terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Manuscrito - Hécate

domingo, 25 de dezembro de 2016

Mais um Natal...

Então, eu não tenho muito para escrever sobre o Natal. O que eu tinha para falar sobre ele foi escrito anteriormente, em outros anos...

Deixarei um vídeo do Drauzio Varella que explora bem o assunto natalino...

... É uma boa ferramenta para reflexão.

E sim... Eu estou com meu bucho cheio até agora - chutei a intolerância à lactose por hoje, comi muito panetone, Chester assado na cerveja, salpicão, farofa e bebi litros de Coca-Cola.

Hoje permiti-me ser um pouco feliz. Esqueci minhas dores físicas e psicológicas.

Estou com a minha família, o que realmente importa... O restante... Bem, deixarei para os comentários do Ano Novo...

Este é o meu milagre de Natal. 



sábado, 24 de dezembro de 2016

Combo - Livro & Filme - Austenlândia (Austenland)

- Estou solteira porque, aparentemente, os únicos homens bons são os fictícios. 
(Jane Hayes em Austeland, 2013)

Antes que este tenebroso ano de 2016 acabe e que as costumeiras mensagens de Natal e Ano Novo apareçam, trago duas resenhas sobre Austenlândia (Austenland) - o livro e o filme.

Uma das novidades é que este livro foi o primeiro que li no meu novo e-reader - o Kindle Paperwhite (uma resenha inteira será dedicada a ele em breve). No mais, para as leitoras e leitores que gostaram da postagem mais popular do CQ&Sherlock até aqui, Por que queremos um Mr. Darcy?, esse é o meu presente de Natal para vocês!

Mas antes...

Eu vi primeiro o filme na Netflix e depois li o livro no Kindle.

A opinião no blog será uma das poucas, senão a única, na internet que expressa a preferência ao filme. Isso não significa que o livro seja ruim. Mas há paixões que vão contra a corrente...




Filme Austenlândia (Austenland/2013)

Se você gosta de Orgulho e Preconceito, personagens caricatos, belas paisagens e sente-se, também, um pouco Darcymaníaca (o), este filme é como uma mão em uma luva da Era Vitoriana. Vestir a pele de Jane Hayes não será incomum – Keri Russell dá voz e corpo a cada traço de personalidade das heroínas de Austen neste filme que mais parece uma sátira do livro homônimo - o que é ótimo!

Austenlândia (Austenland/USA/UK/2013), com direção da estreante americana Jerusha Hess, é um daqueles filmes para ver descompromissadamente, quando há a vontade de assistir algo leve, romântico e doce como um merengue.

A comédia romântica é certeira no quesito divertimento e entretenimento. Outros aspectos, como os personagens caricatos, causam divergências de opiniões - ou você ama ou odeia. Particularmente, sobrou-me amor. Tanto que já vi o filme umas 15 vezes.

O enredo fala sobre Jane Hayes (Keri Russell), uma mulher com mais de 30 anos de idade, que não consegue encontrar um namorado, pois nenhum homem parece à altura de seu grande ídolo - o Mr. Darcy (personagem criado por Jane Austen no romance Orgulho e Preconceito). Um dia ela decide gastar todas as suas economias e voar para o Reino Unido, onde existe um resort especializado em acolher as mulheres apaixonadas pelas histórias de Austen. Lá, ela descobre que o homem dos seus sonhos pode se tornar uma realidade.

Há de se destacar a atuação de Keri Russel como Jane Hayes, que é leve e simpática, muito da personalidade da atriz, que também passa essas características em outros trabalhos. Outro destaque é para o ator JJ Feild (que é americano, mas mudou-se para Londres quando era apenas bebê), que faz o Henry Noble, o residente Mr. Darcy. Sua interpretação de um homem de poucos amigos e de ar emburrado que depois revela-se um perfeito cavalheiro com uma voz suave e um jeito encantador é na medida.

Outro bom ponto é a trilha sonora, com músicas dos anos 80, como, por exemplo, Bette Davis Eyes (1981), de Kim Karnes, e Heaven Is A Place On Earth (1987), de Belinda Carlisle.

Uma dica é assistir pós-THE END - há boas surpresas - Austenlândia virou um parque temático sob a direção de Mr. Charming, o, agora, casal Jane e Henry aparecem para passear no novo lugar e outros finais são mostrados. Nos créditos, há um clipe com os personagens fazendo uma coreografia para a música do rapper Nelly - Hot in Herre.

Definitivamente, sendo você, leitor (a), fã de Austen ou apenas de comédias românticas, este filme é uma ótima pedida. É como comer uma caixa de chocolates quando deseja-se: não há como enjoar. Recomendadíssimo!





Livro Austenlândia (Austenland/2009)


O livro que tenho é da: Editora Record
Formato: e-book
E-reader: Kindle
Ano: 2014
ISBN: 978-85-01-03296-6 (recurso eletrônico)
Edição: 1 ª edição
Número de páginas: em um e-book o número de páginas é relativo. Trata-se de um livro curto.
Autor (a): Shannon Hale (trad. Regiane Winarski)
Preço-faixa na Amazon: R$ 18,90


Austenlândia, da autora americana Shannon Hale, é um livro despretensioso, cujo o maior intuito é divertir os românticos e os obcecados por Mr. Darcy que não pertencem ao grupo dos xiitas austenianos. Na proposta que lhe cabe, sai-se muito bem.

O enredo gira em torno de Jane Hayes, uma mulher de 33 anos que mora em Nova York. Bonita, inteligente e com um bom emprego, ela guarda um segredo constrangedor - é obcecada pelo Mr. Darcy, (personagem criado por Jane Austen). Com uma vida amorosa lamentável, Jane decide aceitar seu destino - noites solitárias no sofá assistindo a Colin Firth em Orgulho e preconceito. Contudo, ao ganhar uma viagem de férias para Austenlândia, um misterioso lugar onde todos devem se portar como se estivessem em uma obra da consagrada escritora, Jane tem a chance de viver o romance que sempre sonhou.

O livro é curto, de fácil leitura e que pode ser terminado em um piscar de olhos. Agradável e bem desenvolvido no limite de seu próprio universo.

Vale a pena uma conferida.


Algumas diferenças entre o filme e o livro


No filme, Jane vende o carro para comprar o pobre Pacote Cobre para Austenlândia em uma agência de turismo. No livro, ela recebe a viagem de sua tia-avó Carolyn como herança.
No livro, a mãe de Jane é Shirley. No filme, ela não é mencionada.

A tia-avó Carolyn não é mencionada no filme.

A melhor amiga de Jane, Molly, no livro, tem gêmeos. No filme, ela aparece apenas grávida.

No livro, Pembrook Park, o local de Austenlândia, tem poucas informações na internet. Há um contrato de privacidade que não pode ser quebrado nem pelos usuários e nem por funcionários. No filme, Austenlândia tem até propaganda na televisão.

No filme, Jane encontra Miss Charming no aeroporto, na chegada a Londres. No livro, esse encontro acontece somente em Austenlândia.

No Filme, Henry Noble é, de fato, sobrinho de Mrs. Wattlesbrook, dona de Austenlândia. Ele é professor universitário de História e foi parar lá por causa de uma decepção amorosa. Ele não é ator. A primeira semana dele no resort é também a primeira semana de Jane no local. No livro, Henry Noble é na verdade Henry Jenkins, ator com formação também em História. Ele é divorciado. Ele já trabalhava em Austenlândia antes.

No filme, Henry Noble tem olhos azuis. No livro, ele tem olhos marrons.

No filme, Martin é um ator que naquela temporada faz papel de jardineiro. No livro, ele é apresentado primeiro como Theodore, na parte em que Jane é preparada para as danças da época, e depois como Martin, o jardineiro.

No filme, Martin tem olhos marrons. No livro, eles são azuis.

No filme, Mrs. Wattlesbrook é a anfitriã também na casa principal, tendo um marido chamado Mr. Wattlesbrook. No livro, a casa fica a cargo de Tia Saffronia e seu marido John Templeton. Esses dois personagens não existem no filme.

No filme, Jane não tem criada. No livro, o nome dela é Matilda.

No filme, a história fictícia da Sra. Amelia Heartwright é um pouco diferente no livro.

No livro, Henry Noble/Henry Jenkins diz que Andrews é gay. No filme, isso fica apenas subentendido.

