sábado, 6 de junho de 2020

Um olhar sobre o antigo eu: esperançoso, juvenil e cheio de amor.

A tristeza paira no ar, com seu véu brilhante, cravejado de lágrimas. A pandemia enfiou sua lâmina em milhares de corações. São dias de pouca luz e luto. E aqueles que tentam sobreviver, escondem-se em seus lares como coelhos que fogem do abate. E tornam-se ainda mais taciturnos e desgostosos. E essa é a melhor descrição do que eu sou agora.

Mas, às vezes, lembro-me do que eu quera antes. Se não muito feliz, pelo menos brilhavam em mim os feixes de futuros não realizados e anseios por dias mais saborosos, desses que se observa passarem com uma xícara de café e leite bem quente e uma torta de amora. 

Os pesadelos dominam-me. Eu sei. Todavia quando esses dormem, tento lembrar desse velho espírito que ficou perdido na desilusão. E o que ajuda-me, impressionantemente ou não, são os filmes da infância. É como rasgar esse véu negro por algumas breves horas e olhar limpidamente o horizonte a mostrar um portal que leva-me àquela garota de uns quinze anos, sentada, vendo o arco-íris no céu mais bonito já existente. E, para um pouco mais tarde, imaginar o grande amor platônico de olhos azuis, que poderia ser representado muito bem pela constelação de Cassiopeia no firmamento boreal. 

Eu precisava escrever sobre essa sensação de passageira vivacidade após rever O Jardim Secreto (The Secret Garden/1993). Um breve resgate de uma vida que ficou para trás; melhor, ter novamente contato com um ser jovial que pertence a um doce tempo e só tem sentido nele. 

Trata-se de momentos de uma doçura sem artificialidade, sem tecnologia, sem guloseimas instantâneas e atômicas. Sim, eu sou uma dessas pessoas fascinadas pelos campos, casarões, roupas de renda, longos vestidos, relógios de bolso, jardins, verde londrino e fitas de seda. Remete a romance, poesia, rostos bonitos e afáveis. Aprecio um café da manhã quente contrastando com o frio congelante do raiar do dia. É exatamente como nesse filme que retrata tão bem o ciclo infantil da maneira como deveria ser: saudável e sem traumas advindos de pessoas machistas ou vulgares. 

Quero aproveitar mais essa sensação que logo irá esvair-se. Se pudesse apenas guardá-la em potes para tomar algumas gotas todos os dias, quem sabe eu voltaria a acreditar que a vida é um jardim que a qualquer momento pode se cultivado novamente. Só que a realidade é firme, presente e não deixa abater-se por nada. 

Recordo-me do dia da caçada às borboletas em que saímos da escola para recolhê-las. Era 1996. Elas eram inúmeras e amarelas. Um garoto ficou preso nas grades de um hospital abandonado. Porém ele conseguiu sair. E foram risos e risos. Eu estava feliz, puramente feliz. Eu achava que ia ser tudo o que queria, viajaria para Marte ou Lua. Foi importante, apesar de ser apena um devaneio.

Irei dormir e esperar sonhos melhores. Ou mesmo uma regressão que leve diretamente àquela garota que ficou perdida...
... Entre as borboletas amarelas e o jardim secreto das fantasias intocadas. 



sábado, 9 de maio de 2020

Covid-19 e seus desafios: muito mais do que manter a própria vida

Quando eu era mais nova, lembro-me de assistir diversos filmes na Tela Quente da Globo. Um deles foi o Epidemia (Outbreak/1995). Naquela época, o mundo tinha medo do Ebola (considerada a doença mais mortal, mas não mais mortal que a Raiva, por exemplo!). A vida era cheia de um imaginário distante. Enquanto o cinema mostrava-nos um cenário catastrófico apenas como uma obra intelectual, o meu universo particular estava triste, porém cheio de desejos e amor platônico. O céu leitoso salpicado pela Via Láctea era o começo de uma felicidade utópica. O engraçado é que sinto saudades dessa alegria ilusória e tola e da melancolia real juvenil - um campo de ópio de verdade.

O tempo passou. A infelicidade tornou-se tão presente quanto as decepções. A morte não está somente lá fora, com o corona vírus, a nova peste, o divisor de águas para o fim do século XX; o ceifeiro anda lentamente dentro da minha própria casa. O mundo está em crise. Já o meu desmanchou-se há tempos.

