sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Curiosidades - Sereias e Sirenes - O engano contextual dos tradutores - Parte I

Sim, você pode duvidar! As belas e imponentes sereias, juntamente com os adoráveis esquilos, poderiam formar uma quadrilha de usurpadores... Mas calma! Não é nada disso do que você, querido (a) leitor (a), está pensando...

Nunca fui (improvável que seja um dia) a favor do velho e almofadinha parâmetro de que saber falar e escrever em inglês é um sinal de inteligência e conhecimento (talvez, pelas dificuldades, a língua russa e o amável Latim possam ser). Só que alguns tradutores, principalmente os antigos (e não sei por quais razões), transformaram essa máxima em mínima, pelo menos nos casos que veremos. 

Nessa parte I, vamos falar das diferenças entre os termos sereia e sirene.

***

Sereia (Mermaid) e Sirene (Siren) 
As duas não são a Pequena Sereia!


Para nossos tradutores, elas reduziram-se a um nome só - sereia. Mas uma realmente deve ser chamada de SIRENE e a outra de SEREIA. Além de possuírem radicais totalmente diferentes no inglês, seus significados são distintos e confundem até mesmo os nativos da língua de origem, necessitando buscar-se explicações nas raízes mitológicas.

Siren Painter - Pintura das sirenes em
cena de a Odisseia. Vaso pertencente ao Museu Britânico.
Sirenes (Sirens) - Na Mitologia Antiga, elas nunca foram metade peixe e metade mulher (ou homem). No começo, eram apenas três ninfas que serviam a deusa Perséfone (a moça bonita que o deus Hades surrupiou). A deusa Deméter deu-lhes corpo de pássaro e a missão de localizar a raptada. Mas com o fracasso da empreitada, elas desistiram e estabeleceram-se na Ilha de Anthemoessa. Passaram, então, a seduzir marinheiros com seus cantos para que esses se afogassem (o motivo, como sempre na Mitologia, puro capricho!).

Elas aparecem em duas histórias famosíssimas - Jasão e os Argonautas (Jason and the Argonauts) e a Odisseia (Parte da Ilíada). De acordo com o conto de Jasão, as sirenes foram encontradas pelos Argonautas que passaram por elas ilesos, contando com a ajuda de Orfeu que conseguiu abafar o canto das mesmas com os acordes de sua lira. Ulisses, em a Odisseia, navegou amarrado ao mastro do seu navio, enquanto seus homens bloquearam o canto delas com cera em seus ouvidos. Elas não suportaram tal afronta e deram cabo das próprias vidas.

Nereida cavalgando um golfinho
Museu J. Paul Getty.
Sereias (Mermaids) - Elas não cantam, pelo menos na Mitologia. E essas sim são metade mulher (ou homem), metade peixe. Elas estão no folclore e nos mitos desde suas primeiras aparições nas histórias da Antiga Babilônia. O deus peixe-homem chamava-se Era, depois, nas histórias gregas, chamou-se Tritão. E foram os gregos que deram as primeiras descrições das sereias.

A origem grega dos contos sobre as sereias encontra-se na mitologia das nereidas. Elas fazem parte das divindades aquáticas. Segundo Thomas Bulfinch no O Livro de Ouro da Mitologia (Martim Claret, pág. 230-231), elas eram filhas de Nereu e Dóris (Nereu era pai de Anfitrite, esposa de Netuno. E estes dois últimos eram pais de Tritão). Elas ficaram conhecidas como ninfas do mar e estima-se que, na Mitologia Grega, existam cinquenta nomes pertencentes a essa ramificação. Porém as mais conhecidas são: a própria Anfitrite, Tétis, a mãe do herói Aquiles e Galatéia (não confundir com Galatea da história de Pigmalião).

Ao contrário das sirenes, que queriam espalhar a morte e a destruição, as sereias, ninfas do mar, protegiam os humanos, principalmente os marinheiros.

