sábado, 6 de junho de 2020

Um olhar sobre o antigo eu: esperançoso, juvenil e cheio de amor.

A tristeza paira no ar, com seu véu brilhante, cravejado de lágrimas. A pandemia enfiou sua lâmina em milhares de corações. São dias de pouca luz e luto. E aqueles que tentam sobreviver, escondem-se em seus lares como coelhos que fogem do abate. E tornam-se ainda mais taciturnos e desgostosos. E essa é a melhor descrição do que eu sou agora.

Mas, às vezes, lembro-me do que eu quera antes. Se não muito feliz, pelo menos brilhavam em mim os feixes de futuros não realizados e anseios por dias mais saborosos, desses que se observa passarem com uma xícara de café e leite bem quente e uma torta de amora. 

Os pesadelos dominam-me. Eu sei. Todavia quando esses dormem, tento lembrar desse velho espírito que ficou perdido na desilusão. E o que ajuda-me, impressionantemente ou não, são os filmes da infância. É como rasgar esse véu negro por algumas breves horas e olhar limpidamente o horizonte a mostrar um portal que leva-me àquela garota de uns quinze anos, sentada, vendo o arco-íris no céu mais bonito já existente. E, para um pouco mais tarde, imaginar o grande amor platônico de olhos azuis, que poderia ser representado muito bem pela constelação de Cassiopeia no firmamento boreal. 

Eu precisava escrever sobre essa sensação de passageira vivacidade após rever O Jardim Secreto (The Secret Garden/1993). Um breve resgate de uma vida que ficou para trás; melhor, ter novamente contato com um ser jovial que pertence a um doce tempo e só tem sentido nele. 

Trata-se de momentos de uma doçura sem artificialidade, sem tecnologia, sem guloseimas instantâneas e atômicas. Sim, eu sou uma dessas pessoas fascinadas pelos campos, casarões, roupas de renda, longos vestidos, relógios de bolso, jardins, verde londrino e fitas de seda. Remete a romance, poesia, rostos bonitos e afáveis. Aprecio um café da manhã quente contrastando com o frio congelante do raiar do dia. É exatamente como nesse filme que retrata tão bem o ciclo infantil da maneira como deveria ser: saudável e sem traumas advindos de pessoas machistas ou vulgares. 

Quero aproveitar mais essa sensação que logo irá esvair-se. Se pudesse apenas guardá-la em potes para tomar algumas gotas todos os dias, quem sabe eu voltaria a acreditar que a vida é um jardim que a qualquer momento pode se cultivado novamente. Só que a realidade é firme, presente e não deixa abater-se por nada. 

Recordo-me do dia da caçada às borboletas em que saímos da escola para recolhê-las. Era 1996. Elas eram inúmeras e amarelas. Um garoto ficou preso nas grades de um hospital abandonado. Porém ele conseguiu sair. E foram risos e risos. Eu estava feliz, puramente feliz. Eu achava que ia ser tudo o que queria, viajaria para Marte ou Lua. Foi importante, apesar de ser apena um devaneio.

Irei dormir e esperar sonhos melhores. Ou mesmo uma regressão que leve diretamente àquela garota que ficou perdida...
... Entre as borboletas amarelas e o jardim secreto das fantasias intocadas. 



8 comentários:

  1. É bom regressar aqui e poder mergulhar nessa leitura maravilhosa. Adoro esse blog, repleto de detalhes incríveis, tanto na estrutura como na leitura.

    Lyu Somah
    www.lyusomah.blogspot.com

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  2. Adoro seus textos,com o passar dos dias só melhora cada vez mais. Grande beijo.

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  3. Eu lembro a primeira vez que assisti esse filme, embora, como quase sempre, eu prefira o livro, ele me tocou bastante. Ainda era adolescente, momentos difíceis... eu me lembro que me apaixonei pelas 'charnecas' inglesas. Me lembro que sonhei em conhecer a Inglaterra e imaginava-a como um grande castelo cercado de jardins...
    Outra coisa que me lembro são os amigos que fiz na era em que blogs estavam no auge. Fico feliz sempre que venho aqui e vejo que seu blog lindo, com seu jeito único de falar das coisas está aqui, me sinto em casa, com uma amiga.

    que 2021 seja um ano generoso conosco. Um grande abraço.
    Marcela
    (http://blog.marcelamelo.com.br/)

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    1. Querida Marcela... Que bom que você veio aqui!!! Esse filme é para mim muitíssimo especial. Fui revê-lo numa época muito difícil, em um ano confuso e triste. E mesmo assim, senti-me bem no final, como ao receber um abraço quente ou tomando uma xícara de café fumegante em uma tarde fria. Também sinto saudades do tempo em que os blogs estavam no auge. Agora só temos imagens e futilidades. Obrigada pelo carinho! Beijos!!!

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  4. De repente me peguei pensando em ti, cara amiga tão distante no espaço tempo. Preciso saber como tu estás, me manda notícias.

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    1. Olá, caro amigo Limberger! Estou levando a vida, com todos os pesares cotidianos. Mas ainda estou por aqui! Mande notícias também!

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Querido (a) leitor (a), obrigada por ler e comentar no Café Quente & Sherlock! Espero que tenha sido uma leitura prazerosa. Até a próxima postagem!