No filme, Miss Charming, ao final, compra Austenlândia e transforma em um parque temático. No livro, isso não acontece.

O cenário do desfecho do filme é diferente no livro. Nele, Henry Jenkins acaba por comprar uma passagem e pegar o mesmo avião em que Jane toma para voltar para Nova York. No filme, depois que há a briga no aeroporto e que Jane diz para Henry Noble que ele foi perfeito, mesmo sendo somente uma atuação, há a passagem em que ela chega em casa e desaustenriza o quarto. O desfecho romântico é dado quando Henry Noble, sendo realmente Henry Noble, vai até a casa de Jane para devolver um caderno com os desenhos que ela fez dele. Este é o melhor final.

***

Caro leitor (a), se você gostou dessa postagem, poderá se interessar também por estas no CQ&Sherlock:

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Dia de TPM: humilhações crônicas, dor na coluna e aulas em auto-escola

Há algo de errado desde a infância. Eu não sei bem o que é. Nem mesmo sei explicar com palavras para tecer o cenário detalhadamente para tonar-se algo inteligível e compreendido. É uma sensação de deslocamento, de que nada disso pertence-me, que nenhuma dessas pessoas que cercou-me até agora são conhecidas e próximas. É como uma relação profissional, onde há uma hierarquia que deve ser obedecida. Mas sempre há aquele que não acha justo tudo o que acontece, o salário que recebe, o tratamento, o porquê de o subestimarem e nem o motivo da vida o ter colocado ali. Porém ele continua a ser tratado como a escória e a válvula de escape para briga de egos. Essa pessoa sou eu.

Não tem sido fácil viver e isso já tem alguns bons anos. E, o pior, a tendência é não melhorar. Eu poderia comparar essa minha trajetória com a minha dor crônica na coluna - se eu repousar, seguir todas as regras e continuar letárgica, fazendo o que o médico diz, não sentirei tanta dor. Só que nesse método paliativo, eu sinto-me presa, extremamente cerceada e incapaz. E quando vou fazer algo que gosto (o que é raro nos dias de hoje), os momentos precisam ser aproveitados ao máximo, pois eu sei que no final do dia, quando a realidade chegar, as dores imensuráveis e indizíveis se instalarão. E não haverá ninguém para consolar-me, apenas para apontar o dedo e dizer que aquilo tudo é minha culpa.

Pois bem, desde que me conheço, as primeiras palavras que tomei conhecimento do significado foram, justamente, culpa e egoísmo - inseridas em minha alma através do método católico da repetição. Ultimamente essas palavras circulam como um pesadelo cíclico e tem a forma de aulas de direção. E é uma história longa até chegar no coração de todo o problema.

Nunca tive um contato mais íntimo com carros, a não ser pegar caronas e pedir um táxi. Nunca me interessei por eles. Minha família nunca teve um sequer (e não tinha mesmo condições para tal empreitada). Só que a necessidade chegou e, por insistência e subsídios da família, tive, por livre e espontânea pressão, de ir a uma auto escola.

A primeira que eu fui, pela qual fiz três provas e não passei, era uma bagunça. Umas mulheres preguiçosas e muito mal informadas, as donas, ofereciam carros péssimos, quentes e instrutores estranhos. Só que eu precisei enfrentar isso por ser perto da minha casa.

Sobre os instrutores dessa primeira auto-escola - tive muitos problemas. O primeiro era muito invasivo, conversava sobre religião, acidentes e era muito machista. Gritava um pouco e era um pouco ignorante. Porém sempre me cumprimentava. Só que no dia das provas, não passava segurança e, no cotidiano das aulas, deixava passar a pouca fé em mim. O segundo era muito relapso. No dia da minha última prova não foi me acompanhar e nem falar comigo. Fiz a prova sozinha e desacreditada. No fim, o meu processo venceu e não consegui atingir o objetivo.

Quando foi-me indicada outra auto escola, um pouco mais longe, mais ainda perto de onde eu moro, contratei sem pestanejar. Como eu estava de saco cheio desse processo e passando por problemas diários, acabei fazendo a prova teórica de muito mau humor e acabei não passando. Só passei na segunda vez.

Depois dessa etapa, vieram as aulas práticas. Em toda a minha vida, até aqui, não passou pela minha cabeça reviver o medo tenebroso que senti na minha infância e adolescência (quando sofria bullying na escola, e, depois, assédio moral também no trabalho, o que me fez ter pânico de ir para a escola e trabalhar. Hoje considero estes fatos as raízes de muitos problemas que tenho. A falta de compreensão e acompanhamento adequado tiveram, também, um grande grau de contribuição).

O instrutor é ríspido e extremamente grosseiro. Quando fui para minha primeira aula, desse segundo processo, ele não me cumprimentou e nem respondeu meu bom dia, de fato, ele continua a não responder minhas saudações. Como é um carro novo, mais moderno e com ar-condicionado, pedi que ensinasse-me algumas coisas antes de sair com ele e também ressaltei o medo de sair nas ruas e avenidas. Ele respondeu animalescamente que não precisava me mostrar as funcionalidades do carro, que não mudava em nada, pois era meu segundo processo e eu deveria já saber disso.

Eu tenho pânico de dirigir. Tenho medo de rotatórias, não sei muito bem fazer ultrapassagens e fico com medo de congestionamentos. Como o outro instrutor despertou essa insegurança em mim no primeiro processo, repetindo o mantra de que eu estava muito lenta e não sabia dirigir direito, eu fiquei com esta sensação ruim ao entrar em um carro para guiá-lo. Eu tinha depositado todas as minhas esperanças nessa auto-escola em que estou hoje e arrependo-me amargamente disso.

O novo instrutor sempre grita comigo e apenas diz para acelerar, reduzir, ajustar e onde entrar. Ele não deixa tirar dúvidas e quando faço perguntas ele simplesmente fala raivosamente: o quê? Há dias em que ele está muito estressado e o vejo dar baforadas para expressar algo como "que saco de estar aqui". Quando erro alguma coisa, ele, ao invés de ensinar-me a maneira correta e com calma, mesmo que leve tempo, simplesmente grita para eu tirar o pé dos pedais e as mãos do volante e conduz, ele mesmo, o carro.

A cidade que eu moro tem um trânsito péssimo. Uma pesquisa apontou que aqui é um dos piores lugares do mundo para se dirigir. Então, toda vez que termino a aula com esse Senhor, eu saio sentindo-me o pior ser humano da face da Terra, uma pessoa incapaz de aprender e inútil. O trajeto de ônibus até a minha casa é um palco em que uma tela de cinema reproduz cenas tristes de toda a minha vida.

Além do medo e da tristeza por não conseguir dirigir, sinto-me pressionada a agradar a todos. Agradar aos que estão pagando meu processo, agradar a auto-escola e, principalmente ao instrutor. Sinto-me com as asas cortadas e acorrentada.

Sempre repetem que eu estou atrapalhando o trânsito, que vou provocar uma acidente. Mas nenhum se prontificar a ensinar-me o que se deve fazer sem que eu, todas a vezes, fique com as mãos tremendo e com uma forte dor de cabeça.

Como na minha casa ninguém me dá razão (como há muito tempo, desde de pequena, eu sou a culpada por atrapalhar a vida das pessoas, de adoecer e todas as dificuldades que se abatem sobre mim ou os outros ao redor), fui procurar a única amiga da minha universidade, do curso de Computação, que confio nesses momentos.

Ao explicar a situação, ela me disse que eu tinha que sair urgentemente dessa auto-escola, ou, se a primeira opção não fosse possível, trocar de instrutor. A primeira situação está fora de cogitação pelo preço, a segunda tem um empecilho: a secretária do lugar fala mal dos alunos na frente de outros alunos, de como eles são péssimos e é grande amiga dos instrutores de lá.

Hoje, para piorar, eu quis cancelar duas aulas e fui informada de que não podia. Teria que ter avisado com 24 horas de antecedência, mesmo em caso de doença, salvo atestado. Acabei me exaltando ao telefone e nem sei se irei fazer mais aulas. Não tenho mais coragem. Contudo já fui notificada pela minha família de que se eu não for, as coisas ficaram muito feias para o meu lado. Aliás, a única coisa que repetem é para eu esquecer e continuar as aulas com ele. Citam que já enfrentaram problemas maiores e que nunca morreram por este fato.