Eu estava tentando a minha reconstrução através do curso de História. E jamais imaginei que pudesse amá-lo muito mais do que a Astronomia. Sinto-me nele mais segura intelectualmente. Pois antes enterrava a minha própria inteligência e sanidade num profundo mar de desapontamento. Contudo é uma batalha árdua, complicada. Eu não sou um homem, que, infelizmente, é privilegiado pela maioria dos professores. Falo e desafio os professores em suas desinformações sobre os conteúdos em geral. Tenho coragem, curiosidade e foco. Mas abandona-me a sorte por buscar o meu reconhecimento merecido.

Lentamente vou perdendo as esperanças mais brilhantes e que tinham a potência de um ecstasy. A vida é ameaçada de todas as formas - socialmente, intelectualmente, politicamente e, principalmente, fisicamente. Não luto apenas contra fascistoides ou machistas que impregnam as universidades em altos cargos e pequenos estudantes. Do outro lado há as falsas feministas que defendem professores opressores baseadas no alinhamento dos planetas, cirandeiros que são contra o EAD porque não são capazes de sair de seu próprio mundo de vícios e de preguiça. É como estar entre Cila e Caríbdis. Não quero nenhum e nem outro. São extremistas complementares. Prefiro mesmo morrer se for para escolher entre o impossível para o meu caráter. 

Ficar em casa não se compara a ficar doente. Isso é uma medida de sobrevivência. Também não é um oásis de tranquilidade. Estou com picos de dores na coluna (a dor crônica que é minha sombra) e mais irritada do que o normal. Às vezes eu só queria as conversas de anos atrás. Hoje nada faz mais tanto sentido no lado das interações sociais. Não gostar de absolutamente ninguém é uma calmaria muito monótona. É ser um pouco morto. 

Depois de tanto tempo voltei a escrever. Uma vontade que oscila por essa época. Porém preciso. Tentarei mais. Posso falhar. Contudo é o que resta. 



quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Enterre o meu coração na linha do horizonte


"Se eu pudesse morrer e voltar de imediato..." Com essa certeza, desejaria não mais que quietude e um amor duradouro. Mas não um desses que se consome fervorosamente, desgastando-o com mordidas de rancor e paixão que misturam-se até formarem um só ente. Contentaria-me com conversas, cumplicidade e o querer lento das paixões platônicas.

É um dos mais terríveis tempos de solidão e tristeza, uma mistura angustiante que tira-me os prazeres cotidianos. Talvez eu esteja levemente deprimida e caminhando para uma dessas faltas de reações químicas cerebrais que levam as pessoas à boca do enorme Leviatã. De fato, eu não sei muito agora de mim própria, pois esse eu está quebrado por dentro e tem que sorrir e manter-se como antes para evitar as conversas e as indagações do meu entorno. Esse entorno que faz-me ainda mais taciturna. É uma distância tão grandiosa e que mostra-me um limbo cheio de almas que flagelam-me com suas presenças. 

É extremamente complicado, longe daqueles descritos na Literatura. 

"Se eu pudesse voltar no tempo..." Aproveitaria mais as antigas conversas, os antigos amores e até mesmo as feições juvenis dessas ardentes paixonites dos bancos da universidade. Naquela época, eu era um pouco melancolia e um tanto de esperança. Tinha o coração partido pelos sonhos ameaçados e pelos sentimentos e beijos que ficaram no Verão. Entretanto amanhecia para uma nova sensação e, o mais importante, o meu coração estava aberto para todas as possibilidades. 

Estou às voltas com alguém muito próximo que definha a cada dia. É como se o ceifeiro jogasse uma espécie de xadrez. Pode ser algo muito grave ou mesmo um trauma de uma experiência anterior. Não se sabe, nem mesmo os médicos. Muito dinheiro gasto, nenhuma resposta e o tempo passando. Discussões, lágrimas da madrugada, desespero. Posso não ser a pessoa de 34 anos mais infeliz do mundo, contudo sou muito mais do que esperaria ou mereceria ser. 

Sinto-me pobre e fraca, e bem isolada. Incapaz e inútil. E levo comigo as discórdias. Não posso me calar, todavia deveria. E muito. Outros com a mesma atitude poderiam ser louvados. Eu não posso. Estrago tudo pelo caminho. O que carrego parece uma maldição. 

