência o quanto antes. Entretanto estudar para esses fatigantes concursos públicos é uma tarefa enjoativa, emaranhada de pensamentos turvos. O vislumbre de uma futura vida de migalhas tira-me o pouco da paz e, talvez, cause-me essa dor de cabeça que pesa como uma bolota de chumbo. 

Por outro lado, minha vida acadêmica anda bem. Esse é o  futuro que almejo para mim: uma carreira dentro da universidade como historiadora, voltada para o lado intelectual. Porém o meu eu é muito vaidoso, padecendo quando há alguma crítica infundada dos professores. Poderia afogar-me no mar do meu próprio sangue fervilhante e colérico em decorrência desses episódios. Agora (precisamente amanhã) rumo para o terceiro ciclo. E assim faltarão apenas cinco para que eu possa começar minha vida profissional nesse ramo. É claro que ainda há o mestrado e o  doutorado e esses são os cumes da montanha que estou escalando.

Outro dia Júpiter estava alto no céu, ao lado de uma Lua Cheia plena no horizonte sudoeste. Às vezes lembro da Astronomia profissional que deixei em um passado muito doloroso. A última conversa que tive com um astrônomo, ainda no curso, foi péssima. Tratava-se de um homem muito ríspido e de poucos amigos em uma dessas palestras da Física. Usava uma camisa do Doctor Who e que, diante da minha pergunta sobre se ele gostava do Peter Capaldi no papel, comportou-se como um desses bobalhões que veste esse tipo de roupa para parecer um geek.

Semestre passado fui monitora de História Medieval. Foi um ótimo começo e será uma boa referência no meu currículo. Contudo com a enfermidade que acometeu o Professor nas últimas aulas, não sei se poderei ter o meu certificado.

Minhas dores continuam, é a minha cronicidade. Estou na entendiante fisioterapia, com umas moças incompetentes. Queria uma varinha mágica só para pedir que meu corpo fosse refeito. Sou um amontoado de genes mal costurados.

Sinto saudades dos cafés aromáticos do final da tarde e de pessoas que façam-me rir de uma maneira que eu sinta o cheiro do crepúsculo. Sinto falta das nuvens leste que prenunciam as chuvas, carregadas com uma brisa suave de tempestade, raios e trovões, abraçando tudo em volta e compondo um quadro de tons belamente cinzas.

Preciso de conversas inteligentes, de um ser humano para adoração para que assim eu possa devotar meus desejos. Meu templo está vazio e esfacelado.

Quero uma aventura e excitação; escapadas noturnas, densidade de corpo e alma.

E aqui fica o registro que vai além de uma estória. É, de fato, uma prece.


sábado, 20 de julho de 2019

Anseios da madrugada

São madrugadas quentes, abafadiças, com lâmpadas amareladas. Um cheiro de remédio para sempre, insônia e dissabores. Não há declarações, nem bilhetes, nem ataques salpicados de ciúmes.

Bem que eu gostaria de uma xícara de café com um gosto que fugisse do óbvio das manhãs requentadas ou das elites falsificadas. Pretendo escapar, como minha voz imaginária, desses dias cotidianos.

Pensei em muitos cenários. Uma vida com um enredo mais instigante. Um jogo de detetives, um céu estrelado, rádio dos anos 60, festas dos anos 80. Os amores dos anos 90.

Eu quero ser uma Sabrina ou Carol, um pouco de dramaticidade, um pouco de comédia. De fato, eu só desejo mais ousadia, não de minha parte. Isso, talvez, eu já tenha de sobra. Está apenas guardada.

Se por um lado eu experimento um prazer intelectual solitário, com arroubos de mestres egocêntricos, machistas, tresloucados, parados no tempo... Por outro, estátuas de cera cercam-me: sem malícia, cheio de suas religiões hipócritas, esperando mulheres-escravas que possam parir doces famílias azedamente cristãs. Há uma juventude com um gosto pubo, virginal, demagogo. Cansei das feministas de farmácia, com seus movimentos sociais que levam ao vômito. Preciso das mulheres de verdade, com um feminismo real, culto, como o espírito dos anos 70. Chega das proibições da extrema esquerda, chega das loucuras fascistas da extrema direita. Chega, chega, chega!