Para saber um pouco mais sobre Mitologia Grega:



Fontes:

Meio eletrônico - artigos e postagens

Knowledgenuts - Diferença entre sereias e sirenes - Site em inglês
Theoi Mitologia Grega - Explorando a mitologia na Literatura e Arte Clássica - Sirenes - Site em inglês
Theoi Mitologia Grega - Explorando a mitologia na Literatura e Arte Clássica - Nereidas - Site em inglês
Monstros Marinhos e Sereias - Lendas e mitos gregos - Adrienne Mayor - Artigo em inglês
Nereidas - Wikipédia em Português
Nereu - Wikipédia em Português

Meio eletrônico - E-books

Mitologia de Bulfinch - Capitulo 22 - A Rede de Literatura - E-book em inglês
Jasão e os Argonautas através das eras - As Sirenes - E-book em inglês
Mitologia Bulfinch - A Idade da Fábula - Google Book em inglês 
Teogonia - A origem dos Deuses - Hesíodo - Estudo e tradução - Jaa Torrano - Google Book em português

Livros

O Livro de Ouro da Mitologia - História de Deuses e Heróis - Thomas Bulfinch
Editora Martin Claret, Série Ouro, tradução de Luciano Alves Meira, 467 páginas, 2006.

Você, caro (a) leitor (a), poderá se interessar também pela postagem do CQ&Sherlock: 
Curiosidades - Esquilos e Tâmias - O engano contextual dos tradutores - Parte II
Sereia - Poema de autoria de T.S. Frank

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Cheiros e saudades

Era um tempo imemorial.

E bem lá no fundo, onde as lembranças mais intocáveis moram, notas de um cheirinho de pré-escola eram gotas de alegria - Mabel e suco de laranja!

Sou só saudade, esse enorme conjunto de átomos dessa matéria dolorosa.

Era um tempo bom... E eu não sabia. Nunca sabemos. 

Tempo dos livros de capas vermelhas, cheios de histórias, guerras, princesas, reinados e lutas. 

Era o fim do mundo. Porém só meu.

Hoje só há lama, fragmentos de corações dilacerados, amizades perdidas, confianças extraviadas, mal entendidos, chateações e pensamentos que deveriam ser guardados.

Todos os amores deveriam ser platônicos e eternos, juvenis e brilhantes. E só amamos assim uma vez. Os outros sempre serão aquém, cheios de lágrimas e sofrimentos, ou monótonos, ou errados, pelas pessoas erradas e situações tortuosas. 

Um dia eu tive meu oceano azul. E agarrei-me a ele com apreço. E esta memória é o calmante para o caos de sentimentos desse presente ingrato e catatônico.

A vida tornou-se cinza, sem graça. E as pessoas desinteressantes, todas elas! Onde estão seus rostos vívidos, cheios de perguntas e cores saltitantes? Perderam-se dentro de mim. São apenas faces e fábricas de palavras.

Saudades das nuvens que profetizavam chuvas magníficas vindas do leste e que traziam o cheiro das folhas verdes e dos espíritos das florestas. Portais eram abertos através do arco-íris. Sentava na praça e elas [as nuvens] eram de todas as cores, rosas, azuis, amarelas... Uma sinfonia harmoniosa no final de tarde. A felicidade estava ali com seu véu e eu não sabia. 

A noite, o mais lindo céu - o caminho brilhante e leitoso da Via-Láctea . Ali depositei meus sonhos. E eles ainda estão lá, mas perdidos, pois eu também me perdi.

Era tudo esperança. 

É agora tudo que resta é o pó daqueles tempos cheios desejos.

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Crítica da Semana: Brilho de uma Paixão (Bright Star)/2009

Uma explosão de cores em tons pastéis e o fulgor de azuis vivazes. A suavidade do amor expressado através das palavras e construído com primor e delicadeza. Nesse tempo que presenciamos a imposição do amor carnal como o único verdadeiro e possível, a beleza dessa película mostra-nos o que há de mais puro, singelo e (por que não?) revigorante no sentimento primordial que o último grande poeta do romantismo inglês retratou em cada verso de seus poemas.