Os anseios e sonhos viram pó de desvario ou mesmo de petulância. Por que eu deveria ter pensado em um dia ir para a Irlanda ou Galícia? Conhecer muitas pessoas, sorrir e falar e escutar. Seria essa vivência uma penitência por pecadores anteriores? 

Ultimamente tenho lido muito sobre Herman Melville. E como ele só há outro: Van Gogh. Tenho esse interesse por figuras com grandes obras e que em vida viveram na completa miséria ou na linha da pobreza, vivendo à custa de parentes e que perderam tudo por causa de um objetivo. Decepcionaram-se e foram desacreditados. As vidas infelizes atraem-me por serem assim parecidas com a minha. Não é só uma miséria material. É sobretudo a espiritual. 

Melville tem uma frase que mostra o quanto ele sabia de todo o seu infortúnio: “Though I wrote the Gospels in this century, I should die in the gutter.” (Why Read Moby Dick?, Nathaniel Philbrick, Chapter: The Gospels in the Century. E-book, 2011), ou seja: "Embora eu tenha escrito os Evangelhos neste século, eu deveria morrer na sarjeta." E assim foi. Melville só foi reconhecido tempos depois como um grande, um dos maiores. Contudo ele mesmo morreu achando que Moby Dick foi um fracasso. O que parece muito mais do que injusto. Trata-se de um grande horror. Tornou-se imortal só para aqueles que nunca poderá sequer trocar uma palavra. E essa frase dele poderia muito bem expressar toda a dor de quem empolgou-se com uma obra em vida, deu tudo de si e viu o não reconhecimento e também serviria para aqueles que pensam que poderiam ser mais reconhecidos, mas que, por alguma razão, o futuro só oferece o descaso e pouco ou nenhum dinheiro. 

Aliando-se a tristeza e a solidão, soma-se a impressão de não proteção. E é por isso bebo muito café quente: uma das poucas coisas que esquenta o meu peito e o cobre como um cobertor. 

"Se eu pudesse ter um pedido..." Gostaria que o meu então coração fosse enterrado na linha do horizonte - onde o mistério paira sobre os olhos e o maravilhoso esconde-se. Assim, ao voltar como uma outra pessoa, as alegrias fantasiosas estariam intrínsecas no espírito e não permitiriam que o meu ser morresse de tristeza como hoje.


domingo, 2 de fevereiro de 2020

O crônico e mórbido desânimo

Às vezes penso que a vida é um desses infortúnios eternos, que repetem-se em ciclos de existências. Esse parece ser o meu caso.

Dias complicados estendem-se em mim, alcalinos e sem graça. E são tantos os motivos para que eles sejam desse modo. Entretanto não são novos. Trata-se de uma grande árvore de dissabores, já anciã, ganhando novas folhagens com os problemas de cada época e com as respectivas pessoas de cada uma.

É difícil quando alguém importante está doente. Principalmente se esse já passou por uma fase preocupante há muito tempo. Mas dessa vez o diagnóstico demora muito e teme-se por más notícias. Esse definhamento físico é uma parte avassaladora. Sem uma causa detectada, não se pode agir para a cura ou para o alívio, ou mesmo para preparar-se para o mais temeroso. É um limbo.

Acordei hoje pensando no exame que foi feito e que sairá na segunda. Como comportar-se com um resultado devastador? Ou mesmo para um que não diz absolutamente nada e coloca-nos de volta no mistério? E assim vão passando-se os dias imersos em uma profunda tristeza.

Não há ninguém para conversar. Não há ninguém desse momento com que eu queira fazer isso. Talvez as minhas esperanças de viver um pouco mais alegre estão se esgotando e não deveriam sequer ter existido.

Preocupa-me a minha situação financeira. Às vezes penso que nunca vou conseguir um bom emprego nessa cidade. Só há concursos. Só há exploração. Agrava meu estado saber que só serei alguém (no sentido literal mesmo) quando falar que possuo um emprego estável. Ainda há o fator idade. A cada aniversário, é como envelhecer 10 anos, olhando-me no espelho e vislumbrando um ser disforme, derretido, quase repugnante. Tenho medo da miséria. Por isso não consigo mais iludir-me com o melhor. Parte de mim morreu em um tempo imemorial.

