terça-feira, 20 de março de 2018

Altered Carbon (Carbono Alterado) - Um pós Blade Runner ou um Doctor Who Cyberpunk? Uma visão da série por suas bases mais interessantes (e polêmicas)

Canal: Netflix
Meio: Streaming
Adaptação: Livro Altered Carbon/2002, Richard K. Morgan
Ano: 2018
Gênero: Cyberpunk
               Ficção Científica
               Thriller de Ação
               Drama Policial
               Romance Noir
Criada por: Laeta Kalogridis
Elenco: Lista completa aqui: Altered Carbon IMDb
Trilha Sonora por: Jeff Russo
Número de Temporadas: 1
Número de episódios: 10
Locações: Vancouver, British Columbia, Canadá.

Altered Carbon não é para família e nem para as grandes audiências. É um mundo para adultos, especialmente os fascinados por Blade Runner e toda a cultura do Cyberpunk.



O ano de 2018 chegou e trouxe a produção mais cara da NetFlix - Altered Carbon, série baseada no livro de mesmo nome (que é seguido por Broken Angels e Woken Furies) de Richard K. Morgan e criada por Laeta Kalogridis.

Assim que o livro saiu, Kalogridis adquiriu os direitos de adaptação com a intenção, primeiramente, de um longa metragem. Mas a complexidade da trama afastou os investimentos dos estúdios e, assim, lá foram-se longos 15 anos até que o projeto virasse realidade pelas mãos (e dinheiro) da Netflix, que a encomendando somente em 2016.

Passaram-se alguns bons dias até que eu assistisse a série. Não porque o enredo sugerisse algo desinteressante, pelo contrário, e sim porque a Netflix (não sei se só a versão em Português) tem o péssimo hábito de não fazer boas e instigantes sinopses, fugindo, muitas vezes, da essência do próprio trabalho, além de não dar o nome de todos os atores e, o pior, não coloca boas fotos promocionais. Só depois de ler a segunda sinopse e ver que o Joel Kinnaman era o principal que eu parti para o primeiro episódio.

A história gira em torno de Takeshi Kovacs (o original é interpretado por Will Yun Lee e a nova capa por Joel Kinnaman), um ex-soldado das forças especiais que fazia parte do projeto Envoy. Após uma missão fracassada, Kovacs foi para uma prisão digital. Ele foi libertado por Laurens Bancroft (James Purefoy), membro da elite dos Matusas. Bancroft está intrigado porque foi assassinado em sua própria casa e acredita piamente que não cometeu suicídio. A missão de Kovacs é achar o verdadeiro culpado.

Há, também, muitas subtramas e envolvimentos, destacando-se o círculo próximo que se formará em torno de Kovacs, com a a policial Kristin Ortega (Martha Higareda), Poe (Chris Conner) e Vernon Elliot (Ato Essandoh).

Mas Altered Carbon vai muito além. Seus melhores pontos residem nas bases sociais em que a narrativa central foi construída... Então, vamos entendê-las!

A partir de agora entra o selo de:




O mundo em Altered Carbon

A série passa-se 350 anos no futuro, no ano 2384...

(um adendo para as primeiras perguntas: Que futuro? Porque se for contar de 2018, somando-se esses 350 anos, daria o ano de 2368, um diferença de 16 anos. Ou estamos falando do futuro do ano de 2034 ou essa contagem no tempo tem que passar para 334 anos no futuro... Você escolhe!)

Então, nesse tempo, as memórias de uma pessoa, na sua forma mais pura, podem ser passadas para um dispositivo em forma de disco chamado cartucho cortical (isso mesmo, uma espécie de pendrive com o backup do nosso cérebro), que é implantado nas vértebras da parte de trás do pescoço, em um processo de codificação e armazenamento chamado Frente Digital Humana - FHD. Esse cartucho é colocado quando a pessoa é ainda criança, por volta de 1 ano de idade.

Quando há algum dano grave a essa constituição física, este cartucho pode ser colocado em um novo, digamos, receptáculo, chamado de capa, um ser clonado a partir do corpo original ou outros corpos que estiverem disponíveis. Também pode-se voltar ao corpo original, restaurado ou não. Tudo isso dependerá de quanto é possível pagar para ter a vida de volta. A capa é substituível, o cartucho não. E a não ser que tenha-se muitos backups espalhados por aí, uma vez que esse dispositivo tenha sido destruído, a morte é real.

Esta possibilidade só foi possível graças a uma tecnologia alienígena vinda de um povo chamado Elders e que já está extinto.

As diferenças de classes sociais 

As capas não são criadas de forma igual. Os ricos podem dispor de clones aparentemente infinitos de si mesmos, distribuidos por cofres trancados e altamente seguros em torno da galáxia. Assim surge-nos os Matusaspessoas poderosas que efetivamente tornam-se imortais.

Entretanto a maioria das pessoas não escolhe sua nova capa, devendo, ser quiser viver novamente, usar o que estiver disponível. Isso significa que pode-se ter uma criança colocada no corpo de uma pessoa idosa ou acabar em uma raça ou gênero diferente. 

Então, de onde vêm as capas dos pobres? 

Esta é até fácil de deduzir: daqueles ainda mais pobres que não podem pagar sequer para manter o corpo original. Porque se a capa sofreu um dano grave, esta pode também ser, dependendo da complexidade, restaurada. Se o antigo dono, representado por sua família, não puder pagar, então outra pessoa torna-se dona do seu corpo. E tem outras possibilidades...

O caso dos prisioneiros

Nesse universo, não há mais prisões como conhecemos hoje. Elas tornaram-se digitais e, sendo assim, os condenados têm os cartuchos removidos e seus antigos corpos são colocados a disposição. Se a família puder arcar com as despesas de manutenção até o cumprimento da pena, o detento terá seu corpo de volta, senão, haverá a permuta.