Todos os dias sofro com recriminações de toda a espécie. Na verdade, muitas vezes eu não tenho vontade de viver ou acordar pela manhã. E esses acontecimentos pioram muito o meu estado mental. Não durmo direito e só tenho sossego de madrugada, onde aproveito para ver, em paz, algo que eu gosto ou apenas degustar o silencio que foi negado durante o dia.

Estou com crise de dor na coluna, o que me deixa parecida com um animal com um espinho na pata. Como disse no começo, uma das poucas coisas que ainda me dá prazer é jogar vôlei. E estou pagando o preço. E pensar que para ter algo satisfatório, por uns momentos, tenho que aguentar uma dor que acaba com a minha vida durante a maior parte do tempo, me faz pensar o quanto a vida é uma merda incalculável. E estou sem plano de saúde, uma verdadeira catástrofe. Eu queria muita vezes chorar, gritar, quebrar algumas coisas. Só que eu não tenho privacidade, não tenho meu canto, eu nem mesmo tenho o meu próprio quarto.

Não suportaria ser chamada de fraca hoje, estou estafada de verdade.

De fato, eu penso que estou no limbo. Talvez eu tenha morrido e esta é a minha punição.

terça-feira, 22 de novembro de 2016

Quantos anos você tem? Todos.

Meu lugar favorito: Dolcce Grill
Mais um aniversário chegou. E uma sensação péssima invade-me toda vez que este dia, minimamente esquisito, vai consumando-se. Ontem confabulei que esta cinzenta terça-feira poderia ser engolida e, como em um buraco de minhoca, minha pessoa seria arremessada diretamente na quarta-feira.

Depois dos 30, a contagem não importa mais. E sendo assim, como em todos os outros ordinários dias, eu acordei com gritos e reclamações. A luz do Sol, brilhante e irritadiça, batia diretamente na parede, o que dava a impressão de que aquela era uma amostra grátis do Inferno. O momento mais engraçado foi a hora do parabéns, esse som detestável, que foi esquecido em meio à pressa de cantá-lo e entregar o presente universal: uma certa quantia em dinheiro.

Fui escutar Chopin. Ah, como eu o amo... Em seus Noturnos, suspeito eu, ele capturou um pedaço da graça de cada anjo habitante do céu.

Não fui à aula e nunca mais iria se pudesse. Eu desejei escapar, achar um buraco de Alice, uma toca de coelho, ou um velho rico decrépito que desse a mim uma casa na Toscana, de madeira, rodeada por girassóis e um monte de ovelhas.

Eu queria liberdade. Só que ontem eu queria morrer. Sim, a morte é apenas uma libertação momentânea, pois, de qualquer maneira, reincarna-se e esse ciclo recomeça, os mesmos erros e as mesmas pessoas, homens em mulheres, mulheres em homens.

Antes de querer morrer, eu queria ser um raio de luz. Eu não teria forma, eu não seria uma mulher. Mas eu adoro ser mulher, então por que eu queria ser esse tracejado de fótons?

E eu fiquei a perguntar-me isso o dia inteiro. Necessitava de uma resposta e de dar-me alguns presentes: a minha própria companhia, um livro e minha confeitaria favorita. Aquelas horas foram únicas, como tantas outras, em que pude abrir meu livro, sem culpa, sem esperar ninguém, nem ao menos desejar uma presença sequer. Foi a minha plenitude e o meu zênite.

Porém eu ainda não tinha a minha resposta, por mais cafés expressos que eu tomasse, com aquela espuma branca, fofa e macia como algodões aromatizados - o pedaço do firmamento em uma junção de gotas amarronzadas em nuances creme.

Terminei e fui caminhar. Depois sentei-me ao ar livre, olhando um urso de pelúcia gigante no meio de um monte de presentes brilhantes com um fundo oco, tudo tão verdadeiro como uma nota de três reais. As pessoas conversavam, andavam, olhavam vitrines, compravam e falavam ao telefone. Alguns estudantes discutiam algo que certamente era inútil. E, de repente, veio-me uma tristeza ainda mais profunda. Que diabos de sensação pegajosa. Eu poderia chorar naquele momento.

Então um certo filme começou a passar em frente aos meus olhos...

... Eu não amava mais, não tinha um objeto de adoração. Os deuses da minha vida foram aniquilados como estátuas massacradas por um martelo. Eu, que sempre amei algo ou alguém, tinha acabado de constatar o grande e temido vazio. O que aconteceu? Em que maldita estrada eu deixei-me?

Tomei consciência de mim e da prisão de ser mulher, por mais que eu amasse sê-la.

Eu sou uma insana lacuna sedenta. Quero opções, sem julgamento. Só que eu sou uma escrava de meu próprio tempo, sendo açoitada por opiniões, empecilhos e expectativas.

Eu poderia ser uma vadia, ser quieta, gostar de homens mais velhos, com dinheiro, ou gostar de mais novos e sustentá-los. Eu poderia gostar de mulheres. Eu poderia fazer sonetos para ambos... Então por que eu parei no poderia... Poderia, poderia...?

Ecoando... Ecoando...

Peguei o ônibus. Fui embora.

Deus do céu, tenha piedade de mim.

Eu já sei porque eu queria morrer e muito antes ser um raio de luz, ou mesmo engolir o meu aniversário.

Estou à beira do grande abismo.

E a única sensação que tenho é do vento gélido a sorrir tenebrosamente, cheio de dentes, à espera do próximo ato.




segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Uma canção para a Superlua (Song for Supermoon)

Hoje temos mais uma Superlua, a mais brilhante desde 1948.

O fenômeno ocorre quando o perigeu da Lua - ponto da órbita mais próximo da Terra - coincide com a Lua Cheia. A Lua atingiu o perigeu às 09:22 horas (horário de Brasília) e esteve cheia às 11:52 horas. Ao anoitecer, a Lua pode ser vista em tamanho maior no mundo inteiro.

A Superlua nascendo por trás do castelo de Almodóvar
Córdova, Espanha, 14 de novembro de 2016
A Lua é sagrada para os povos indígenas. Nas histórias e lendas Tupi-Guarani, no Brasil, ela chama-se Jaci. Para os povos nativos da América do Norte, ela também é cultuada da mesma forma. Para os Navajos, ela chama-se Yoołgaii Asdzą́ą́ (Mulher Branca da Concha). 

E para celebrarmos este dia, além da Ciência e Astronomia, um pouco de música nativa americana para glorificar as noites enluaradas e prateadas que nos cercam de misticismo e harmonia. 

Canção para Superlua
Flauta (em bambu) Nativa Americana, chave em F, pentatônica
Tocada por T.S. Frank

Song for Supermoon
Native American Bamboo Flute, Key F, pentatonic,
Performed by T.S. Frank




domingo, 13 de novembro de 2016

Oração para a Montanha Dourada e os Espíritos Ancestrais (The Prayer to the Golden Mountain and Ancestral Spirits) - Flauta Nativa Americana - NAF


Oração para a Montanha Dourada e os Espíritos Ancestrais
Flauta (em bambu) Nativa Americana, chave em F, pentatônica
Tocada por T.S. Frank

The Prayer to the Golden Mountain and Ancestral Spirits
Native American Bamboo Flute, Key F, pentatonic,
Performed by T.S. Frank



quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Uma tarde de outubro com Moby Dick


Capítulo único
Uma tarde de outubro


Não era um dia qualquer, de modo algum, apesar de ser mais um daqueles de calor e um céu esfuziantemente azul - eu finalizaria o Volume I de Moby Dick. Sim, este monstro adorável e seus algozes - baleeiros em uma saga em que as palavras desenham o pitoresco coração do mar.

E, não por menos, essa também era a minha saga e uma missão, afinal, livros podem ser deixados de lado por tantos motivos, incontáveis, cabe dizer; porém, inconscientemente, nunca abandonados - a alma não deixa, nem que tenha, ela própria, que levá-los para a outra existência.

Caminho eu, a criatura, com o volume azul vintage por entre os braços, para a parada de ônibus. Penso:  "Depois da aula, acharei um lugar calmo...". Por um golpe do destino, enquanto sento, secando como carne de Sol, perco o primeiro ônibus - Oh, Senhor, a aula já começou. Aquilo já é demasiadamente difícil para ficar-se a capricho de atrasos.

Depois de voltas no mundo, finalmente consigo pegar o ônibus. E assim chego na sala de aula.

