quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Enterre o meu coração na linha do horizonte


"Se eu pudesse morrer e voltar de imediato..." Com essa certeza, desejaria não mais que quietude e um amor duradouro. Mas não um desses que se consome fervorosamente, desgastando-o com mordidas de rancor e paixão que misturam-se até formarem um só ente. Contentaria-me com conversas, cumplicidade e o querer lento das paixões platônicas.

É um dos mais terríveis tempos de solidão e tristeza, uma mistura angustiante que tira-me os prazeres cotidianos. Talvez eu esteja levemente deprimida e caminhando para uma dessas faltas de reações químicas cerebrais que levam as pessoas à boca do enorme Leviatã. De fato, eu não sei muito agora de mim própria, pois esse eu está quebrado por dentro e tem que sorrir e manter-se como antes para evitar as conversas e as indagações do meu entorno. Esse entorno que faz-me ainda mais taciturna. É uma distância tão grandiosa e que mostra-me um limbo cheio de almas que flagelam-me com suas presenças. 

É extremamente complicado, longe daqueles descritos na Literatura. 

"Se eu pudesse voltar no tempo..." Aproveitaria mais as antigas conversas, os antigos amores e até mesmo as feições juvenis dessas ardentes paixonites dos bancos da universidade. Naquela época, eu era um pouco melancolia e um tanto de esperança. Tinha o coração partido pelos sonhos ameaçados e pelos sentimentos e beijos que ficaram no Verão. Entretanto amanhecia para uma nova sensação e, o mais importante, o meu coração estava aberto para todas as possibilidades. 

Estou às voltas com alguém muito próximo que definha a cada dia. É como se o ceifeiro jogasse uma espécie de xadrez. Pode ser algo muito grave ou mesmo um trauma de uma experiência anterior. Não se sabe, nem mesmo os médicos. Muito dinheiro gasto, nenhuma resposta e o tempo passando. Discussões, lágrimas da madrugada, desespero. Posso não ser a pessoa de 34 anos mais infeliz do mundo, contudo sou muito mais do que esperaria ou mereceria ser. 

Sinto-me pobre e fraca, e bem isolada. Incapaz e inútil. E levo comigo as discórdias. Não posso me calar, todavia deveria. E muito. Outros com a mesma atitude poderiam ser louvados. Eu não posso. Estrago tudo pelo caminho. O que carrego parece uma maldição. 

Os anseios e sonhos viram pó de desvario ou mesmo de petulância. Por que eu deveria ter pensado em um dia ir para a Irlanda ou Galícia? Conhecer muitas pessoas, sorrir e falar e escutar. Seria essa vivência uma penitência por pecadores anteriores? 

Ultimamente tenho lido muito sobre Herman Melville. E como ele só há outro: Van Gogh. Tenho esse interesse por figuras com grandes obras e que em vida viveram na completa miséria ou na linha da pobreza, vivendo à custa de parentes e que perderam tudo por causa de um objetivo. Decepcionaram-se e foram desacreditados. As vidas infelizes atraem-me por serem assim parecidas com a minha. Não é só uma miséria material. É sobretudo a espiritual. 

Melville tem uma frase que mostra o quanto ele sabia de todo o seu infortúnio: “Though I wrote the Gospels in this century, I should die in the gutter.” (Why Read Moby Dick?, Nathaniel Philbrick, Chapter: The Gospels in the Century. E-book, 2011), ou seja: "Embora eu tenha escrito os Evangelhos neste século, eu deveria morrer na sarjeta." E assim foi. Melville só foi reconhecido tempos depois como um grande, um dos maiores. Contudo ele mesmo morreu achando que Moby Dick foi um fracasso. O que parece muito mais do que injusto. Trata-se de um grande horror. Tornou-se imortal só para aqueles que nunca poderá sequer trocar uma palavra. E essa frase dele poderia muito bem expressar toda a dor de quem empolgou-se com uma obra em vida, deu tudo de si e viu o não reconhecimento e também serviria para aqueles que pensam que poderiam ser mais reconhecidos, mas que, por alguma razão, o futuro só oferece o descaso e pouco ou nenhum dinheiro. 

Aliando-se a tristeza e a solidão, soma-se a impressão de não proteção. E é por isso bebo muito café quente: uma das poucas coisas que esquenta o meu peito e o cobre como um cobertor. 