Eu só quero a verdade, o prazer. Risos descompromissados. Um pouco da Via Láctea nas minhas mãos e boca.

Faça-me um milk-shake de chocolate com chantilly, com fundo de frutas em calda e uma cereja em cima. Faça-me cafés das manhã com waffles. Faça-me elogios decentes. Faça-me sua poesia.

E minha mente é atravessada por ondulações de devaneios, como em águas do mar.

Sou loucura que vai de encontro ao marasmo. Sou solidão que vai de encontro ao vazio de mil companhias. Sou apenas eu, em cores vívidas...

... Sou technicolor.



segunda-feira, 17 de junho de 2019

Quando Ficares Velha - Por William Butler Yeats

Circe Invidiosa (1892)
John William Waterhouse.
São dias estranhos: saem das sombras, e sem pudores, as pessoas mais invejosas, jovens e de almas negras como a noite do mais impiedoso inverno. São dias também de covardia, de falta de personalidade, rostos aguados e prosas falaciosas dos inúteis movimentos sociais de fachada.

Bradam, a plenos pulmões, por um mundo melhor, gritando politicagens. Entretanto o próprio entorno é desconsiderado. Alguns tentam juntar os desunidos e sofrem eles com as calúnias e venenos.

Não é fácil ser corajoso. É para os que preferem as dores e a morte ao invés de uma vida calma de superficialidade e podridão. E é por isso que estou aqui; um pouco viva, um pouco morta. Mas não temo dizer: sou eu, com a mesma pele, com as mesmas feições, os mesmos pensamentos e um coração bem quentinho.

Só queixo-me dos meus ossos e seus latejares. Todos os meus pecados residem neles.

Mantenho-me na estrada, com foco e vontade. Persigo a cátedra. E para aqueles que pairam seus olhos devoradores de ciúme e invídia e clamam por Ftono, digo-lhes: também rogo a Atenas.

E alimento-me de poesias.

Cena do filme A Sétima Maré (The Seventh Stream/2011)
O momento da leitura da poesia. 
E isso traz-me um filme que assisti um dia desses. A temática irlandesa e suas lendas... A Selkie, a foca que também torna-se humana. Chama-se A Sétima Mare (The Seventh Stream/2001). E lá estava uma bela poesia do irlandês William Butler Yeats.

No meio dessa lama, preciso (mais do que nunca) dos versos, das estrofes, do sonho da Irlanda, do místico, do divino, da inteligência e sabedoria.

Que os deuses livrem-me dessa gente! Que Eles tragam-me a fortuna e os sabores agradáveis das vitórias!

Quando Ficares Velha
William Butler Yeats
1903
Por Alice Boughton.

(When you are old)


Quando ficares velha, grisalha e sonolenta
When you are old and grey and full of sleep,
E te aqueceres à lareira, pega neste livro

And nodding by the fire, take down this book,
E lê-o devagar, sonha com o olhar meigo
And slowly read, and dream of the soft look
E com as sombras profundas outrora nos teus olhos;
Your eyes had once, and of their shadows deep;
Quantos amaram os teus momentos de feliz encanto

How many loved your moments of glad grace,
E a tua beleza com amor falso ou autêntico,
And loved your beauty with love false or true,
Além daquele homem que amou em ti a alma peregrina
But one man loved the pilgrim soul in you,
E as tristezas que alteravam o teu rosto;
And loved the sorrows of your changing face;
E curvando-te mais sobre a lareira ao rubro

And bending down beside the glowing bars,
Murmura, um pouco triste, como o Amor se foi
Murmur, a little sadly, how Love fled
E caminhou sobre as montanhas lá no alto
And paced upon the mountains overhead
E escondeu o rosto numa multidão de estrelas.
And hid his face amid a crowd of stars.

quinta-feira, 13 de junho de 2019

Do que não se pode ter (e nunca se terá)

Houve um tempo em que desejei somente alcançar o meu mundo ideal. Posso dizer que muito da minha vida foi baseada em uma utopia de libertação, com sentimentos avassaladores, aventuras douradas nos confins do espaço, ou, melhor dizendo, de dentro de uma cúpula na qual todo o céu abriria-se perante meus ávidos olhos, num desvelar mortal, um nirvana.