Antigamente ficava a pensar nas pessoas que eu poderia conhecer. Isso, hoje, tornou-se um desvario. Todos que olho e converso transformam-se em uma peça que não se encaixa. Alguns irritam-me com assuntos desagradáveis. Também há os jeitos, as bobagens de vida, a pouca idade... Sou tomada por um emaranhado de sentimentos frios como o resto de café do fim da tarde. A solidão é ainda mais sórdida em seu intuito quando joga-me em uma multidão incompatível. Esse sim é um dos piores modos de vivê-la.

A negatividade impera quase o tempo todo. E penso que terei que buscar uma compreensão mais efetiva e profissional sobre esse crescimento de melancolia. Entre altos e baixos, digo, somam-se uns oito anos. De fato, esse blog nasceu desse começo de perda de fé. Por isso tenho que escrever; para registrar sonhos trincados e os desencantamentos com o mundo, com o meu próprio.

Meus problemas com o sono continuam. Durmo muito de dia, às vezes não saio da cama. E isso tem me causado dor na coluna e nos quadris. E acomete-me, pela madrugada, a falta dele associado a uma angústia feroz. Há uns 35 dias apresento vertigem ao mover a cabeça (que começou quando descobri que uma pessoa da antiga escola particular que eu estudava possuía doutorado e um ótimo emprego. E isso me mostrou como custou-me o curso de Física. Possivelmente também a minha vida inteira. Como fui infeliz, parece que nunca vou recuperar-me disso!).

Fui ao oftalmologista. Encomendei um novo óculos. Era um dia chuvoso. E só conseguia sentir tristeza ao ver o meu rosto com aquela armação.

O dia mais próximo do normal (e até um pouco alegre) deu-se quando fui assistir 1917. Uma certa liberdade, longe de casa, e com uma das poucas coisas que ainda gosto. Todavia é um prazer muito caro. E mesmo que eu saia para almoçar ou tomar um café, ultimamente, não consigo afastar-me desse amargor de viver o agora.

Antes pedia remédios para a dor. Hoje sei que nem eles podem ajudar-me.

O mundo real é um mar turvo, cheio de perigos e desgostos.



terça-feira, 28 de janeiro de 2020

Crítica da Semana - 1917/2019

1917 é uma obra-prima. Feito para ser visto no cinema em toda a sua grandiosidade. Sam Mendes leva-nos a uma viagem em dois grandes atos, cada um sem cortes aparentes. Uma única missão para dois jovens soldados dentro da I Guerra Mundial. As trincheiras nunca foram retratadas de maneira mais fiel e dimensional. É uma imersão dentro de um inferno dantesco e um espetáculo de iguais proporções.

Lanço essa crítica antes de escrever definitivamente sobre Coringa (Joker/2019) e que fui assistir quatro vezes no cinema com o mesmo entusiasmo inicial. Pensei que igual sensação não pudesse mais atingir-me. Que engano! 1917 é um dos melhores filmes que eu já vi em toda minha vida. E digo isso com a premissa de que filmes sobre guerra são difíceis para mim (apesar de ter apreciado muitos deles ao longo da minha vida), pois sou acometida, durante semanas, por um sentimento de que a vida é somente tristeza, morte e sofrimento, no qual reinam a barbárie e as decepções, todas envoltas pela injustiça. É difícil expor isso quando eu estou em um curso para ser uma futura historiadora. Entretanto sim, meus caros (as) leitores (as), enfrentar a Historiografia é uma tarefa que pode causar lágrimas constantes, pois o passado é cheio de sangue.

Só que 1917 traz consigo algo diferente. Primeiro, por ter como base a I Guerra Mundial, a Grande Guerra. Não há muitos filmes do circuito americano especificadamente sobre esse marco historiográfico. As exceções podem ser encontradas no cinema russo, como o bom trabalho Battalion (Батальонъ/2015) sobre as mulheres russas no front da I Guerra Mundial. Segundo, o filme de Sam Mendes é direto e sem rodeios. Começa e termina com uma determinada missão. Não existe mais do que isso: "Em 06 de abril de 1917, o general Erinmore (Colin Firth) informa a dois jovens soldados britânicos, Tom Blake (Dean-Charles Chapman) e William Schofield (George MacKay), que a inteligência, por meio de reconhecimento aéreo, verificou que os alemães não estão em retirada como se pensava antes, mas que um recuo tático havia sido feito para uma nova área de defesa. Com as linhas telefônicas de campo cortadas, Blake e Schofield são obrigados a entregar em mãos uma mensagem ao 2º Batalhão do Regimento de Devonshire, para cancelarem o ataque que poderá custar a vida de 1.600 homens.