"Se eu pudesse ter um pedido..." Gostaria que o meu então coração fosse enterrado na linha do horizonte - onde o mistério paira sobre os olhos e o maravilhoso esconde-se. Assim, ao voltar como uma outra pessoa, as alegrias fantasiosas estariam intrínsecas no espírito e não permitiriam que o meu ser morresse de tristeza como hoje.


domingo, 2 de fevereiro de 2020

O crônico e mórbido desânimo

Às vezes penso que a vida é um desses infortúnios eternos, que repetem-se em ciclos de existências. Esse parece ser o meu caso.

Dias complicados estendem-se em mim, alcalinos e sem graça. E são tantos os motivos para que eles sejam desse modo. Entretanto não são novos. Trata-se de uma grande árvore de dissabores, já anciã, ganhando novas folhagens com os problemas de cada época e com as respectivas pessoas de cada uma.

É difícil quando alguém importante está doente. Principalmente se esse já passou por uma fase preocupante há muito tempo. Mas dessa vez o diagnóstico demora muito e teme-se por más notícias. Esse definhamento físico é uma parte avassaladora. Sem uma causa detectada, não se pode agir para a cura ou para o alívio, ou mesmo para preparar-se para o mais temeroso. É um limbo.

Acordei hoje pensando no exame que foi feito e que sairá na segunda. Como comportar-se com um resultado devastador? Ou mesmo para um que não diz absolutamente nada e coloca-nos de volta no mistério? E assim vão passando-se os dias imersos em uma profunda tristeza.

Não há ninguém para conversar. Não há ninguém desse momento com que eu queira fazer isso. Talvez as minhas esperanças de viver um pouco mais alegre estão se esgotando e não deveriam sequer ter existido.

Preocupa-me a minha situação financeira. Às vezes penso que nunca vou conseguir um bom emprego nessa cidade. Só há concursos. Só há exploração. Agrava meu estado saber que só serei alguém (no sentido literal mesmo) quando falar que possuo um emprego estável. Ainda há o fator idade. A cada aniversário, é como envelhecer 10 anos, olhando-me no espelho e vislumbrando um ser disforme, derretido, quase repugnante. Tenho medo da miséria. Por isso não consigo mais iludir-me com o melhor. Parte de mim morreu em um tempo imemorial.

Antigamente ficava a pensar nas pessoas que eu poderia conhecer. Isso, hoje, tornou-se um desvario. Todos que olho e converso transformam-se em uma peça que não se encaixa. Alguns irritam-me com assuntos desagradáveis. Também há os jeitos, as bobagens de vida, a pouca idade... Sou tomada por um emaranhado de sentimentos frios como o resto de café do fim da tarde. A solidão é ainda mais sórdida em seu intuito quando joga-me em uma multidão incompatível. Esse sim é um dos piores modos de vivê-la.

A negatividade impera quase o tempo todo. E penso que terei que buscar uma compreensão mais efetiva e profissional sobre esse crescimento de melancolia. Entre altos e baixos, digo, somam-se uns oito anos. De fato, esse blog nasceu desse começo de perda de fé. Por isso tenho que escrever; para registrar sonhos trincados e os desencantamentos com o mundo, com o meu próprio.

Meus problemas com o sono continuam. Durmo muito de dia, às vezes não saio da cama. E isso tem me causado dor na coluna e nos quadris. E acomete-me, pela madrugada, a falta dele associado a uma angústia feroz. Há uns 35 dias apresento vertigem ao mover a cabeça (que começou quando descobri que uma pessoa da antiga escola particular que eu estudava possuía doutorado e um ótimo emprego. E isso me mostrou como custou-me o curso de Física. Possivelmente também a minha vida inteira. Como fui infeliz, parece que nunca vou recuperar-me disso!).

Fui ao oftalmologista. Encomendei um novo óculos. Era um dia chuvoso. E só conseguia sentir tristeza ao ver o meu rosto com aquela armação.

O dia mais próximo do normal (e até um pouco alegre) deu-se quando fui assistir 1917. Uma certa liberdade, longe de casa, e com uma das poucas coisas que ainda gosto. Todavia é um prazer muito caro. E mesmo que eu saia para almoçar ou tomar um café, ultimamente, não consigo afastar-me desse amargor de viver o agora.

Antes pedia remédios para a dor. Hoje sei que nem eles podem ajudar-me.

O mundo real é um mar turvo, cheio de perigos e desgostos.