domingo, 3 de abril de 2022

O meu eu de promessas e ruínas em uma cidade feita de decadências

Nada vejo por essa cidade
Que não passe de um lugar comum
Mas o solo é de fertilidade
No jardim dos animais em jejum
(Zé Ramalho - Zé Ramalho II - 1979)


A São Luís de hoje não me promete mais nada. Porém a de tempos imemoriais é tudo: estranhamente inquietante, fantasmagórica, doente, pueril, bucólica, campestre e em ruínas; longe do meu eu físico e perto dos meus sonhos. Oferece-me histórias e deixa que eu crie rostos e corpos, que trace suas moradias e suas vidas. Ela não pode ferir-me como a cidade de agora, em que cada face é um inimigo, uma intriga, um olhar de desdém. Deixo-me envenenar por suas promessas não cumpridas. 

Vislumbro um enorme vazio, cinza e bolorento, uma sordidez sem precedentes. Tenho um sentimento de apatia, de desesperança e de escárnio travestido em roupas chamativas, discursos vazios e pautas esquecíveis de todas as cores.

A minha infelicidade aqui é a pura fome: de pessoas, de ânimo, de sentimento. Bebo o insípido cotidiano urbano. Olho o contraste entre os apartamentos luxuosos, dos homens e mulheres na pequenez da atrasada burguesia, e o Reviver, com seus humilhados e explorados, igualmente esquecidos e somente notados através das folhas de algum panfleto partidário, de alguma secretaria do estupor. 

Preocupo-me com o respeito que eu não possuo e com a dignidade que me falta, e que vem somente com o barulho de muitas moedas. Eu sou um produto das oportunidades natimortas e roubadas. Fui violentada com palavras pelos filhos daqui: pelos homens-crianças de todas as classes: da elite fétida e improdutiva até aqueles que hoje reivindicam algum posto de alicerce cultural. 

Sinto há muito tempo o vento frio do descontentamento. Tenho sede e fome de unicidade, que não cessa e só aumenta. E sabe o que mais eu tenho? Uma coleção de conversas tediosas, de seres fracos e deprimentes, que não me servem nem mesmo para um amor casual e despreocupado em uma madrugada de qualquer dia do calendário. São todos eles sujos. Incapazes de suprir o mínimo e merecedores de uma nota de assassinato a sangue frio, numa revista feita do cheiro pútrido da decadência intelectual e moral que ecoa no ar. São as falas pornográficas, devassas e com gosto de plástico que mais enojam-me. 

Malditos sejam aqueles livros e filmes que me criaram! Deram-me o melhor para, no final, eu ter somente o mundo cão.

E se for para ser sempre assim... Que eu abrace de vez a solidão. Pelo menos ela é autêntica e sua promessa de prazer triste é confiável.



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Querido (a) leitor (a), obrigada por ler e comentar no Café Quente & Sherlock! Espero que tenha sido uma leitura prazerosa. Até a próxima postagem!