Porém o mais impressionante é a parte técnica. Só para efeitos de comparação: se o Coringa de Todd Phillips é o que é pela atuação de Joaquim Phoenix, 1917 é igualmente por causa de seu diretor, Sam Mendes. Vale ressaltar que, apesar de toda a concepção voltar-se para a I Guerra Mundial, o arco central é baseado em histórias que o avó do diretor, Alfred Hubert Mendes (o sobrenome não nega, os Mendes têm raízes em Portugal), contava. Ele foi soldado na Grande Guerra e, muitas vezes, serviu como mensageiro por ser pequeno, rápido e ágil. Então trata-se de uma película ficcional, aprimorada com fatos históricos pela roteirista (junto com Sam Mendes) Krysty Wilson-Cairns. Com a história então em mãos, a monumental construção do cenário procurou reproduzir quilômetros e quilômetros de trincheiras em campos reais, espalhando efeitos feitos na raça e na coragem, indo de explosões, poços de lama, reproduções de cavalos mortos e cadáveres.



O Épico de Guerra de Mendes foi feito em One Shotum grande e já conhecido trunfo do cinema, para que o filme parecesse exatamente uma grande sequência dentro de uma específica linha temporal. É o famoso Plano-Sequência. A definição de AUMONT e MARIE é exatamente essa: "trata-se de um plano bastante longo e articulado para representar o equivalente de uma sequência (Dicionário Teórico e Crítico de Cinema, Campinas: Papirus, 2001, p. 231)." Desse modo, 1917 tem dois aparentes planos-sequência, mas que, de fato, trata-se da junção de alguns costurados em pontos específicos do filme (ao adentrarem lugares escuros). Menciono dois porque você saberá exatamente onde estará essa passagem quando assisti-lo. Curiosidade: em língua inglesa o filme é chamado de ONE SHOT no modo LONG TAKE. E o pioneiro nesse sentido foi Alfred Hitchcock e seu Festim Diabólico (Rape/1948).

Depois de assistir ao filme (e somente após isso!), as várias reportagens e vídeos sobre a produção do filme darão a dimensão do árduo fazer dessa jornada cinematográfica. Você se sentirá dentro da missão de Blake e Schofield graças ao esforço da equipe de filmagem que coloca o telespectador na narrativa em terceira pessoa, em primeira pessoa e em travelings (deslocamento espacial de câmera nos trilhos) sem nunca quebrar a sequência, passando por muros, cercas, subindo e descendo, com gente correndo e andando dentro da trincheira, com carros acima dessa com mais filmadoras e seus operadores. Devido ao ambiente apertado das locações, as câmeras em HD tiveram que ser adaptadas para serem as mais leves possíveis e assim facilitar toda a ação. Em entrevista ao programa do Jimmy Fallon, o ator George MacKay disse que os ensaios antes da filmagem levaram 6 meses. Isso mesmo. O filme é uma grande coreografia!

O filme e tão voltado para o realismo que até os ratos parecem de verdade. Assisti a um crítico falando que a película é tão imersiva que na hora do aparecimento dos roedores ele pensou: "Poxa, deve ter dado um trabalhão treinar esses ratos!" E esse é um pensamento momentâneo que nos acomete ao ver a obra, pois aqui sim os efeitos visuais são utilizados para ajudar e não para deixá-lo com cara somente do jogo Battlefield 1.

A fotografia é um ponto alto. A direção de Roger Deakins, que é um veterano da área com 15 indicações ao Oscar (contando com a de 1917), é um primor. As cenas noturnas captam o horror, a agonia e a beleza envenenada pela destruição, na qual as luzes deslizam suavemente pelas ruínas. É um trabalho deslumbrante. Se a fotografia é assim, a trilha sonora de Thomas Newman, também um veterano com 14 indicações a estatueta (incluindo 1917), é grandiosa e bela. Para se ter uma noção, a cena da corrida final de Schofield pelas trincheiras é acompanhada pela composição de Newman e ela torna-se ainda mais memorável com a sonoridade.

