sábado, 6 de outubro de 2018

O sistema, a desconstrução e a desilusão resultante

"Covardia é o medo consentido; coragem é o medo dominado." (la lâcheté, c'est de la peur consentie; et le courage n'est souvent que de la peur vaincue - Nos filles et nos fils: scènes et études de famille‎ - Página 66, de Ernest Legouvé, Gabriel Jean B. Ernest W. Legouvé, Paul Philippoteaux - Publicado por Hetzel, 1878 - 346 páginas)

Hoje foi um dia de duas faces... E eu pensava nos vários acontecimentos e sentimentos estranhos que inebriavam o meu ser enquanto eu caminhava de volta para a minha casa nesse final de tarde tingido pela suavidade dos tons pastéis. 

Minha mente estava enegrecida por conta de uma desilusão extremada, cheia de um pesar melancólico e agoniante. Naquele momento, eu só conseguia engolir um pouco de café e determinar que o mundo não passava de uma aberração que levava-me a essa esperança inútil de que finalmente eu tivesse encontrado algo que valha as minhas forças. E, num golpe mortal, quando menos espero, fatos do sistema apareceram e a minha vida caiu em lamúrias por uma desgraça intelectual sem precedentes. 

Talvez eu seja apenas uma pessoa que tem, de certo modo, uma segurança desnecessária com as palavras, o que pode ser bem o meu fim e a minha desqualificação. Antes eu lidava com números, cálculos e uma infinidades de impessoalidades e restrições e isso criou-me um anseio de mergulhar em algo mais criativo. Agora, com tudo o que eu sei (mais uma vez) dos bastidores, parece que todo o meu trabalho presente e vindouro estará sempre condenado a julgamentos de primeiros e terceiros e nunca (e sem exageros!) terá uma excelência.

Estarei eternamente condenada a essa tão rápida decepção? Coloquei (sem dar-me conta) uma venda nos olhos por causa do ânimo do espírito? Assim como um vendaval que é anunciado pelas nuvens carregadas do leste e ignorado imediatamente pela beleza da imagem de seu mensageiro?

Sim, uma parcela da culpa provém da minha ousadia em achar que a maioria das críticas sobre mim são injustas ou feitas por pessoas não dignas. É da minha natureza raramente concordar em primeira instância e viver à beira do abismo do sentido contrário. Enquanto isso, os mais ressabiados tendem a escolher a estrada mais fácil do obedecer. Sim, a covardia é fruto de um medo ainda indomado e que espalha-se entre os mais jovens pela imposição dos mais experientes, donos de um certo tipo de controle. Bem sei que estou longe de conter todos os meus receios, mas alguns estão devidamente atenuados. Não temo mais as represálias que são comentadas pelos corredores. O acovardamento é deveras odioso para que eu aguente o seu peso. Entretanto salvaguarda-me põe-se necessário quando o entorno é só terror.

Eu bem queria ser um desses cavalos livres que andam pelo deserto, sem identificação, peso e conflitos aparentes; apenas vivendo o dia após dia.

Desejo não lembrar meu nome e nem mesmo quem eu sou. E essa negação de mim mesma é o pior dos desencantos, pois é o produto do maldito resquício da dominação alheia.

sexta-feira, 5 de outubro de 2018

Monocromia

São as madrugadas mais quentes do ano. E o estilo veraneio estabeleceu-se de forma estridente. Dizem, então, as boas e más senhorinhas que é primavera, mas cá estou a duvidar muito, pois nem mesmo vejo as tão brancas flores e muito menos as coloridas, aquelas mesmas do campo, do sertão, que brotam nas estradas da vida e do consolo das lágrimas.

Não posso estender-me muito, pois sim. Tenho muitos afazeres e toda uma carga intelectual para absorver.

Saudades batem à minha porta; de quem? Bem eu não sei ao certo. Muitos rostos foram embora. E agora as faces são muitos jovens e fora do meu próprio contexto. Lá estão todos em uma linha muito à frente do meu horizonte.

Preciso de um ídolo, uma imagem de adoração, daquelas para desejar a carne e unir o espírito, sem nenhuma amarra dessas que prendem muitos seres humanos a dogmas e preceitos que apenas afastam e deixam muito amargor.

Tudo não passa de frivolidade e falta de berço. A polidez esvaiu-se e nem uma gotícula sobrou. Ou as moças bonitas são pura perfídia ou cristalina insipiência.

E o reino dos doidivanas e lunáticos continua simplesmente o mesmo.

Entretanto... Deixo para o final uma dessas canções, que, se fosse em outro mundo, já teria dado-me uma dança ou uma boa conversa a luz do luar. Só que aquele outro homem bonito, de outrora, de rosto faceiro, foi-se e nunca mais fez-se figura.

Só resta-me mesmo o desalento e o dissabor de uma vida monocromática adiante.