Por isso fui um baú nebuloso, guardiã de sentimentos, ressentimentos, lágrimas, esperanças, um pouco de vingança (talvez até mais do que possa ser relatado), amores não correspondidos, desilusões e muitos pedaços de mim. Esperei justamente pelo triunfo, o final de uma grande saga, a vitória dos humilhados e do coração partido. E foi dessa maneira que não resolvi o que deveria, não revidei, escondi a coragem, sufoquei de amargura. Esperei por um navio, que até veio, branco, grandioso, feito apenas de promessas, e que, mais adiante, naufragou, sucumbiu às rochas além, representantes divinas da realidade esmagadora.

O meu erro foi o de uma jovem mulher que almejou o que não poderia ter. Não era para ser, não me pertencia. Busquei um salvador. Basta deles! Estão mortos como assim quis o destino.

Foi-se o tempo das paixões. E tenho saudades do frisson, do frio na barriga, das madrugadas vistas pelas frestas da janela de madeira. Dos olhos azuis, das nuvens do leste, do céu cortado pelo caminho lácteo, do Arquivo-X, Sky Trackers, Espaçonave Terra...

Mas eu não me queria. Aspirava ter outra carapaça. Sempre infeliz, com quantidades astronômicas de defeitos. Nada de paz e quietude.

Passou-se o tempo e fiz-me por retalhos. Recebi migalhas, muitas. Esperei por conversas minguadas, por telefonemas, por mensagens. Um encontro qualquer. Gostei de muitos, recebi o nada. Enganei outros, disse inverdades, enterrei o asco e desfiz-me desses humanos como quem apenas livra-se de uma pedra no sapato.

Fechei a porta.

Às vezes aparecem os inocentes, patéticos, que não valeriam nem mesmo uma noite qualquer.

Hoje olho-me com mais aceitação, ainda longe do ideal. Engordei e estou tentando desfazer-me da imagem de que pareço um pequeno mostro-bola; o que são 5 quilos a mais? As celulites são apenas celulites.

A História tem-me ocupado por demais. É um desafio prazeroso, cheio de espinhos, de conflitos e que sigo como um cão fiel.

Só posso ter eu mesma, disso agora eu sei. Estou treinando para bastar-me, como deve ser. E, ao final, quem sabe, poderei ganhar um universo cheinho de mim em diversas outras versões.

segunda-feira, 13 de maio de 2019

Do curso de rios já vazios

Sketch of Circe, John William Waterhouse
1911-1914
Muito poderia dizer agora. Entretanto chega o momento em que o pouco brilho esvaiu-se de forma lenta e cortante, como pequenas folhas de outono sobre a pele que procura abrigo embaixo das árvores envelhecidas. Penso que viver é um deleite para poucos e uma grande maldição para muitos. E assim, desses prazeres que escolhem apenas uns poucos enobrecidos, o amor pulsa longinquamente, como um farol no cabo do fim do mundo, avisando aos navegantes infelizes que a sua procura acarretará sofrimento imenso antes da morte derradeira.

Ser triste é uma realidade que os tolos otimistas ignoram. São eles apenas espíritos enjoativamente alegres que merecem a máxima distância: comem rosas e regurgitam poesias baratas. O ser humano vil e decadente está por todos os cantos, isso sim, procurando vítimas perfeitas, que acreditam que a lama pode mostrar a lótus com a paciência devida. E essas penosas almas servem apenas como uma válvula de escape e de experiência para chegar-se ao maior nível de dor infligindo.

Pois bem, travesti-me com rochas. Mas desnudei-me para tentar voltar a sentir o frescor do mundo, deixando o meu interior para lançar-me por rios esvaziados, que trazem memórias borradas de um eu fantasioso e que alegrou-me apenas com a imaginação.

Como o canto das harpias, os avisos são muitos para não mais ter-me com essa esperança.

Feri-me, como o previsto por todos os oráculos. E voltei, mais uma vez, para minha concha de pedras com o dissabor das intrigas e das odiosas mentiras.