E quem poderia enxergar o pequeno livro tão bem escondido e despretensioso? Os astutos olhos do Professor, ora! Aquele que tudo sabe e tudo vê.

- Professor, eu ainda posso entrar?

- Claro. E me diga... O que andas lendo? 

- Moby Dick, Senhor.

- Charles Dickens, não é mesmo?

[uma pausa dramática, pelos dois grandes nomes da Literatura confundidos graciosamente e separados, pelo nascimento, entre Inglaterra e Estados Unidos]

- Não. Charles Dickens escreveu Grandes Esperanças. Este é Herman Melville. Disse eu calmamente.

E ele parou, como quem olha uma tela imaginária, pensando, talvez, como pode ter se confundido...

- Nada a ver, nada a ver mesmo. 

E desse modo ele mesmo fechou o ato.

Depois de todas as passagens, equações e acontecimentos efervescentes que parecem desafiar o sentido da vida, a aula termina.

Pois bem, pois bem. É hora de encontrar o meu canto tranquilo e incauto: "Vamos ver se o Leviatã surgirá novamente, pois as histórias de baleias paralelas já estavam deixando-me desesperançosa de achar Ismael novamente."

Sento-me, abro e olho - o último capítulo.

“Não se assemelhava a um cachalote e, contudo, Dagoo pensou: Não será Moby Dick? O fantasma tornou a mergulhar; mas quando reapareceu..."

E neste momento eu só senti uma presença ao meu lado. Não deu tempo de saber se era Moby Dick.

- Olá... Ti... ane... [vou fazer como Dostoiévski e ocultar certos nomes]. Você está aí tão concentrada. E eu aqui estou interrompendo.

- Tudo bem. Não tem problema, sente aqui, vamos conversar...

Mas o que se seguiu foi surpreendente. Nunca imaginei que aquele seria um dos raros momentos em que um ser humano pudesse contrariar, de forma agradável, minha opinião darcyniana.

É extremamente árduo e dificultoso achar alguém para ter uma conversa balanceada, que ao mesmo tempo faça sorrir, que seja leve e conquiste a admiração. Há, na maioria das vezes, conversas desgastantes, ora pela futilidade, o que revela o verdadeiro buraco de estupidez que uma pessoa pode enfiar-se por vontade própria, ora pela arrogância que torna tudo estatístico, números e uma verdadeira chateação - uma ode aos seus próprios egos inflamados.

E como eu poderia acreditar que, no meio de um cenário regido por um padrão quase matemático, ainda existiam pessoas que afastavam-se dessa belicosa curva? Pois foi o dia perfeito para rever alguns conceitos já fincados.

Aquele jovem de aparência gentil e bonita, um tanto ingênuo pela idade, com um sorriso desprendido, tinha mais a oferecer do que uma conversa rápida sobre aulas, números e o universo masculino.

- O que está lendo? Indagou ele curioso.

- Ah, é Moby Dick. Este livro consumiu 3 anos da minha vida. Eu disse isso esperando uma grande gargalhada. O que, de fato, aconteceu, porém timidamente por parte dele.

- Eu assisti a um filme que inspirou o livro, chama-se O Coração do Mar.

- Muito interessante. Conte-me mais sobre o filme.

Então ele começou a relatar o filme, falando dos baleeiros que foram em busca de fortuna através do desconhecido, indo para mares que, na época, ninguém ousava desbravar. E lá encontraram a morte em forma de baleia branca. E que toda essa narrativa, no filme, foi feita pelo menino que sobreviveu a viagem.

E ao passo que ia falando mais e mais, ele exibia um grande grau de empolgação.

- Foi a primeira vez que ele caçou baleias.

- Quem, Ismael? Eu perguntei com um ar de negação.

- Não, o nome não é Ismael. Não lembro o nome do menino que conta a história nesse momento. Depois de ver o filme, eu fui pesquisar a história e descobri sobre Moby Dick, agora eu sei muitas coisas sobre ela.

Ele continuou a falar sobre O Coração do Mar: - É incrível como ela era enorme. Você tem uma visão de como ela parecia um monstro, como o navio ficava pequeno, como aqueles baleeiros eram presas fáceis - um ótimo filme e uma ótima aventura.

E eu somente prestava mais atenção. Aquela era uma cena que eu tinha que memorizar.

E prosseguiu:

- No livro é outro personagem, Ismael, certo? No filme, o autor foi procurar o menino, que já estava velho, para saber a história do navio e assim ter material para Moby Dick.

Eu disse em seguida:

- Sim, Ismael. Ismael que conta a história no livro. Mas, na verdade, ele já tinha ido a outras viagens com baleias. Vou assistir ao filme assim que puder. Eu assegurei.

E a conversa foi para outros setores, como futebol e aulas. Outras pessoas aproximaram-se, conversaram conosco e logo a hora do jantar chegou.

- Você não vai jantar? Ele perguntou sem demora.

- Não, não irei. Irei ao banco.

- Tudo bem. Até mais tarde.

Só que algo estava intrigando-me como um espinho de laranjeira enfiado entre os dedos. Eu não sei como surgiu essa dúvida, ela simplesmente começou a perseguir meus pensamentos depois de toda essa conversa.

 - Gente, será que Ismael já era veterano na caça às baleias?

Afinal, desde a leitura da primeira folha, lá foram-se 3 anos...

E é um tanto óbvio que eu fui reler as primeiras páginas de Moby Dick. E mais uma surpresa: o moço estava certo. Foi a primeira vez que ele, Ismael, foi à caça de baleias, quer dizer, o menino do filme, só que serviu para o livro também.

“Chamai-me Ismael. Há alguns anos - quantos precisamente não vem ao caso - tendo eu pouco ou nenhum dinheiro na carteira e sem nenhum interesse em terra, ocorreu-me navegar por algum tempo e ver a parte aquosa do mundo. [...] - Estavas pensando em embarcar? Queres embarcar? Bem vejo que não és de Natucket... Já estiveste alguma vez num bote baleeiro? - Não senhor; nunca - respondi. - Então nada sabes acerca da pesca da baleia, garanto. - Não sei nada, capitão, mas aprenderei depressa. Fiz várias viagens a serviço da marinha mercante."

Bingo! Ele nunca leu o livro, entretanto conhecia um detalhe importante contido nele. Sim, ele não estava falando propriamente do narrador central do livro, mas sabia que um daqueles personagens do filme estava fazendo uma viagem baleeira pela primeira vez.

Tive que me redimir depois, falando que ele estava correto.

Após dois dias, tive mais uma aula, a mesma disciplina. Eu pensei que Moby Dick ficaria apenas na lembrança. Só que isso não aconteceu. A baleia branca não seria deixada de lado tão facilmente, não pelo Professor.

- Como vai a leitura?

- Muito boa. Estou no volume II.

- Volume II?

- Sim, são dois volumes.

- Ótimo.

E o dia prosseguiu tão calmo quanto a visão da espuma do oceano que bate nos rochedos e das procelas quase na linha do horizonte. Não sei ao certo, talvez nunca saberei, o porquê desses pequenos momentos brilhantes em dias que só prometem mais do mesmo. Suspeito que são por essas pessoas, que nem mesmo sabem da sua importância, que tantas histórias boas são contadas.

A vida é um mar infinito repleto de mistérios. Mesmo com Moby Dicks e naufrágios, não deixa de enfeitiçar-nos os jovens Ismaéis.



domingo, 16 de outubro de 2016

Um Nobel para um músico - O trovador americano Bob Dylan

Bob Dylan
E o maior prêmio literário desse ano foi para um músico, ou melhor, um trovador - um artista cujas as raízes foram o berço da Literatura como a conhecemos hoje. 

Para muitos pode parecer um absurdo, algo inusitado, ou um capricho da Academia Sueca. E essas opiniões são bem estranhas, principalmente se partem dos brasileiros. Nossa Literatura tem origem em uma das mais antigas formas de arte: o canto, este instrumento de narrativa que, de forma melodiosa, conta-nos as aventuras e desventuras da nossa existência e seus cenários.

Bob Dylan é o cancioneiro americano, o nome que leva a história americana através da música, cantando a sensação e os sentimentos de uma época. E isso tudo através do gênero que conhecemos como Folk Music, que podemos comparar muito bem com a nossa antiga MPB, indo de Zé Ramalho até o grande Boêmio Nelson Gonçalves.

