quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

A Vida é um Cabaret!

"Comece admitindo
que do berço ao túmulo
Não é uma jornada assim tão longa.
A vida é um Cabaret, meu amigo.
É só um Cabaret, velho amigo.
E eu amo um Cabaret." (Cabaret ou Life is a Cabaret/1966 por John Kander e letra de Fred Ebb)


O ano de 2020 começou há um tempo. Grande acontecimento? Duvido. Há uma certa instabilidade pairando sobre as nossas cabeças em forma de um ar enegrecido, com tons de lodo ruidoso, bolorento e garras secas e afiadas. Entretanto criam-se bolhas cheias de vícios, pouco prazeres imediatos, inércia e esquecimento. Eis o nosso Cabaré. Porém trabalhamos para o dos outros. E eles enriquecem com isso: uma maldição daquelas! Pobreza agora é o crime da vez, segundo a família mafiosa reinante, juntamente com os outros parasitas. E vão tentar, também, trancar todos os jornalistas (proteja-se, Greenwald!).

A vida política atual é um inferno sem precedentes. Não há esperança onde planta-se o ódio. E essas religiões (ou qualquer uma delas) caçadoras de bruxas ou supostas outras entidades malignas (pobres de nós, os de pele vermelha!) ditam as regras. A coletividade esvaiu-se com seus propósitos. E sobraram apenas sonhos gananciosos de enriquecer rapidamente, mostrando-se um verdadeiro desprezo pelo o que é verdadeiramente intelectual, livre e criativo. 

E é a minha vida que continua um filme do David Lynch. Pensei em não mais escrever. Isso muito seriamente. Repensei. Esse aqui é um registro de longos anos de minha personalidade e vivência. E é isso que poderá ajudar a reconstruir um eu do futuro, ou simplesmente mostrar quem eu fui nessa existência. Não. Tenho que continuar. De alguma forma.

Todos aqui em casa estão doentes: fisicamente e mentalmente. Fato. Uma atmosfera em preto e branco, com uma suave capa de neve. Nossos agasalhos são panos velhos de uma luz débil e todos os sortilégios parecem cair entre nós. Sinto que as minhas mãos estão amarradas e que não há ninguém para conversar de um modo satisfatório e delicioso (como coalhadas e maçãs). E esse ponto merece umas linhas a mais.

Achar pessoas para conversar é uma tarefa simples. O problema é que elas são demasiadamente desinteressantes e causam um pavor reprimido. Tenho sorte por conseguir estudar História. Contudo há uma vasta gama de dissabores pelas beiradas. Não é fácil aguentar essa nova geração espantosamente tola, infantilizada, sem charme e muito menos sabor. Até mesmo os mais próximos ou são bobos ou uma mistura disso com umas boquinhas que fazem umas críticas sem propósito, voltadas somente para a minha estrutura óssea, digamos assim. Já tive que aguentar falatórios sobre as minhas olheiras, sobre o meu cabelo (porque sempre vai ter alguém que vai dizer que ele está arrepiado), sobre a minha aparência às vezes cansada e sem maquiagem (porque estudar dá trabalho, óh!) e mais alguns outros impropérios. Nesse curso dessa universidade pública em particular não há uma vida social ou artística que possa ser partilhada; não para ser degustada e provocar regozijo. Posso ensinar uma ou outra pessoa e mostrar-lhe algo relevante. E tudo terminará em um poço de insatisfação. O que me conforta é somente a História e minha caminhada independente. Necessito achar pessoas que possam permitir-me sentir o prazer só de vê-las (e não ao contrário), por exemplo. 

Sinto saudades do frisson, dos delicados rostos juvenis capciosos, dos olhares brejeiros e sedutores, da beleza da forma física como notas harmoniosas de uma sinfonia. 

Ao meu redor só há um bléh

Sigo em frente nesse mar e sua névoa. Mas dessa vez eu tenho um farol. Consigo guiar, consigo manter-me em linha reta. Gostaria de mais saúde, de mais cafés sem culpa, de admirar os queridos de outrora, de sentir-me um pouco mais viva. Bem, poderia até dizer que falta-me dinheiro, um emprego (digno). E sim, isso é desesperador. Só que para esse item só restar-me correr atrás, só por mim e por mim. 

Talvez eu escreva mais esse ano, consiga um emprego, possa ir para a Galiza e chegar a Finisterra. Depois para A Corunha e visitar a Torre de Hércules e, finalmente, cantar em galego e recitar García Lorca bem alto, só para o mar. 

São sonhos tão diferentes dos demais. Nada daqui pertence-me. O que preciso pode estar muito além, atravessando o oceano. Uma árdua realidade e muito a se fazer.

Há uma boa sensação no meu coração desses deleites que ficam guardados por muito tempo. Portanto tenho que enfrentar todo esses desprazer de agora. 

E refugio-me no meu Cabaret, cantarolando Sally Bowlles.



2 comentários:

  1. Melhor parte, simplesmente um fato! "Achar pessoas para conversar é uma tarefa simples. O problema é que elas são demasiadamente desinteressantes e causam um pavor reprimido."

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Querido (a) leitor (a), obrigada por ler e comentar no Café Quente & Sherlock! Espero que tenha sido uma leitura prazerosa. Até a próxima postagem!