Em mim sobrou apenas um sentimento de humilhação profunda e de que não posso mais ficar em espaços em que existem tantas diferenças.

Se antes o meu mundo era um filme de David Lynch com personagens de mesma linha, hoje sou a própria reflexão da velhice de Ingmar Bergman.

Perdi-me e não posso mais ser o que planejei nos tempos imemoriais. Os sonhos e as paixões sucumbiram, voltaram-se para olhos mais jovens e belos. Serei, portanto, Circe.

Talvez tenha eu apenas a simples vontade de ficar para sempre em mim mesma e sepultar-me, sem honras, até que a poeira alimente-se da última gotícula de minha alma. Esse seria o meu final digno.

domingo, 28 de abril de 2019

O desalento irradiado em tons cinzentos

Há pouco tempo para escrever agora. Os cenários naturais são até favoráveis: nuvens cinzas ao leste, raios,  trovões e tempestades da madrugada. Entretanto sobra-me trabalho quase franciscano, desalento e gotas alternadas de tédio.

Quando chega-se para lá dos trinta anos, todos os seres humanos ao redor, particularmente os bem mais jovens, tornam-se extremamente desinteressantes. É como olhar um cenário vazio falante que tende a tagarelice odiosa. Deus, é como morrer todos os dias sufocada pelo fútil e despretensioso!

Ao contrário do que possa parecer, meus olhos não envelheceram. Porém não mais conseguem enxergar a beleza de outrora nas pessoas, aquelas esfuziantes e que despertavam os sentimentos dourados de que a vida era um mistério divino, digno de ser vivido, com um gosto de maçã e coalhada.

Tudo foi-se, ao menos, o humanamente palpável ao redor.

A vida necessita de intensidade, mistério, histórias instigantes, poesia e céus estrelados de antemanhãs frias. Existem muitas formas de achá-los, entretanto tenho que contentar-me com o passado, do mais recente aos resquícios de outras vidas.

A saudade não é, até aqui, fruto de uma dor somente do que foi perdido. É muito mais do que eu mesma posso compreender.

Esta existência traça linhas cinzas, de pouco fulgor, longe das histórias magníficas que eu costurei em um tempo de inocência.

Continuo a esperar algum reverso maravilhoso, uma viagem, um novo lugar e novas pessoas para que eu possa exercitar novamente a minha mais saborosa atividade: a observação.

Vivo dias de dor, de calmaria e de nenhuma aventura.

Motiva-me o futuro, apesar de tudo. Talvez lá encontre o meu eu vagante, numa outra terra, ou mesmo numa nova roupagem. Eis a eterna roda da existência e o sentido de precisar ser quem eu sou.


sábado, 6 de abril de 2019

A morte de mim mesma

Não posso ter tudo. De fato, nem ao menos possuir o mínimo. E assim passam os dias, cheios de compromissos, pouco dinheiro, desprestígio e uma convulsiva sensação de que o meu tempo foi-se.

E para onde? Talvez, e provavelmente, para um lugar inatingível.

Confesso que a falta do desejo dos outros corrói-me como ácido. E essa fonte de inspiração secou tão de repente que eu mal percebi. A solidão tornou-se um tanto quanto estranha, de um sabor suavemente amargo.

É uma época estressante. Faço muito para alcançar o que, tardiamente, decidi seguir. Muitas vezes parece que não passo de uma dessas caricaturas ingratas, acinzentadas, no meio de um ambiente em que as pessoas não estão sintonizadas comigo.

Quero arrancar minha pele, rasgar os meus músculos e queimar os meus ossos. Almejo recomeçar das cinzas, com uma nova aparência e identidade física. Assim, quem sabe, percebam a minha alma, minha essência, meu próprio eu que, arrisco, é digno de cafés, longos passeios, prazer e risos; histórias, camas, calor e tantas outras coisas essencialmente humanas.

Ontem esforcei-me demais, tive dor de cabeça e ânsias. Imagens de escárnio percorreram meus pesadelos. Através de uma janela vislumbrei a minha própria decadência, eu estava envelhecida em um limbo.

É uma dessas maldições de séculos com gosto de vermelho, tons de azul melancólico e o negro das profundezas.