Nascido Robert Allen Zimmerman (Duluth/EUA, 24 de maio de 1941), Dylan, neto de imigrantes judeus russos, escreveu seus primeiros poemas aos dez anos de idade e quando adolescente aprendeu a tocar piano e guitarra sozinho. Começou na música em grupos de rock, imitando Little Richard e Buddy Holly. Porém foi na Universidade de Minnesota, em 1959, que se voltou para a Folk Music, impressionado com a obra musical do lendário cantor Woody Guthrie. Em 2004, foi eleito pela revista Rolling Stone o 7º maior cantor de todos os tempos e, pela mesma revista, o 2º melhor artista da música de todos os tempos, ficando atrás somente dos Beatles. Uma de suas principais canções, Like a Rolling Stone, foi escolhida como a melhor de todos os tempos. Em 2012, foi condecorado com a Medalha Presidencial da Liberdade pelo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama.

Bob Dylan Nobel Media/2016
Junta-se a este Nobel um Oscar e um Globo de Ouro (o primeiro em 2000 e o segundo em 2001, pela canção Things Have Changed, do filme Garotos Incríveis - Wonder Boys/2000), 13 Grammys (um deles Pelo Conjunto da Obra em 1991) e um Pulitzer Especial de 2008; 6 de suas músicas estão no Hall of Fame e 5 estão no Rock Roll of Fame, dois doutorados honorários em música e mais outros prêmios e induções.

Mas se você ainda está se perguntando como um músico pode ganhar um Nobel de Literatura, ou se concorda, porém ainda não sabe as razões mais profundas dessa láurea, então é melhor buscar uma xícara de café e preparar-se para descobrir, pois assim como a história do folclore e suas manifestações, essa postagem vai ser longa...

Vou basear este artigo nas justificativas que a Academia apresentou para dar o prêmio a Bob Dylan:

“por ter criado uma nova expressão poética dentro da grande tradição norte-americana da canção”. (Mensagem geral da Academia Sueca)

“Ele é o grande poeta, um grande poeta dentro da tradição da língua inglesa. Um autor original que carrega com ele a tradição e está há mais de cinquenta anos inovando e se renovando. [...] Se olharmos milhares de anos atrás, descobriremos Homero e Safo. Eles escreveram textos poéticos feitos para serem escutados e interpretados com instrumentos. O mesmo acontece com Bob Dylan. Pode e deve ser lido.” (Sara Danius, secretária permanente da Academia Sueca)


Então, senta que lá vem a história...

***

1. O que é a Folk Music e o que o Bob Dylan tem a ver com isso?

O jovem Bob Dylan
Folk, segundo uma das definições do Dicionário de Cambridge, é um adjetivo que expressa o tradicional ou o típico de um determinado grupo ou país, especialmente um onde as pessoas vivem principalmente na zona rural, e, geralmente, é transmitido de pais para filhos durante um longo período de tempo; exemplo, cultura popular. Ou seja, é o nosso bom e velho Folclore, que é expressado de todas as formas, Música, Literatura e Artes em geral.

[no Inglês, também chamamos um grupo de pessoas de folks, "o pessoal, o povo, etc... Como no final do desenho Pernalonga, da série Looney Tunes e Merrie Melodies, That's all folks! - Isso é tudo, pessoal!]

E uma das vertentes do Folk é a Folk Music, representada pelo Blues e suas ramificações, a Música Nativa Americana, Jazz e afins. Ela é tudo isso e Bob Dylan é um dos grandes nomes desse gênero, suas letras expressam a vida e um sentimento de um povo, através da poesia musicada, que nada mais é do que a própria música.

Veja um exemplo na música Mr. Tambourine Man:

Hey! Mr. Tambourine Man, play a song for me, 
Hei! Senhor Tocador de Pandeiro, toque uma canção para mim,
I'm not sleepy and there is no place I'm going to.
Não estou dormindo, e não há lugar onde eu possa ir.
Hey! Mr. Tambourine Man, play a song for me,
Hei! Senhor Tocador de Pandeiro, toque uma canção para mim,
In the jingle jangle morning I'll come followin' you.
No treme-treme da manhã, eu procurarei você.

Esta canção de Dylan foi lançada em 1965 e regravada por inúmeros artistas. Ela tornou-se famosa, em particular, por seu imaginário surrealista, influenciada por artistas tão diversos quanto o poeta francês Arthur Rimbaud e o cineasta italiano Federico Fellini. As interpretações vão desde uma Ode ao LSD até o religioso. Uma letra que passa a sensação e os pensamentos dos anos 60 - o movimento hippie entrava em cena.

2. A Literatura também engloba a música? Foi por isso que Dylan ganhou o prêmio?

Comecemos pela definição de Literatura no Dicionário Aurélio:

sf. 1. Arte de compor trabalhos artísticos em prosa ou verso. 
2. O conjunto de trabalhos literários dum país ou duma época.


Ou como o meu bom e velho Livro de Português do Ensino Médio fala:

"A arte da literatura existe há alguns milênios. Entretanto sua natureza e suas funções continuam objeto de discussão principalmente para os artistas, seus criadores, [...]. A literatura, como qualquer outra arte, é uma criação humana, por isso sua definição constitui uma tarefa tão difícil. [...] Literatura é a arte que utiliza a palavra como matéria-prima de suas criações."  (Emília Amaral et al, Português Novas Palavras: literatura, gramática, redação, p. 17. São Paulo, 2000)

Só com essas podemos entender muito sobre a premiação literária deste ano. Mas iremos além - vamos revisar uma parte importante da Literatura, a chave para compreender definitivamente todo esse cenário - é hora de redescobrir os TROVADORES.

ADENDO: O Trovadorismo foi escolhido para melhor compreensão dos falantes da Língua Mãe. Pelas comparações com Homero e Safo, por parte da secretária da Academia, eu poderia também abordar as origens gregas; só que para fins mais práticos e objetivos, a delimitação ficou nesse gênero literário medieval português.

2.1 O Trovadorismo
Menestréis
Cantigas de Afonso X
de Castela

"Dizia la fremosinha:
ai, Deus, val!
Com'estou d'amor ferida!
ai, Deus, val!" (trecho de Cantiga, D. Afonso Sanches de Portugal, trovador do final do século XIII)

No trecho acima, temos uma característica importante do Trovadorismo: a simplicidade, nos moldes da tradição popular. Além, claro, de uma língua que parece irmã do nosso Português: o Galego-Português [só no século XV que surgiram o Português e o Galego como línguas distintas].

Os historiadores costumam limitar o Trovadorismo entre os anos de 1189 e 1385. Mas o importante é saber que ele corresponde  à primeira fase da História Portuguesa - o período de formação de um reino independente. 

Podemos dizer que Trovadorismo é o conjunto das manifestações literárias contemporâneas à primeira dinastia de Portugal - a Borgonha. Tendo algumas características históricas importantes, como o feudalismo e o teocentrismo.

Nessa época a poesia ainda não era escrita para ser lida por um leitor solitário. Ela era CANTADA (por isso o nome cantiga), geralmente acompanhada por um coro e instrumentos musicais. Não tínhamos leitores e sim ouvintes.  Assim, a poesia trovadoresca é a produção poética, em Galego-Português, do final do século XII ao século XIV.

Página do Cancioneiro da Ajuda
2.1.1 O Cancioneiro

Só depois (final do século XIII) as cantigas foram copiadas e colecionadas em manuscritos (sobre um tipo de manuscrito dessa época, o iluminado, há um artigo no CQ&Sherlock aqui) chamados cancioneiros. Apenas três existem hoje e são:

1. Cancioneiro da Ajuda;
2. Cancioneiro da Vaticana;
3. Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa - Colocci-Brancuti.

2.1.2 Os autores

Os autores das cantigas são chamados trovadores. Eram pessoas cultas, quase sempre nobres, contando-se entre eles alguns reis.

2.1.3 Os intérpretes 

As cantigas compostas pelos trovadores eram musicadas e interpretadas pelo jogral, pelo segrel e pelo menestrel, artistas agregados às cortes ou que perambulavam pelas cidades e feiras. Muitas vezes o jogral também compunha cantigas.

2.1.4 Os gêneros

As cantigas são classificadas em: 

1. Gênero lírico

Cantigas de amigo - características: voz lírica feminina, expressão da vida campesina e urbana, realismo, simplicidade temática e formal, origem popular.

