O céu está limpo e as constelações estão presentes, porém a madrugada é gélida. E uma certa angústia paira em mim. É como estar em
slow motion, num filme cinza com um nevoeiro melancólico.
Falta algo. Minha vida é uma sequência de incompletudes e incertezas. Doar-se é uma palavra quase extinta porque ela é o êxtase da certeza, da convicção, do amor, da amizade e da cumplicidade.
Tenho sono e gostaria de dormir por muito tempo. Uns cem anos talvez.
E esse sentimento sufocante de impossibilidade transforma meu taciturno filme em um complemento de Ingmar Bergman, com todas aquelas análises sobre o ser humano.
Nesse exato momento pode ser o começo do fim, o começo do novo ou o mesmo de sempre com uma ponta de devaneio. Quem vai saber?
Nesse instante eu sei; sei o que acontece, sei o que se passa... Imagino. E isso me dói.
Estão a esperar-me muitos livros, alguns documentários e filmes. Uma boa ocupação. Na verdade, uma simples e prazerosa atividade. Sim, devo voltar aos meus velhos amigos que, assim como lordes ingleses, são cultos, elegantes e gentis.
Por que cegamos-nos? Por quê? O óbvio faz-se tão presente que é quase um paradoxo não enxergamos o mesmo. Porém, criaturas como eu, temos a mania de, mesmo com todo o negativismo impregnado, guardar num certo baú a esperança e a fé nas pessoas, mesmo que tudo corra na direção contrária, arranhando e mostrando a realidade.
Difícil mesmo é passar dessa fase e voltar a tranquilidade. Sempre que nosso mundo de ilusões cai, o que sobra mesmo é a depressividade e aquela velha pergunta de divã vermelho:
"vou, um dia, recuperar-me?".
E quando essa inevitável hora chega, o que mais precisa-se é de cama macia, Luar Na Lubre, biscoito e leite.
E essa hora está chegando para mim. São os primeiros sinais que eu vejo (fora os que já foram dados e eu não vi) e que levam-me a esse caminho descrito.
A realidade pode ser vil e cruel. Todavia, quando estou em meu mundo paralelo, os sentimentos são intensos - cada momento, cada minuto - sem piedade, sem rancor, sem dúvida e sem dificuldade.
E mesmo que sangre por muito tempo, não me arrependo.
Só resta o tempo fazer sua parte - em silêncio e devagar...