segunda-feira, 17 de junho de 2019

Quando Ficares Velha - Por William Butler Yeats

Circe Invidiosa (1892)
John William Waterhouse.
São dias estranhos: saem das sombras, e sem pudores, as pessoas mais invejosas, jovens e de almas negras como a noite do mais impiedoso inverno. São dias também de covardia, de falta de personalidade, rostos aguados e prosas falaciosas dos inúteis movimentos sociais de fachada.

Bradam, a plenos pulmões, por um mundo melhor, gritando politicagens. Entretanto o próprio entorno é desconsiderado. Alguns tentam juntar os desunidos e sofrem eles com as calúnias e venenos.

Não é fácil ser corajoso. É para os que preferem as dores e a morte ao invés de uma vida calma de superficialidade e podridão. E é por isso que estou aqui; um pouco viva, um pouco morta. Mas não temo dizer: sou eu, com a mesma pele, com as mesmas feições, os mesmos pensamentos e um coração bem quentinho.

Só queixo-me dos meus ossos e seus latejares. Todos os meus pecados residem neles.

Mantenho-me na estrada, com foco e vontade. Persigo a cátedra. E para aqueles que pairam seus olhos devoradores de ciúme e invídia e clamam por Ftono, digo-lhes: também rogo a Atenas.

E alimento-me de poesias.

Cena do filme A Sétima Maré (The Seventh Stream/2011)
O momento da leitura da poesia. 
E isso traz-me um filme que assisti um dia desses. A temática irlandesa e suas lendas... A Selkie, a foca que também torna-se humana. Chama-se A Sétima Mare (The Seventh Stream/2001). E lá estava uma bela poesia do irlandês William Butler Yeats.

No meio dessa lama, preciso (mais do que nunca) dos versos, das estrofes, do sonho da Irlanda, do místico, do divino, da inteligência e sabedoria.

Que os deuses livrem-me dessa gente! Que Eles tragam-me a fortuna e os sabores agradáveis das vitórias!

Quando Ficares Velha
William Butler Yeats
1903
Por Alice Boughton.

(When you are old)


Quando ficares velha, grisalha e sonolenta
When you are old and grey and full of sleep,
E te aqueceres à lareira, pega neste livro

And nodding by the fire, take down this book,
E lê-o devagar, sonha com o olhar meigo
And slowly read, and dream of the soft look
E com as sombras profundas outrora nos teus olhos;
Your eyes had once, and of their shadows deep;
Quantos amaram os teus momentos de feliz encanto

How many loved your moments of glad grace,
E a tua beleza com amor falso ou autêntico,
And loved your beauty with love false or true,
Além daquele homem que amou em ti a alma peregrina
But one man loved the pilgrim soul in you,
E as tristezas que alteravam o teu rosto;
And loved the sorrows of your changing face;
E curvando-te mais sobre a lareira ao rubro

And bending down beside the glowing bars,
Murmura, um pouco triste, como o Amor se foi
Murmur, a little sadly, how Love fled
E caminhou sobre as montanhas lá no alto
And paced upon the mountains overhead
E escondeu o rosto numa multidão de estrelas.
And hid his face amid a crowd of stars.

quinta-feira, 13 de junho de 2019

Do que não se pode ter (e nunca se terá)

Houve um tempo em que desejei somente alcançar o meu mundo ideal. Posso dizer que muito da minha vida foi baseada em uma utopia de libertação, com sentimentos avassaladores, aventuras douradas nos confins do espaço, ou, melhor dizendo, de dentro de uma cúpula na qual todo o céu abriria-se perante meus ávidos olhos, num desvelar mortal, um nirvana.

Por isso fui um baú nebuloso, guardiã de sentimentos, ressentimentos, lágrimas, esperanças, um pouco de vingança (talvez até mais do que possa ser relatado), amores não correspondidos, desilusões e muitos pedaços de mim. Esperei justamente pelo triunfo, o final de uma grande saga, a vitória dos humilhados e do coração partido. E foi dessa maneira que não resolvi o que deveria, não revidei, escondi a coragem, sufoquei de amargura. Esperei por um navio, que até veio, branco, grandioso, feito apenas de promessas, e que, mais adiante, naufragou, sucumbiu às rochas além, representantes divinas da realidade esmagadora.

O meu erro foi o de uma jovem mulher que almejou o que não poderia ter. Não era para ser, não me pertencia. Busquei um salvador. Basta deles! Estão mortos como assim quis o destino.

Foi-se o tempo das paixões. E tenho saudades do frisson, do frio na barriga, das madrugadas vistas pelas frestas da janela de madeira. Dos olhos azuis, das nuvens do leste, do céu cortado pelo caminho lácteo, do Arquivo-X, Sky Trackers, Espaçonave Terra...

Mas eu não me queria. Aspirava ter outra carapaça. Sempre infeliz, com quantidades astronômicas de defeitos. Nada de paz e quietude.

Passou-se o tempo e fiz-me por retalhos. Recebi migalhas, muitas. Esperei por conversas minguadas, por telefonemas, por mensagens. Um encontro qualquer. Gostei de muitos, recebi o nada. Enganei outros, disse inverdades, enterrei o asco e desfiz-me desses humanos como quem apenas livra-se de uma pedra no sapato.

Fechei a porta.

Às vezes aparecem os inocentes, patéticos, que não valeriam nem mesmo uma noite qualquer.

Hoje olho-me com mais aceitação, ainda longe do ideal. Engordei e estou tentando desfazer-me da imagem de que pareço um pequeno mostro-bola; o que são 5 quilos a mais? As celulites são apenas celulites.

A História tem-me ocupado por demais. É um desafio prazeroso, cheio de espinhos, de conflitos e que sigo como um cão fiel.

Só posso ter eu mesma, disso agora eu sei. Estou treinando para bastar-me, como deve ser. E, ao final, quem sabe, poderei ganhar um universo cheinho de mim em diversas outras versões.