Cantigas de amor - características: voz lírica masculina, expressão da vida aristocrática, convenções do amor cortês (a idealização, a vassalagem amorosa, a coita "dor, sofrimento"), origem provençal. 

2. Gênero satírico

Cantiga de escárniocaracterísticas: indiretas, uso da ironia e de equívocos. 

Cantigas de maldizercaracterísticas: diretas, sem equívocos; intenção difamatória, palavrões e xingamentos.

***

Agora que você revisou o Trovadorismo, ficou mais fácil entender as razões da academia, não é mesmo?

Então vamos prosseguir...

Bob Dylan no Azkena Rock
Festival, 2010
4. Dylan é primeiro músico a ganhar um Nobel de Literatura?

Não. Rabindranath Tagore (nascido em Calcutá/Índia, em 7 de maio de 1861 - falecido em Calcutá/Índia, em 7 de agosto de 1941, também chamado de Gurudev) ganhou o prêmio em 1913. Compôs mais de 2000 músicas e o hino nacional da Índia. Ele foi poeta, romancista, músico e dramaturgo. Ele participou do movimento nacionalista indiano e era amigo pessoal de Mahatma Gandhi. 

A diferença, nesse caso, é que Dylan é o primeiro cantor-compositor a ser premiado sem ter uma obra, um livro lançado nos moldes formais.

5. E agora que eu entendi as razões, por que mesmo os burburinhos?

Porque as pessoas adoram uma polêmica pelos motivos errados e, no final, muitos não possuem conhecimento sobre o histórico da premiação, nem da História da Literatura e muito menos argumentos sólidos para embasar as suas críticas. Já sobre os escritores renomados, que ficaram odiosos com esse resultado, só posso entender o mesmo que escritor franco-congolês Alain Mabanckou:

"Os puristas e outros amargos rasgarão as roupas, denunciarão a degeneração do espírito de Nobel, mas me alegro de que se reconheça também a literatura na Palavra - no sentido poético do termo - em tempos em que muitos artistas pensam ser dispensados da exigência de fundo e forma em sua criação."

As justificativas, já mal cunhadas, esvaem-se de vez quando fala-se que Philip Roth merecia mais, ou mesmo Haruki Murakami ou o famoso poeta sírio Adonis. Eles merecem tanto quanto Dylan e fim de conversa. Esse fato de bradarem que a palavra escrita é Literatura e a palavra cantada não, nossa, é um descalabro de ideias sem precedentes.

Imagine só os brasileiros entrarem em desacordo com a entrega do prêmio a Dylan - seria como renegar a importância literária de Vinicius de Moraes e seus sonetos musicados, um verdadeiro trovador-menestrel das cantigas de amor, bem como Chico Buarque e seus versos dodecassílabos da canção Construção, ou ainda um dos mais belos poemas cantados - Chão de Estrelas - de Silvio Caldas. E os cordéis cantados e os repentes, seriam menos Literatura apenas pela musicalidade?

Não. Simplesmente não faz sentido.

A Literatura flui, volta ao básico e inova-se. Ela utiliza a PALAVRA, seja ela falada, cantada ou escrita. Ela é o testemunho de gerações, das graças e desgraças, das revoltas e justiças, do tempo memorial e imemorial. 

O trovador apenas modernizou-se, saiu do medieval e atravessou eras, ele não só escreve, ele canta também. Suas composições continuam essencialmente falando do povo para o povo. E se Dylan hoje é Nobel, ratificando de vez sua história na Literatura e causando burburinho entre os conservadores mais xiitas e os desinformados de plantão, daqui um tempo ele estará nos nossos livros de estudos, sendo parte mais do que essencial para entendermos a nossa própria História.

ATUALIZAÇÃO

19/10/2016

O Bob Dylan anda rebelde e não falou ainda com a Academia e nem se pronunciou sobre o fato. Os membros acabaram por desistir e vão deixar as pedras rolarem até a cerimônia de entrega - se ele irá ou não, eis um mistério hamletiano.

Como sempre o capitalismo e os empresários não perdem tempo - resolveram lançar alguns livros do Dylan aqui no Brasil. Porém vale ressaltar que esses livros não tiveram peso algum no prêmio dado ao músico.

ATUALIZAÇÃO

03/11/2016

Finalmente nosso querido Bob Dylan se proncunciou sobre o Nobel. Ele pretende buscar seu prêmio pessoalmente em Estocolmo. Após duas semanas de silêncio, ele falou sobre ter ganhado o Nobel de Literatura, em entrevista ao jornal britânico The Telegraph. Um comunicado divulgado pela Academia Sueca foi publicado no dia 28 de outubro de 2018. Ao ser questionado se pretende ir à cerimônia de premiação, ele disse ao jornal - Absolutamente. Se for possível.

A Academia disse que o cantor ligou e que, na ocasião, falou - Se eu aceito o prêmio? É claro. A notícia sobre o Prêmio Nobel me deixou sem palavras. Eu agradeço muito por essa homenagem.

A Academia também pretende que Dylan cante na cerimônia.

ATUALIZAÇÃO

06/12/2016

Dylan anunciou que não irá a entrega do Prêmio Nobel de Literatura, em Estocolmo, dia 10 de dezembro de 2016, por causa de outros compromissos. Porém ele enviou um discurso para ser lido no evento. Patti Smith irá cantar A Hard Rain's A-Gonna Fall, uma das composições mais conhecidas dele.

O discurso de Dylan será lido por Horace Engdahl, da Academia Sueca, segundo a agência de notícias local TT.

ATUALIZAÇÃO

10/12/2016

Como foi dito anteriormente, Bob Dylan não foi à cerimônia de entrega do Nobel de Literatura. A honraria foi apresentada com uma performance da cantora Patti Smith e um discurso de Horace Engdahl.

Patti estava muito nervosa e cometeu alguns erros ao cantar a música A Hard Rain's A-Gonna Fall. Mas, ao final, foi muito aplaudida e compreendida pelo público presente.


***

Para encerrar, eu vou deixar a MÚSICA de Dylan que marcou a minha vida. Chama-se Don't Think Twice It's All Right, do álbum The Freewheelin' Bob Dylan, de 1963. Em 2003, o álbum foi incluído na lista da revista Rolling Stone como o nº 97 dos 500 Melhores Álbuns de Todos os Tempos. Ela é trilha sonora de um filme que amo e foi através dele que a escutei pela primeira vez. O filme chama-se Apostando No Amor (Dogfight/1991), com alguns dos meus atores favoritos, River Phoenix e a graciosa Lili Taylor (o CQ&Sherlock fez uma crítica do filme aqui).



Fontes:

Livros e dicionários

Português Novas Palavras: literatura, gramática, redação, Emília Amaral et al. São Paulo, FTD, 2000
Antropofagia Trovadoresca - José D’Assunção Barros, Doutor em História Social - Artigo
Bob Dylan vence o Prêmio Nobel de Literatura de 2016, Cultura, jornal eletrônico EL PAÍS, 13 de outubro de 2016
G1 - Nobel de literatura, Bob Dylan também tem Oscar, Pulitzer, Grammy e mais
#SalaSocial: Seis letras que mostram por que Bob Dylan mereceu o Nobel de Literatura ─ na opinião dos leitores - BBC Brasil
Folk Music - Wikipédia em Inglês
Rabindranath Tago - Wikipédia em Português
Nobel de Literatura - Wikipédia em Inglês
Dylan é o 2º músico a ganhar Nobel literário – e o 1º em 103 anos, revista VEJA eletrônica

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Notícias do front... O que andas fazendo, óh, criatura?

Pois bem, pois bem, eis como nos primórdios do CQ&Sherlock...

Então é o mês das folhas que caem, das paisagens amarronzadas com aroma de madeira e canela e... Não, não é nada disso! Por aqui somente um calor escaldante dos trópicos, com um céu cegamente azul e uma sede sem fim. Penso que qualquer um desses dias será mais do mesmo - nenhuma gota de chuva e tampouco nuvens cinzas que façam-me sentir como nos velhos tempos do belos temporais que vinham do leste. Nossa, que saudade daqueles tempos imemoriais...

Mais do mesmo também é meu cotidiano. Estou tentando terminar o curso de Física, uma notícia mais velha que o próprio Matusalém.

 - Senhor, como está difícil!