Além disso, as atuações são muitos boas. Das grandes estrelas, temos pequenas e importantes aparições, como as de: Benedict Cumberbatch (Sherlock/Jogo da Imitação), Andrew Scott (Sherlock/Fleabag), Richard Madden (Cinderella/Bodyguard) e o já mencionado Colin Firth (Orgulho e Preconceito/Discurso do Rei). Porém são as ótimas atuações dos garotos principais, MacKay e Chapman, desconhecidos* do grande público, que nos levam com seriedade a essa odisseia (*unknown tem sido mais utilizado nas mídias para falar dos protagonistas e considero um termo bastante complicado, uma vez que quem acompanha a BBC, ITV e mais emissoras britânicas já viu muito trabalho dos dois. Só nesse final de semana assisti dois filmes com MacKay, Amor em Tempos de Ódio/Where Hands Touch/2018 e Capitão Fantástico/Captain Fantastic/2016).

Um alerta! Os cartazes já revelam que uma hora a missão será apenas de um homem só. Portanto é Schofield que nos guiará até o destino final. Outro destaque são os figurantes, extremamente interessantes e que atuam maravilhosamente (pois não há nada mais frustante que um figurante apático olhando o horizonte, fazendo cara de paisagem).

No que diz respeito ao contexto historiográfico, pode preparar-se! Muita gente vai falar besteira sobre a I Guerra Mundial e o filme. Portanto vou citar uma crítica que você DEVE EVITAR, mesmo depois de assistir ao filme: a do canal OMELETE TV. Além das falhas técnicas, eles não sabem nada sobre a história desse período e apresentam argumentos fraquíssimos. Por outro lado, pessoas de peso também terão suas reclamações acerca do roteiro dentro da Grande Guerra. Por exemplo, do Waldemar Dalenogare Neto, que é professor universitário, com formação acadêmica na área de história e pós-graduação em cinema, além de membro da Academia Brasileira de Cinema. Ele mesmo deu nota 7 à obra. A crítica dele eu coloquei abaixo. São argumentos muito bons e bem fundamentados. E como estudante de História, vou deixar dois livros sobre a I Guerra Mundial. São eles de autores renomados e muito indicados dentro do próprio curso.

Sim, 1917 é tudo isso: grande, majestoso, épico. É bem feito, bem dirigido, bem ensaiado. Vale muito a pena assistir no CINEMA, pois é para tela grande, para um ótima poltrona e som de primeira qualidade. Faça um favor a si mesmo esse ano: NÃO PERCA POR NADA! É uma EXPERIÊNCIA inesquecível. Uma obra que ficará para a posterioridade e para ser sempre lembrada. 

NOTA: 
10 cafezinhos


Trailer:



Por trás da produção de 1917, trilha sonora, entrevista e críticas sobre 1917:












Para saber mais sobre as técnicas empregadas em 1917:


Livros para começar a entender a I Guerra Mundial:

HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos. O Breve Século XX 1947-1991. São Paulo: Companhia da Letras, 1995.

GILBERT, Martin. A Primeira Guerra Mundial: Os 1.590 dias que transformaram o mundo. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2017.


segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

Relembrando o jovem Ismael

Pois é madrugada. Triste. Sonolenta. Inquietante. Dizem que não há descanso para os ímpios. E, talvez, eu esteja entre os piores.

Nesse mar sinistro e taciturno, de águas turvas amargamente esverdeadas, recordei-me de um texto em que descrevi um momento saboroso, com um desses rostos saudosos de outrora. Não poderia ser menos feliz, pois tratar-se de um contexto advindo de Moby Dick. De lá para cá, já terminei de ler o grande clássico mundial e o mesmo tornou-se um dos meus livros favoritos. E para acalmar o meu pesado coração, cheio de mágoas e incertezas, deixo aqui esse escrito. Uma lembrança de um momento simples e delicioso.

P.S: clique abaixo para ler. 

Ismael (Charlie Cox). Moby Dick Minissérie/2011


quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

A Vida é um Cabaret!

"Comece admitindo
que do berço ao túmulo
Não é uma jornada assim tão longa.
A vida é um Cabaret, meu amigo.
É só um Cabaret, velho amigo.
E eu amo um Cabaret." (Cabaret ou Life is a Cabaret/1966 por John Kander e letra de Fred Ebb)


O ano de 2020 começou há um tempo. Grande acontecimento? Duvido. Há uma certa instabilidade pairando sobre as nossas cabeças em forma de um ar enegrecido, com tons de lodo ruidoso, bolorento e garras secas e afiadas. Entretanto criam-se bolhas cheias de vícios, pouco prazeres imediatos, inércia e esquecimento. Eis o nosso Cabaré. Porém trabalhamos para o dos outros. E eles enriquecem com isso: uma maldição daquelas! Pobreza agora é o crime da vez, segundo a família mafiosa reinante, juntamente com os outros parasitas. E vão tentar, também, trancar todos os jornalistas (proteja-se, Greenwald!).

