domingo, 28 de abril de 2019

O desalento irradiado em tons cinzentos

Há pouco tempo para escrever agora. Os cenários naturais são até favoráveis: nuvens cinzas ao leste, raios,  trovões e tempestades da madrugada. Entretanto sobra-me trabalho quase franciscano, desalento e gotas alternadas de tédio.

Quando chega-se para lá dos trinta anos, todos os seres humanos ao redor, particularmente os bem mais jovens, tornam-se extremamente desinteressantes. É como olhar um cenário vazio falante que tende a tagarelice odiosa. Deus, é como morrer todos os dias sufocada pelo fútil e despretensioso!

Ao contrário do que possa parecer, meus olhos não envelheceram. Porém não mais conseguem enxergar a beleza de outrora nas pessoas, aquelas esfuziantes e que despertavam os sentimentos dourados de que a vida era um mistério divino, digno de ser vivido, com um gosto de maçã e coalhada.

Tudo foi-se, ao menos, o humanamente palpável ao redor.

A vida necessita de intensidade, mistério, histórias instigantes, poesia e céus estrelados de antemanhãs frias. Existem muitas formas de achá-los, entretanto tenho que contentar-me com o passado, do mais recente aos resquícios de outras vidas.

A saudade não é, até aqui, fruto de uma dor somente do que foi perdido. É muito mais do que eu mesma posso compreender.

Esta existência traça linhas cinzas, de pouco fulgor, longe das histórias magníficas que eu costurei em um tempo de inocência.

Continuo a esperar algum reverso maravilhoso, uma viagem, um novo lugar e novas pessoas para que eu possa exercitar novamente a minha mais saborosa atividade: a observação.

Vivo dias de dor, de calmaria e de nenhuma aventura.

Motiva-me o futuro, apesar de tudo. Talvez lá encontre o meu eu vagante, numa outra terra, ou mesmo numa nova roupagem. Eis a eterna roda da existência e o sentido de precisar ser quem eu sou.


sábado, 6 de abril de 2019

A morte de mim mesma

Não posso ter tudo. De fato, nem ao menos possuir o mínimo. E assim passam os dias, cheios de compromissos, pouco dinheiro, desprestígio e uma convulsiva sensação de que o meu tempo foi-se.

E para onde? Talvez, e provavelmente, para um lugar inatingível.

Confesso que a falta do desejo dos outros corrói-me como ácido. E essa fonte de inspiração secou tão de repente que eu mal percebi. A solidão tornou-se um tanto quanto estranha, de um sabor suavemente amargo.

É uma época estressante. Faço muito para alcançar o que, tardiamente, decidi seguir. Muitas vezes parece que não passo de uma dessas caricaturas ingratas, acinzentadas, no meio de um ambiente em que as pessoas não estão sintonizadas comigo.

Quero arrancar minha pele, rasgar os meus músculos e queimar os meus ossos. Almejo recomeçar das cinzas, com uma nova aparência e identidade física. Assim, quem sabe, percebam a minha alma, minha essência, meu próprio eu que, arrisco, é digno de cafés, longos passeios, prazer e risos; histórias, camas, calor e tantas outras coisas essencialmente humanas.

Ontem esforcei-me demais, tive dor de cabeça e ânsias. Imagens de escárnio percorreram meus pesadelos. Através de uma janela vislumbrei a minha própria decadência, eu estava envelhecida em um limbo.

É uma dessas maldições de séculos com gosto de vermelho, tons de azul melancólico e o negro das profundezas.

Estaria eu morta para toda a humanidade?

Não. Estou morta para mim mesma. Eu só preciso reconhecer e aceitar.