São apenas duas cadeiras e dois cenários tão distintos e discrepantes que uma confusão e discussão mental fazem-me sair da sala em pensamento: um professor muito rígido, mas que mantém o diálogo um pouco mais aberto. O outro, um senhor que não sei bem como foi parar no magistério acadêmico. Um tédio absoluto em ambas - a primeira disciplina é tão abstrata que não sei por onde começar. E isso não me incentiva a abrir o livro, que por desventura é em inglês, para tentar entender. É como antecipar um futuro já sabido por todos - aquilo é extremamente complicado para se aprender e não há uma viva alma para concordar comigo; a segunda, pateticamente tão mal ministrada que não merece nenhuma linha a mais desta conversa. Das intempéries desse semestre, não sei mais o que profetizar. É apenas uma questão de espera.

No final do mês haverá o IV Simpósio de Estudos Celtas e Germânicos dos meus colegas do curso de História. E sim, escrevi-me nele sem pudores - será uma escapadela da realidade mórbida que cerca o meu prédio de exatas. Digo a muitos (e poucos compreendem) que é como cruzar o portal para dois mundos extremos - em apenas uma travessia de passarela, ou escadas, desvencilho-me do ar pesado e sabichão dos arrogantes para adentrar em uma reunião dos seresteiros, cancioneiros e trovadores da noite. Pode parecer vadiagem sem precedentes, mas eu prefiro assim.

Continuo a tocar as minhas flautas nativas. Mas uma tem dado-me um pouco de dor de cabeça - parece desafinar em uma das últimas notas e tem um "vento" que rivaliza com o som. Conversei com o luthier, mas ele insiste em dizer que é sopro em demasia. Desanimei um pouquinho, só que irá passar.

As dores na coluna vão e voltam. Eu não tenho hérnia de disco, apenas degeneração discal. Acho que já estou bem acostumada a esse ritmo. Claro, nos dias de dores, tudo parece sem esperança. Ajuda muito a piorar esse quadro a TPM, esses sim são péssimos momentos. E conversando com o meu médico, optei por fazer pilates e fitdance (a famosa zumba) e tomar alguns medicamentos menos agressivos. Tudo isso foi cuidadosamente pensado depois que ele passou-me um antidepressivo que também age nas dores crônicas e juro, depois de tomado um comprimido apenas, a morte parecia mais perto do que nunca. É como não sentir-se mais a mesma pessoa, uma sensação de letargia, respiração quase parando, o mundo girando e pensamentos infernais. Resultado: o ortopedista concluiu que sou uma pessoa demasiadamente sensível a antidepressivos.

Depois de completados 30 anos... A contagem já não importa mais.

Estou endividada até a alma (ha, ha, ha). Tive que cortar o plano de saúde e minha boa vida acabou. Estou procurando um emprego e, pelos céus, como está intricada esta parte. Esta cidade é estranha para quem quer entrar no mercado de trabalho depois de muito tempo. Resolvi tentar o setor das aulas particulares, mas também é um cenário difícil. Depois de 4 anos fora de órbita, vivendo apenas com as bolsas de iniciação científica, não há mais como sobreviver desta maneira. Depois da última bolsa, em que o Professor chamou a mim e outros colegas de vagabundos que não queria trabalhar, decidi que é melhor ir para outro ramo.

Estou viciada nos documentários do Investigação Discovery. Os programas que mais assisto são A Sangue Frio e Casos Arquivados. É uma sensação de alívio saber que os assassinos foram punidos com o rigor da lei no final de cada episódio - algo que não teria espaço aqui no Brasil - o país mais escrachado, nesse aspecto, de todos.

Estou quase acabando (de verdade!) Moby Dick Volume I, faltam apenas 24 páginas. E como já relatei em outras postagens, isso tornou-se uma saga de quase 3 anos. E o Volume II promete seguir a mesma rota.

São dias calmos, bem tranquilos, eu diria. Quando você toma conhecimento da sua quebra financeira e encara isso de frente, não há mais ansiedade e compulsividade, ou mesmo ira. É um fato consumado e ponto final. Claro, todos pensam em sucesso e dinheiro para mostrar o poder adquirido alguma vez na vida ou em toda ela - não passando de uma ilusão neon; a nobreza encontra-se na simplicidade. A palavra mais adequada para nossas ambições seria estabilidade, porém, para a maioria, esta não tem validade se não for uma vaca gorda que jorre leite espumante em bicas. Talvez percamos muito tempo em uma busca desenfreada pelo ter para satisfazer apenas caprichos, deixando essa passagem incompleta e levando lacunas para a próxima. Só que não estou dizendo que quero viver dependente dos outros, como estes filhos que acomodam-se. Longe de mim! A procura diária do saber quem eu sou levou-me por caminhos mais místicos. Percebo que a vida é mais promissora para aqueles que tentam desprender-se das imposições da sociedade, um monstro faminto e impiedoso - prepara o indivíduo para ser devorado, fazendo-o acreditar que o que a nutre também o nutrirá, quando na verdade, a criatura não passa da próxima refeição.

Tenho mais passatempos agora - traduzo legendas do Inglês para o Português de minisséries, séries e peças de teatro inglesas ou de outras línguas que são raríssimas de encontrar no Brasil. Eu já traduzi e aprontei uma legenda para o filme dinamarquês O Jovem Andersen (que fiz a crítica aqui), agora trabalho com duas obras - todas com o ator que amo, Sir Derek Jacobi (que eu falei aqui) - Little Dorrit, de Charles Dickens, de 1988, e a peça Hamlet, de Shakespeare, de 1980 - ambas da BBC. Tais legendas são extremamente dificultosas. Quando você trabalha como legender, percebe a diferença entre um bom trabalho e um péssimo. Little Dorrit tem 6 horas de duração, divida em duas partes, e Hamlet tem 3 horas, sendo assim, a pressa não tem vez. Nesses casos, traduzir bem também significa conhecer as obras e um pouco do universo do autores. E boas legendas podem demorar até dois meses para ficarem prontas. No caso de Hamlet, com uma linguagem altamente rebuscada em inglês, tenho que usar livros, duas traduções em Português (Brasil e Portugal), e a peça no original, em Inglês, para saber o que foi utilizado e o que foi cortado para em seguida passar para as legendas. É como um grande quebra-cabeça que monta-se dia após dia.

Tenho dois temas para escrever nos próximos dias - A série Stranger Things, que já havia prometido, e o Nobel do Bob Dylan. Talvez o tema Dylan saia primeiro, pois foi um burburinho sem sentido para algo que eu considero fantástico e totalmente justo - eu sempre quis falar sobre os trovadores e eis uma bela oportunidade.

Lembre-se:

"Se não há vento para seu barco, reme!". 

E dito isso, desejo-te, leitor (a), uma ótima e agradável noite.


T. S. Frank


sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Vicious - minha série perfeita

Vicious é a minha companhia da noite ou daqueles momentos mais melancólicos que eu preciso rir despretensiosamente. E por quê? Por que ela é hilária e possui o enredo e as tiradas das comédias que eu aprecio. Se eu for contar quantas vezes vi todos os episódios das duas temporadas dessa sitcom inglesa, muitos números farão parte desse índice.

Há séries que ficam guardadas na memória e outras que vão além disso: ficam guardadas para serem assistidas a qualquer momento. Vicious é uma delas. Depois de The Mentalist e Fringe, não pensei que iria achar uma série para fazer parte desta família sentimental assim tão facilmente. Só que foi amor no primeiro episódio.

Vicious é puro talento. Não por menos, afinal, o casal principal da série britânica é composto por dois monstros sagrados da interpretação: Sir Ian Mckellen e Sir Derek Jacobi. E não é nenhum exagero: eles são tesouros nacionais, como dizem os britânicos.

O enredo da série gira em torno do casal Freddie Thornhill e Stuart Bixby. Há 50 anos juntos, eles vivem uma verdadeira relação de amor e ódio, dessas que a gente conhece das histórias de todos os dias.

Freddie é um ator com um excesso de confiança extremo. Ele trabalha, geralmente, em papéis pequenos. Já Stuart é um ex-gerente de um bar, dedicado a casa e até bem mais paciente que seu companheiro. Os dois vivem a trocar farpas, numa espécie de jogo. Mas no fim, um não pode viver sem o outro. 