Estaria eu morta para toda a humanidade?

Não. Estou morta para mim mesma. Eu só preciso reconhecer e aceitar.

segunda-feira, 4 de março de 2019

O ritmo da chuva

Dan Fogelberg Live Greetings from the West/1991
Se eu fosse você... Escutaria esse álbum. Tem no Spotify.
Eis que são dias de carnaval. As pessoas passam, cantam, deslumbram-se, tingem-se de luz e alegria. Encontram seus amores de um para sempre que durará uns três dias. E sim, a vida é dessa maneira a cada novo ano, enjoativamente colorida.

Observar tais acontecimentos é um belo exercício para a imaginação. O que será que aguarda essas pobres almas após a quarta-feira de cinzas? O choque da desilusão cotidiana, provavelmente. Entretanto se o mundo fosse feito apenas de realidade, não existiria a Arte, nem a Literatura e muito menos o Cinema. Não haveria poesia, nem cancioneiros apaixonados, muito menos a esperança solitária daqueles que esperam os navios retornarem, dia após dia, das longas jornadas pelo mar.

Viver é demasiado espinhoso para contentar-se somente com o que os olhos podem enxergar nos dias claros ou mesmo naqueles escuros delimitados por uma luz que projeta-se no quase nada. Não condeno o Carnaval, porém prefiro tê-lo ao meu próprio modo, em um ritmo de chuva que traz o frio, boas xícaras de café e gordurinhas que derretem no verão.

E essa passagem deixou o ato de escrever um pouco letárgico. Talvez seja uma falta passageira de vontade que retornou por um breve momentos ao escutar o Dan Fogelberg ao vivo.

Contudo não se engane! Há muito a dizer para aqueles que ainda querem e estão por perto, de alguma forma.

Por enquanto... Fico com as notas macias e diamantadas das gotas de chuva.


terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

Carta ao amigo desconhecido e de paradeiro longínquo





S..., 05 de fevereiro de 2019, em uma madrugada fria e de dores.



Querido amigo desconhecido, como tens passado? Espero que estejas com boa saúde. E deixo aqui, de antemão, meus sinceros desejos de bem-estar e harmonia.

A Velha Cidade anda muito animada, preparando-se para as festividades do Carnaval, que está bem longe, sim, eu sei. Entretanto não seriam estes filhos da Madre se não juntassem a Natividade com os Pierrôs e Colombinas.

Nem tudo está em seu devido caminho, sinto dizer-lhe. Mal começou o ano e as decepções assolam-me. Muito mais ligadas às pessoas eruditas, antes admiráveis, e seus vícios. Há casos e casos, repetições de cenas já vistas tantas vezes. Porém não menos aterrorizantes. É como o despertar de Mr. Hyde quando quer-se somente a sabedoria de Dr. Jekyll. Esta semana que passou foi palco de um enorme conflito interno, de uma agonia interior... De uma tristeza profunda. A iconoclastia feriu-me quase que mortalmente. Se pudesse contar-te todos os pormenores cheios de espinhos, seria muito mais frutífero. No momento, contento-me apenas em escrever-te esta folha, mesmo que seja tão enigmática e cheia mais de pesar do que de explicações coerentes.

A vida acadêmica está muito boa. É claro que há certas minúcias, dessas que somente as pessoas com um pouquinho mais de trinta anos passam (principalmente as mulheres) quando o mundo possui mais jovens do que empatia. Intelectualmente é um caminho solitário bem eficaz. Portanto não queixo-me da minha capacidade, talvez a única que mereça minha confiança.

Por outro lado, sinto-me injustiçada no campo do trabalho. É como se todas as portas tivessem sido fechadas. E suspeito que essa seja a fonte do meu tormento psicológico que potencializa as minhas dores na coluna. Há dias insuportáveis à base de remédios e gelo. Estou sempre sonolenta. E, às vezes, não gostaria nem mesmo de acordar. Ao dormir, vivo sem o martírio de sentir esses ossos frágeis. É um atenuante para meu crônico sofrimento.

Hoje tudo piorou, pois o meu pagamento de um trabalho para uma empresa privada está em atraso. Como é um dinheiro considerado pífio, pareço mais um desses servos da Idade Média, que fica ao bel prazer do Senhor. As cobranças dessa tarde deixaram-me para baixo.

