sábado, 12 de outubro de 2019

Coringa, Cinema & História - o cotidiano solitário no meio de uma multidão incompatível

S..., 12 de outubro do ano de 2019.

Saudações.

Bom, por qual parte começar? Um mês inteira afastada; praticamente fagocitei setembro. Não se tratou de um desligamento da escrita. Jamais! Entretanto digo que o curso de História tem exigido muito de mim: compromissos, lecionar para as crianças do nono ano, estudos, algumas noites de insônia e uma certa dose de loucura e episódios de surtos.

E essa é uma parte complicada. Na última segunda-feira estive praticamente à beira de um colapso mental, com direito a um choro estrondoso, lamentos e quase um ranger de dentes bíblico. O motivo pode parecer o mais banal dentro do cenário em que os jovens universitários estão mergulhados em um oceano de desinteresse, portando-se como figuras patéticas e bufantes, que não sabem se expressar na língua materna, pensam apenas em beber algo muito vagabundo e extremamente barato em lugares nos quais a vulgaridade é uma senha principesca. Contudo não poderia sê-lo para mim. Perdi um fichamento no maldito Word e entrei em desespero. Foi a cereja de um bolo que assa em estresse, tarefas e muito pouco dinheiro. E mesmo ao recuperá-lo no momento final, o estrago mental já estava feito. Estou presa em um universo em que a única coisa que me pertence é o próprio curso de História e qualquer ponto fora do planejamento é motivo para um verdeiro apocalipse. 

Sim. Vivo em um limbo. Ninguém mais é interessante, nem mesmo desperta aquela admiração que é necessária para cotidiano, que alimenta a alma e causa um sabor na boca igualzinho ao de maçãs com coalhada. É uma espécie de filme verde, um tanto sujo, desesperançoso. Por isso sigo otimamente na solidão. E não pense que é uma queixa; ponho mais como uma questão de que esses sapatos calçam melhor. 

Assim, no último sábado, fui assistir ao Coringa do Joaquim Phoenix. Meu Deus do Céu! Fazia tanto tempo que eu não via algo que parecesse um pouco com o cinema que gosto: com filtros que gradualmente saem desse tom musgo, azul envelhecido e marron para as cores sádicas e eufóricas da loucura do amarelo e vermelho. Ao final, aplaudi em pé. 

Hannah Arendt
Só que essa experiência pediu uma outra apenas comigo mesma. Ontem fui na primeira sessão vespertina rever o filme. Comprei um ingresso para a cadeira mais espetacular de todas: a  da segunda fileira - 13B, que praticamente traga o telespectador e é evitada pela massa em geral. Peguei pipoca doce (a minha favorita) uma super Coca-Cola e fiquei lá embaixo como se não houvesse o amanhã e ninguém a mais além de mim e Arthur Fleck

Eu realmente deveria fazer isso mais vezes. 

Para o fechamento do dia, comprei um belíssimo livro da Hannah Arendt chamado As Origens do Totalitarismo. É mais um para o curso de História e que irá fazer companhia para o ótimo Peter Burke

Penso em gravar um podcast... Como nos velhos tempos... Talvez saia essa semana. Será sobre o lado psicológico do filme Coringa ou Cinema e História (no contexto historiográfico). 

Essa é mais uma carta de notícias. Espero que chegue tão logo aos seus olhos.

Até muito em breve.

T.S. Frank

P.S: envio-te a música do Cream. Você entenderá tão logo (ou isso até mesmo já aconteceu!). 
Guarde isso:  - Olha o que você fez! A cidade está queimando por sua causa! - Eu sei. É lindo, não é?




2 comentários:

  1. Coringa foi uma das maiores supresas que tive no cinema.

    Se aproveitar do fastfood Batman para fazer arte, e arte politica, anarquista, foi demais para mim.

    Ali está a tradição do Scorcese, a poética suja dos becos novaiorquinos, mas também a investigação psíquica e moral do melhor cult europeu. Noé e Trier devem ter curtido.

    É uma aula de como nós estamos fodidos, é a perspectiva do fodido, e por fim a sociedade banal em êxtase pelo ato libertador do "vilão".

    Nietzsche e Sartre, sem carinho nem coberta, num tapete atrás da porta.

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    1. Eu tinha uma sensação que o Joaquim Phoenix iria fazer algo surpreendente. E eu estava certa. Com todo o sadismo e violência do próprio Coringa que conhecemos, ali ainda era o Arthur Fleck, que despertou a nossa empatia, uma empatia estranha, porque os problemas dele podem ser bem os nossos: falta de saúde, degradação psicológica, abandono, solidão, abusos e desprezo dos outros. Passamos, então, a odiar os Wayne, "os bonzinhos" porque eles também têm sua parcela de culpa sendo os ricos da história, a elite. É como tu diz: "É uma aula de como nós estamos fodidos" e é exatamente sobre isso. E lá tem toda uma negatividade de um mundo cão e eu lembrei mesmo foi de Schopenhauer.

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Querido (a) leitor (a), obrigada por ler e comentar no Café Quente & Sherlock! Espero que tenha sido uma leitura prazerosa. Até a próxima postagem!