Produções inglesas de época sempre carregam consigo grandes expectativas. Pudera! Na terra onde reinam os melhores canais de televisão, BBC e ITV, as brigas por audiência são produtivas e trazem trabalhos estupendos. E com os filmes não seria diferente. Eis uma belo exemplo, Brilho de uma Paixão (Bright Star/Austrália/Reino Unido /França/ 2009).

Nos romances, os riscos de cair em um enorme clichê são sempre altos. Porém, nesta película, o amor não consumado em sua totalidade ganha a forma da poesia do inglês John Keats (1795-1821). Keats é um jovem poeta que, pela morte dos pais e da busca pelo reconhecimento de seus trabalhos, vê-se endividado e sem muitas chances imediatas de estabilizar-se. Seu irmão, Tom, há muito tempo doente, acaba morrendo e John muda-se definitivamente para a casa de seu amigo e companheiro de trabalho, Mr. Brown. Brown mora na metade da casa da família de Fanny Browne (1800-1865). John já havia conversado algumas vezes com Fanny em reuniões e festas sociais. Agora como vizinhos, pouco a pouco, o relacionamento transforma-se em um amor puríssimo.

Quem conhece o mínimo de Keats, sabe que ele morreu cedo em decorrência do agravamento da tuberculose que adquiriu um pouco antes. Contudo o modo como o filme apega-se a sutileza do amor entre os dois jovens foge à armadilha do melodramático e carrega uma beleza ímpar de colorir (literalmente) os olhos.

Fanny é interpretada de maneira formidável pela atriz Abbie Cornish e Keats perfeitamente por Ben Whishaw. Wishaw é um ator belíssimo, com traços delicados. Sua figura cativou-me. Não poderia esquecer tal rosto desde Perfume - A História de um Assassino (Perfume: The Story of a Murderer/2006).

A fotografia do filme é primorosa, a trilha sonora é inebriante e a direção é certeira. Aliás, a diretora é responsável, também, pelo filme O Piano (The Piano/1993), que é um dos meus favoritos e conta com a trilha sonora maravilhosa de Michael Nyman.

Brilho de uma Paixão é visualmente espetacular e possuidor de um enredo belíssimo. O amor, com sua enorme gama de ser, é mostrado como um bálsamo. Seus olhos cativantes são capazes de conquistar a mais incrédula e seca das criaturas. Simplesmente obrigatório assisti-lo - um deleite imensurável!


Curiosidade

O título do filme vem do poema de Keats, Bright star, would I were stedfast as thou art (Estrela brilhante! Gostaria de ser fixa como tu és). O original e a tradução encontram-se abaixo.

Bright star, would I were stedfast as thou art
Not in lone splendour hung aloft the night
And watching, with eternal lids apart,
Like nature's patient, sleepless Eremite,
The moving waters at their priestlike task
Of pure ablution round earth's human shores,
Or gazing on the new soft-fallen mask
Of snow upon the mountains and the moors
No – yet still stedfast, still unchangeable,
Pillowed upon my fair love's ripening breast,
To feel for ever its soft fall and swell,
Awake for ever in a sweet unrest,
Still, still to hear her tender-taken breath,
And so live ever – or else swoon in death.

Estrela brilhante! Gostaria de ser fixa como tu és
Não em um solitário esplendor como agora,
Velando como estás, com grandes pálpebras,
As águas movimentadas em torno das praias humanas,
Como um austero eremita da Natureza.
Ou contemplando a agradável máscara da neve por sobre as Montanhas e os Pântanos.
Não – Quieta, imutável como sempre,
Parada sobre o seio maduro de minha amada,
Para que eu sinta eternamente seu calmo respirar,
E acorde um dia numa doce inquietação.
Quieta, fixa, para que eu ouça sua terna e calma respiração,
E assim viva para sempre, ou desfaleça na morte.

Trailer - Brilho de uma Paixão



Fontes