A vida é um grande farsa. Tu não achas? O ser humano é medido pelo status. Mesmo que seja bom e culto, se não tiver uma boa posição social e um ótimo emprego, não vale um vintém; não podendo emitir opiniões, sendo alvo de escárnio dos parentes e servido como comparativo de fracasso.

Não irei estender-me, prometo; ao menos dessa vez.

Espero que essa carta chegue o quanto antes. Não exigirei resposta. Se chegar a ler a mesma, já estará de bom grado para mim. E para não perder o costume, envio um disco com a trilha sonora de Dr. Zhivago por Maurice Jarre. Quando escutares o Tema Principal (Main Title) lembre-se de mim. Quem sabe um dia a dancemos em um desses casarões oitocentistas, ou, melhor, a escutaremos bebendo um belo café da tarde num desses lugares bucólicos, cheios de saudade e amores.

Com carinho, 

T.S. Frank.

domingo, 20 de janeiro de 2019

O legado romano cotidiano - Legatum e Legatus - Um pouco de Etimologia, Latim e História

Hoje, um dia frio e cinzento, com um pouco de dor na coluna, café e pão com cerejas, estava eu a refletir sobre meu próprio legado. Pensei até mesmo nesses acumulados de escritos (que podem desaparecer a qualquer momento pela vontade de terceiros) e até mesmo em minhas futuras aulas e palestras de História. Não pensei em filhos, nem em amores ou família, pois não me deu vontade alguma. A minha utopia (apesar de meus mestres insistirem sempre no sentido coletivo dessa palavra) é um dia recuperar aquela alma que acreditava na figura das paixões. 

Dito isso, vamos ao LEGADO e todas as suas explicações.

De acordo com o Dicionário Michaelis, temos DOIS TIPOS DE LEGADO: 

Legado - Parte I

JURÍDICO: disposição, a título gracioso, por via da qual uma pessoa confia a outra, em testamento, determinado benefício de natureza patrimonial; doação causa mortis.

JURÍDICO: parte da herança deixada pelo testador a quem não seja herdeiro por disposição testamentária nem fideicomissário.

HISTÓRIA, MILITAR: na Roma Antiga, era o comandante de uma legião.

[adendo: apesar da etimologia latina apresentada pelo dicionário está correta, para esse tipo específico de militar romano antigo, a denominação em Latim é LEGATUS, ou melhor, LEGATUS LEGIONIS, ou seja, O LEGADO LEGIONÁRIO. BUNSON, Matthew, A Dictionary of the Roman Empire, 1995, p. 228]

FIGURATIVO: aquilo que se passa de uma geração a outra, que se transmite à posteridade.

ETIMOLOGIA: Latim: legatum.

Legado - Parte II

Que ou o que é encarregado de qualquer missão diplomática.

[adendo: aqui chamaremos pelo GENITIVO de legatus, LEGATI, e que pode ser dividido em duas classes: 1) Legati ou embaixadores enviados para Roma por nações estrangeiras; 2) Legati ou embaixadores enviados de Roma para as nações estrangeiras e para as províncias. Esse sentido é que é usado para a designação eclesiástica citada abaixo. MURRAY, John. A Dictionary of Greek and Roman Antiquities. 1875, pp. 677-679]

ECLESIÁSTICO: 1) Aquele que desempenha a função de embaixador extraordinário da Santa Sé. 2) Prelado, geralmente cardeal, encarregado dessa embaixada.

DIPLOMÁTICO: na Roma Antiga, funcionário do Senado que se encarregava da administração das províncias.

[adendo: aqui temos o LEGATUS AUGUSTI PRO PRAETORE, nome dado a um homem de confiança que assumia uma província de Roma, significando O LEGADO DO IMPERADOR COMO PRETOR. MURRAY, John. A Dictionary of Greek and Roman Antiquities. 1875, pp. 677-679 ]

ETIMOLOGIA: Latim: legatus.

Agora... O que podemos perceber de ligação entre legatum e legatus? 