Lógico, como pede a estrutura e enredo de uma sitcom, há também os amigos e parentes que entram nos conflitos e cotidiano do casal: 

Violet Crosby (Frances de la Tour), uma amiga muito próxima do casal. Vi (como muitas vezes é chamada por Freddie e Stuart), vive saindo e entrando em relacionamentos bizarros, metendo-se em situações extravagantes. Muitas vezes comporta-se como uma ninfomaníaca e tem uma queda pelo vizinho dos amigos, Ash.

Elenco da série Vicious
Ash Weston (Iwan Rheon), é o vizinho jovem e atraente do casal. Ele tem uma complicada situação familiar, com pais criminosos que estão presos. Mas isso não abala tanto a sua confiança. Vez ou outra ele aparece com um emprego estranho e novas namoradas. Contudo isso não impede as investidas de Violet. 

Penelope (Marcia Warren), uma velha amiga de Freddie e Stuart que está sempre muito confusa sobre as coisas mais simples. Já teve um brevíssimo relacionamento de duas noites com Stuart na juventude. Para Freddie, ela não passa de uma louca. 

Mason Thornhill (Philip Voss), é o irmão genioso de Freddie. Está sempre a queixar-se das mesquinharias do casal (pura falta de dinheiro mesmo!). Sempre aparece na casa acompanhado por Penelope, quando essa não esquece dele... 

Mildred Bixby (Hazel Douglas), a mãe de Stuart. Todos os dias ele liga para saber como ela está, porém isso nem sempre é feito de bom grado. Ela acredita que um dia o filho se casará e terá um filho e que Freddie é apenas o colega de apartamento do Stuart. Segundo Freddie, nem mesmo Jesus quer passar um tempo com a Sra. Mildred.

Balthazar, o cãozinho quase múmia da casa. Às vezes é necessário borrifar água para que ele reaja a algum acontecimento.

Vicious é da ITV, foi criada por Mark RavenhillGary Janetti, escrita por Gary Janetti e dirigida por Ed Bye.

Ela esteve no ar de 2013 a 2016, com duas temporadas e dois especiais. 

Primeira temporada
Sir Ian Mckellen e Sir Derek Jacobi
Freddie e Stuart

1 Wake - 29 de abril de 2013
2 Cheat - 06 de maio de 2013
3 Audition - 13 de maio de 2013
4 Clubbing - 20 de maio de 2013
5 Dinner Party - 03 de junho de 2013
6 Anniversary - 10 de junho de 2013
7 Christmas Special -  27 de dezembro de 2013

Segunda temporada

1 Sister - 01 de junho de 2015
2 Gym - 08 de junho de 2015
3 Ballroom - 15 de junho de 2015
4 Stag Do - 22 de junho de 2015
5 Flatmates - 29 de junho de 2015
6 Wedding - 06 de julho de 2015
7 Special - 19 de junho de 2016

Vicious é nostalgicamente engraçada e divertida. Não é difícil apaixonar-se por ela. Basta uma olhada e os sorrisos e gargalhadas começam a aparecer.

Recomendadíssima!

A habitual troca de farpas entre Freddie e Stuart
(Sem legendas, áudio em inglês)


Erros de gravação
(Sem legendas, áudio em inglês)



Agora vamos falar sobre Sir Ian Mckellen e Sir Derek Jacobi...

Ian e Derek nos tempos de Cambridge

Bem, Sir Ian Murray Mckellen (nascido em 25 de maio de 1939, Burnley, Lancashire, Inglaterra, 77 anos) é conhecido pelos personagens Gandalf e Magneto. Mas isso é apenas para quem limita-se a explorar essa ínfima parte de sua história como ator.

O Jovem Mckellen
Ele já foi indicado ao Oscar pelos filmes Deuses e Monstros (Gods and Monsters) de 1998 e Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel (The Lord of the Rings: The Fellowship of the Ring) de 2001. Já ganhou um Globo de Ouro, 4 BAFTAS e teve 5 indicações ao Emmy Award. Entretanto essa não é nem de longe a parte grandiosa pela qual ele é considerado um tesouro nacional. 

Sir Ian Mckellen
Ian Mckellen é um monstro sagrado dos palcos. Já ganhou 6 Laurence Olivier Awards e 1 Tony Award. Sua especialidade é Shakespeare.

Ele é abertamente homossexual. Conhece Sir Derek Jacobi há tempos. Ambos estudaram em Cambridge, onde Ian ganhou uma bolsa para o curso de Inglês e Literatura. Os dois conheceram-se em 1958 e, na época, Mckellen admite que tinha uma queda pelo amigo, mas não era correspondido.


Uma entrevista de Mckellen, em 1984, por Brian Linehan 
(legendas somente em inglês, áudio em inglês)



E a minha parte favorita...

Jacobi é o meu querido. Sim, isso mesmo. E vou explicar o porquê. 

Derek em Hamlet, 1980
Sir Derek George Jacobi (nascido em 22 de outubro de 1938, Leytonstone, Londres, Inglaterra, 77 anos) é uma lenda dos palcos. Seu papel mais aclamado na televisão é a estupenda série Eu, Claudius (I, Claudius, adaptada pela BBC, em 1976, da série de livros do escritor inglês Robert Graves), onde fez o papel título e por ele recebeu o BAFTA. Tem outros sucessos na televisão, como Cadfael (1994-1998), Last Tango in Halifax (2012-2014), Breaking the Code (1996; no teatro, em 1986, teve o mesmo papel, interpretando Alan Turing) e Little Dorrit (1988) - este com o também espetacular ator inglês Alec Guinness.

Só que sua consagração veio através do teatro, tornando-se referência em Shakespeare, tendo dois Laurence Olivier Awards, 1 Tony Award e 1 Primetime Emmy Award.

Formou-se em História no St. John's College/Cambridge.

Jacobi é, também, abertamente homossexual.

Derek como Claudius
em Eu, Claudius, 1976
Minha paixão por Derek Jacobi é enorme; claro, começou por causa de Vicious. Ele é extremamente charmoso e quando mais novo, era muito bonito. Hoje é um senhor bem apessoado, de cabelos brancos, cor-de-rosa e muito elegante.

Seu jeito de falar e expressar-se hipnotiza, como na expressão "sair algodão de sua boca". Sua voz pode ser tanto eloquente, que poderia, facilmente, reger trovões, como ser suave e meiga, como um leve toque aveludado, que faz o coração derreter-se.

E eu fiquei tão ávida por ele, que comecei uma maratona dos seus trabalhos, partindo de Eu, Claudius, para, somente agora, terminar Little Dorrit. E tem muito ainda pela frente...

Sempre estou a procurar novas e antigas atividades de Jacobi. Por exemplo, em uma entrevista (material bônus do Box de Eu, Claudius), ele fala sobre os papéis mais importantes para ele. O curioso é que apenas um pertence a televisão, que é justamente a adaptação dos livros Robert Graves. O restante é todo de teatro - ele é um homem dos palcos e vive para isso.

Sir Derek Jacobi
Só que mesmo os grandes nomes e lendas da atuação não estão a salvo dos problemas que podem abalar suas carreiras. Depois de uma turnê mundial de Hamlet, em 1980, o ator sucumbiu ao que chamou de verme da dúvida e começou a ter medo dos palcos e foi assim por dois anos. Como ele mesmo disse em uma entrevista ao Jornal The Guardian, em 25 de julho de 2016:

"Eu estava cansado e não estava mais apreciando aquilo por um tempo. Houve um verme da dúvida na minha cabeça. Eu simplesmente não podia mais fazer aquilo. E eu não entrei nos palcos por dois anos."

Quando ele estava em Munique, no fim desse período de dois anos, recebeu um convite para interpretar Benedick na peça shakespeariana Muito Barulho Por Nada. Ele aceitou e foi através dela que veio a salvação para perder o medo de entrar novamente nos palcos.

Bom, sorte a nossa que esse momento difícil foi superado. E, dessa maneira, podemos ver suas maravilhosas interpretações com a maestria que somente ele possui.

E vida longa a estes dois gênios!

Derek Jacobi em fragmento de Hamlet, Príncipe da Dinamarca, BBC, 1980
 Ser ou Não Ser - Ato 3, cena 1
(Sem legendas, áudio em inglês)


Uma copilação de cenas com Derek Jacobi no filme Henrique V, de 1989, onde ele é o narrador. Sua interpretação é memorável nesta película!
(Sem legendas, áudio em inglês)


Entrevista com Derek Jacobi (material bônus do Box de Eu, Claudius), em 2010.