terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

Carta ao amigo desconhecido e de paradeiro longínquo





S..., 05 de fevereiro de 2019, em uma madrugada fria e de dores.



Querido amigo desconhecido, como tens passado? Espero que estejas com boa saúde. E deixo aqui, de antemão, meus sinceros desejos de bem-estar e harmonia.

A Velha Cidade anda muito animada, preparando-se para as festividades do Carnaval, que está bem longe, sim, eu sei. Entretanto não seriam estes filhos da Madre se não juntassem a Natividade com os Pierrôs e Colombinas.

Nem tudo está em seu devido caminho, sinto dizer-lhe. Mal começou o ano e as decepções assolam-me. Muito mais ligadas às pessoas eruditas, antes admiráveis, e seus vícios. Há casos e casos, repetições de cenas já vistas tantas vezes. Porém não menos aterrorizantes. É como o despertar de Mr. Hyde quando quer-se somente a sabedoria de Dr. Jekyll. Esta semana que passou foi palco de um enorme conflito interno, de uma agonia interior... De uma tristeza profunda. A iconoclastia feriu-me quase que mortalmente. Se pudesse contar-te todos os pormenores cheios de espinhos, seria muito mais frutífero. No momento, contento-me apenas em escrever-te esta folha, mesmo que seja tão enigmática e cheia mais de pesar do que de explicações coerentes.

A vida acadêmica está muito boa. É claro que há certas minúcias, dessas que somente as pessoas com um pouquinho mais de trinta anos passam (principalmente as mulheres) quando o mundo possui mais jovens do que empatia. Intelectualmente é um caminho solitário bem eficaz. Portanto não queixo-me da minha capacidade, talvez a única que mereça minha confiança.

Por outro lado, sinto-me injustiçada no campo do trabalho. É como se todas as portas tivessem sido fechadas. E suspeito que essa seja a fonte do meu tormento psicológico que potencializa as minhas dores na coluna. Há dias insuportáveis à base de remédios e gelo. Estou sempre sonolenta. E, às vezes, não gostaria nem mesmo de acordar. Ao dormir, vivo sem o martírio de sentir esses ossos frágeis. É um atenuante para meu crônico sofrimento.

Hoje tudo piorou, pois o meu pagamento de um trabalho para uma empresa privada está em atraso. Como é um dinheiro considerado pífio, pareço mais um desses servos da Idade Média, que fica ao bel prazer do Senhor. As cobranças dessa tarde deixaram-me para baixo.

A vida é um grande farsa. Tu não achas? O ser humano é medido pelo status. Mesmo que seja bom e culto, se não tiver uma boa posição social e um ótimo emprego, não vale um vintém; não podendo emitir opiniões, sendo alvo de escárnio dos parentes e servido como comparativo de fracasso.

Não irei estender-me, prometo; ao menos dessa vez.

Espero que essa carta chegue o quanto antes. Não exigirei resposta. Se chegar a ler a mesma, já estará de bom grado para mim. E para não perder o costume, envio um disco com a trilha sonora de Dr. Zhivago por Maurice Jarre. Quando escutares o Tema Principal (Main Title) lembre-se de mim. Quem sabe um dia a dancemos em um desses casarões oitocentistas, ou, melhor, a escutaremos bebendo um belo café da tarde num desses lugares bucólicos, cheios de saudade e amores.

Com carinho, 

T.S. Frank.