Que ambos, etimologicamente, tem o mesmo radical da palavra latina LEGO. Ou seja, derivam da mesma.

Abaixo fiz um esquema com o significado de lego e suas relações:



Espero que o meu legado aqui tenha contribuído um pouquinho para o legado de vocês, queridos (as) leitores (as).

Ah, e não CONFUNDA o LEGO LATINO com o LEGO DE BRINCAR. Esse último deriva da abreviação de duas palavras dinamarquesas "leg godt", que significa "jogar bem".


Fontes:

Etimologia e Latim:

Gramática Latina - Napoleão Mendes de Almeida - 30ª Edição - Editora Saraiva, 2011.
Dicionário Escolar Latino-Português - Ernesto Faria - MEC.
Dicionário Português-Latim - F. Magalhães - LEP - 1959.


História:

A Dictionary of the Roman Empire - Matthew Bunson. Google Books. Em inglês.
Legatus, um artigo por Leonhard Schmitz. Parte do livro A Dictionary of Greek and Roman Antiquities de William Smith. Universidade de Chicago. Em inglês.


Curiosidade



sábado, 12 de janeiro de 2019

Kidding - uma obra de arte para a TV

Kidding é um magnífico e sublime retrato de que a vida perfeita e esfuziante deságua sempre no abismo cruel da realidade quando as câmeras são desligadas. As pessoas gentis vão sofrer, pois esse é o destino. E não deixe-se enganar: essa brincadeira infantil é para adultos!

Aproveitando que o Globo de Ouro foi por esses dias (e que as indicações ao Emmy desse ano ainda não saíram), trago um dos indicados da noite: Kidding (Showtime/EUA - melhor série de comédia ou musical e melhor ator de comédia ou musical).

Essa é a história de Jeff Piccirillo (Jim Carrey), mais conhecido como Mr. Pickles, um querido apresentador de televisão infantil, apreciado por crianças e pais. Ele tem um verdadeiro império multimilionário, porém enfrenta uma tragédia pessoal e uma vida familiar difícil. Eis que temos, então, um homem sensível em um mundo cão, que recusa-se a acreditar na ignorância, na falta de boas maneiras e na existência de pessoas ordinárias e aproveitadoras. Entretanto tudo tem um limite e ele é uma bomba-relógio que está só esperando a hora de explodir e mandar todos para o inferno. Só que essa pintura nua e crua da natureza humana levará um certo tempo para se concretizar.

E enquanto isso não acontece, somos levados por uma estrada sutil com destino a um colapso inevitável, com lampejos de esperanças seguidos por quedas vertiginosas. E é quando Jeff age como um completo bobo, aceitando de bom grado ser pisado pela vida e tirando sempre o melhor da lição, que os momentos mais reflexivos surgem. Às vezes tem-se uma vontade de dizer: "Ei, cara, acorde para a vida!". Contudo isso dura pouco, pois uma personalidade contida tem muito a mostrar quando atinge um certo nível de desgraça. 

O elenco é de extrema competência, como Frank Langella que faz o pai controlador e que gerencia todos os negócios, que só pensa na marca e na boa imagem que precisa manter de Mr. Pickles. É claro que o destaque fica com Jim Carrey. Seria difícil não falar o quão ótimo ator ele é, sendo um gênio na transição da comédia para o drama (e que só essa semana assisti uns cinco filmes dele). Em Kidding, Jim entrega uma das suas melhores atuações, deixando o pastelão de lado e indo mais fundo em um universo sombrio paradoxalmente colorido. 

[ADENDO: Jim Carrey sumiu por uns tempos e ficou quase um recluso. Tudo começou em 2015, quando sua ex-namorada Cathriona White cometeu suicídio e deixou uma carta com um conteúdo perturbador (os detalhes deixo para a pesquisa de cada um de vocês). Houve muita confusão, o marido da moça tentou processar Carrey, depois descobriu-se que algumas coisas que ela falou poderiam não ser verdade e o processo foi arquivado. Ele está com novos pensamentos e outra filosofia de vida, uns muito bons sobre o lado espiritual e outros muito nocivos (como a velha história de que as vacinas fazem mal). Ele agora faz tirinhas contra o Trump (o que é ótimo) e você pode ver o excelente trabalho dele aqui no twitter oficial. Sugiro que assista Jim & Andy, documentário da Netflix sobre os bastidores proibidos das filmagens de O Mundo de Andy/1999. É incômodo e ao mesmo tempo revelador, principalmente pelo brilhantismo de Carrey e seu depoimento de como mudou após o filme.]