A vida política atual é um inferno sem precedentes. Não há esperança onde planta-se o ódio. E essas religiões (ou qualquer uma delas) caçadoras de bruxas ou supostas outras entidades malignas (pobres de nós, os de pele vermelha!) ditam as regras. A coletividade esvaiu-se com seus propósitos. E sobraram apenas sonhos gananciosos de enriquecer rapidamente, mostrando-se um verdadeiro desprezo pelo o que é verdadeiramente intelectual, livre e criativo. 

E é a minha vida que continua um filme do David Lynch. Pensei em não mais escrever. Isso muito seriamente. Repensei. Esse aqui é um registro de longos anos de minha personalidade e vivência. E é isso que poderá ajudar a reconstruir um eu do futuro, ou simplesmente mostrar quem eu fui nessa existência. Não. Tenho que continuar. De alguma forma.

Todos aqui em casa estão doentes: fisicamente e mentalmente. Fato. Uma atmosfera em preto e branco, com uma suave capa de neve. Nossos agasalhos são panos velhos de uma luz débil e todos os sortilégios parecem cair entre nós. Sinto que as minhas mãos estão amarradas e que não há ninguém para conversar de um modo satisfatório e delicioso (como coalhadas e maçãs). E esse ponto merece umas linhas a mais.

Achar pessoas para conversar é uma tarefa simples. O problema é que elas são demasiadamente desinteressantes e causam um pavor reprimido. Tenho sorte por conseguir estudar História. Contudo há uma vasta gama de dissabores pelas beiradas. Não é fácil aguentar essa nova geração espantosamente tola, infantilizada, sem charme e muito menos sabor. Até mesmo os mais próximos ou são bobos ou uma mistura disso com umas boquinhas que fazem umas críticas sem propósito, voltadas somente para a minha estrutura óssea, digamos assim. Já tive que aguentar falatórios sobre as minhas olheiras, sobre o meu cabelo (porque sempre vai ter alguém que vai dizer que ele está arrepiado), sobre a minha aparência às vezes cansada e sem maquiagem (porque estudar dá trabalho, óh!) e mais alguns outros impropérios. Nesse curso dessa universidade pública em particular não há uma vida social ou artística que possa ser partilhada; não para ser degustada e provocar regozijo. Posso ensinar uma ou outra pessoa e mostrar-lhe algo relevante. E tudo terminará em um poço de insatisfação. O que me conforta é somente a História e minha caminhada independente. Necessito achar pessoas que possam permitir-me sentir o prazer só de vê-las (e não ao contrário), por exemplo. 

Sinto saudades do frisson, dos delicados rostos juvenis capciosos, dos olhares brejeiros e sedutores, da beleza da forma física como notas harmoniosas de uma sinfonia. 

Ao meu redor só há um bléh

Sigo em frente nesse mar e sua névoa. Mas dessa vez eu tenho um farol. Consigo guiar, consigo manter-me em linha reta. Gostaria de mais saúde, de mais cafés sem culpa, de admirar os queridos de outrora, de sentir-me um pouco mais viva. Bem, poderia até dizer que falta-me dinheiro, um emprego (digno). E sim, isso é desesperador. Só que para esse item só restar-me correr atrás, só por mim e por mim. 

Talvez eu escreva mais esse ano, consiga um emprego, possa ir para a Galiza e chegar a Finisterra. Depois para A Corunha e visitar a Torre de Hércules e, finalmente, cantar em galego e recitar García Lorca bem alto, só para o mar. 

São sonhos tão diferentes dos demais. Nada daqui pertence-me. O que preciso pode estar muito além, atravessando o oceano. Uma árdua realidade e muito a se fazer.

Há uma boa sensação no meu coração desses deleites que ficam guardados por muito tempo. Portanto tenho que enfrentar todo esses desprazer de agora. 

E refugio-me no meu Cabaret, cantarolando Sally Bowlles.