Voltando...

São dez episódios que passam rápido (com trinta minutos de duração). Será fácil maratonar a temporada completa, pois ela realmente induz a isso.

Um lembrete para você, querido (a) leitor (a): essa é uma série para ADULTOS. Tem sexo explícito e nudez. Dado o aviso, não deixe de assistir. É uma das melhores séries de 2018. 

Recomendadíssima!



terça-feira, 1 de janeiro de 2019

É mais um ano!

Cá estou eu, em mais um ano, neste espaço de escrita. E lá vão-se, agora e realmente, quase dez anos de pequenos relatos, esses que podem ser, muito bem, a minha Micro História, um conceito novo que aprendi no curso de História. E, falando nele, digo que das minhas realizações acadêmicas iniciais, é a que até agora foi a mais feliz e saborosa, com um gostinho de torta de maçã e cafezinho da tarde.

Esse caminho de estudos leva-me a concretizações ainda muito particulares, assim como a muitas brigas para impor o meu ego (sim, muito grandioso). Entretanto é a primeira vez que eu sei que esses embates tornam-me segura de mim mesma, pois (não culpe-me por minha arrogância) sei como posso ser capaz e melhor. E, de antemão, o que pode impedir-me de ser reconhecida é o favorecimento dado a outros não tão merecedores (o que já, infelizmente, mostrou-se tão cedo). 

Ah... Criei trabalhos incríveis: falei sobre os manuscritos iluminados, explorei o meu inglês, passei madrugadas com pesquisas extraordinárias, impus a minha voz, debati sobre a Fome da Batata, na Irlanda, falei sobre o Cinema e suas concepções históricas, aprendi que não podemos fazer dos filmes documentos isentos de ideologia, entretanto podemos utilizar os mesmos para entender a sociedade na qual eles foram concebidos. Mostrei para a sala o James Dean e sua Juventude Transviada e também o David Lynch. Aprendi um pouco de Libras e conheci pessoas mais novas, muitíssimo mais novas. Um dos poucos momentos de tristeza nesse curso e que causou um específico desconforto espinhoso deu-se quando um certo jovem da sala, em conversas informais comigo, foi muito enfático ao falar da minha solteirice e meus trinta e três anos (não posso queixar-me do meu formato, foi dado-me um rosto muito bom!). Foi como se ele dissesse: "Eu tenho vinte anos e você está perto da morte e longe do despertar dos amores..." ou algo do gênero. Inquietou-me pensar que se fosse um HOMEM nas minhas condições, ele seria celebrado como um verdadeiro Deus, cobiçado em forma, pensamento e idade. O machismo, infelizmente, não está longe de acabar, mesmo entre os botões frescos de cravo.

Ainda continuo a trabalhar com mapas mentais e também sou bolsista do PIBID (Programa de Iniciação a Docência), acompanhando uma escola da rede estadual.

O novo governo nacional é um grande pesadelo, uma verdadeira distopia. É como mergulhar no terror. Passarei a tarde assistindo a filmografia e a nova série do Jim Carrey, Kidding. Estou agora mergulhada no universo dele. Ele é um ator excepcional e sua trajetória de vida merece um estudo. 

Passou-se mais um ano em que amei ninguém. Senti saudade da intensidade e fervor daqueles de outrora preenchidos por esse sentimento, mesmo que, na grande maioria, fosse unilateral, platônico e um fruto caramelizados da minha mente. Isso sim foi muito estranho. Será que estou no oceano da desilusão? Uma naufraga esperando apenas a morte? Ou falta-me a paciência e a limpeza dos rancores, a queima das recusas, o esquecimento das trocas e desprezo? São as reflexões que podem levar-me as respostas que preciso.

Por aqui, então, termino. E deixarei a primeira música que escutei nesse dia de muitos outros que foram enebriados pelas promessas e imaginação.