O caso da realidade virtual

Se o dinheiro não deu para manter a capa, então há a possibilidade de permanecer em uma Realidade Virtual, onde amigos e familiares poderão conectar-se para passar o tempo com a pessoa.

O caso dos corpos sintéticos

Por que não apenas colocar o cartucho em um corpo sintético ou um androide? Sim, é possível. Todavia é o meio menos usado. Imagine acordar em uma boneca ou boneco, mesmo que ele/ela seja uma cópia fiel da capa anterior? Muito esquisito será não poder comer, nem beber e nem sentir estímulos. Foi assim que o Serial Killer Charles Lee Ray ficou ao transferir-se para o boneco Chucky, só que ao invés de vudu, temos a tecnologia.

Eu não sou o dono do meu corpo?

A capa da primeira vida é, basicamente, um empréstimo. Se não puder pagar pela segunda vida no mesmo corpo, o governo vem e leva-o embora. É como comprar uma casa pelos bancos (considerando que as prestações da casa sejam infinitas). Pense que viver é o período que abrange o pagamento das parcelas. Parou de pagar (a morte), o banco vem e abre a possibilidade de renegociar (manter o corpo e voltar nele), se não tem mais meios de continuar o vínculo... Lá vai a casa para leilão.

E existem hospitais?

Sim. Como dizem todos os médicos, melhor prevenir do que remediar. Só que não há mais hospitais públicos ou privados, apenas um tipo de hospital onde quem tem dinheiro entra na frente, ganhando membros reforçados e tratamentos caros, enquanto, não importando a gravidade, os pobres podem morrer na fila de antedimento (o que já é real aqui e agora...). 


Reencarnação ou Ressuscitação?

A discussão em torno da Religião é um dos pontos mais fortes da série. Assim, aqueles que não querem viver para sempre, optam pelo bloqueio (com a codificação Neo-C) ou destruição do seu cartucho. O Neo-C (Neo-Catolicismo) é uma religião que sustenta a crença de que os seres humanos não devem ser trazidos de volta à vida após a morte.

Alguns podem fazer uma confusão com a Reencarnação. Contudo ela não se encaixa aqui. A Reencarnação e um processo natural, misterioso, baseada na lei do Carma. É uma nova vivência, de fato, de uma mesma alma (você pode dizer até mesmo que a alma é o cartucho). Mas a antiga vida, no princípio da Reencarnação, foi deixada para trás (porém é sabido que lembranças podem ficar, assim como nos casos documentados de vidas anteriores). Para que a tecnologia usada em Altered Carbon chegasse um pouquinho perto do que considera-se Reencarnação, além da nova capa, todas as memórias deveriam ser apagadas, sobrando apenas os traços de personalidade, ou o que chamamos de essência.

O que é a Resolução 653?

A Resolução 653 é uma proposta legal que altera a lei para permitir que as vítimas de assassinatos possam ser ressuscitadas com o intuito de testemunharem contra os criminosos. Ela não possui nenhuma restrição quanto a religião.

Entretanto pela lei vigente, um Neo-C não pode ser ressuscitado para esse caso.

A 653 é de suma importância para a construção da história da série, pois Reileen (Dichen Lachman), a irmã de Takeshi, aproveita-se disso para fugir das acusações dos assassinatos ocorridos em seu bordel, o Head in the Clouds, onde os clientes podem matar os profissionais do sexo.

Seu artifício é o de mudar ilegalmente os códigos dos seus empregados para Neo-C para que não haja processos criminais que exijam a ressuscitação dos mesmos. 

Mas a 653, sem restrições, caminha para ser aprovada na ONU. Por isso ela resolve armar para o Matusa mais poderoso. Depois de ser drogado no Bordel, Laurens Bancrofts assassina uma jovem. Com isso, ele é chantageado para que barre a aprovação da 653.

Mas, cheio de culpa, Laurens se mata antes que seu cartucho completasse a atualização com as memórias do crime.

É desse ponto que começa Altered Carbon. 

Altered Carbon é um pós Blade Runner ou um Doctor Who Cyberpunk?

A comparações com Blade Runner são inevitáveis, principalmente pelo universo cyberpunk - a melancolia, mundo poluído e sujo contrastando com o colorido das luzes da alta tecnologia. Se você gosta de ligar obras anteriores à atuais, pode considerar o enredo da série como uma continuação de Blade Runner (1982) e Blade Runner 2049 (2017).

Cabe aqui dizer que a história das capas assemelha-se muito ao enredo de Doctor Who, pois, ao invés de termos apenas um Senhor do Tempo que troca de corpo de tempos em tempos, temos vários deles que, dependendo da condição financeira, podem optar pela capa que mais lhe agrada e mantê-la para sempre.

Quero morrer junto com meu corpo!

As questões éticas e de liberdades individuais também são um ponto forte dessa trama. Imagine morrer ou ser preso e seu corpo passar de pessoa para pessoa? Ou ficar com a mente presa em uma realidade virtual? Ou em um corpo sintético? Onde acaba a vida? Onde começa outra nova? O seu corpo não era você? Por que o Governo tem o direito sobre ele após o desligamento da sua consciência?

São essas questões um verdadeiro nó de marinheiro, pois todos temos um tipo de posicionamento a respeito. Só que qualquer uma dessas opiniões encontrará sempre uma contrapartida duríssima para reflexão. 

Por exemplo, se seu corpo é somente seu, então você escolhe o que fazer com ele - doar órgãos ou doar a capa. Entretanto se o conceito de posse for considerado uma vontade egoísta que fere o princípio de convivência igualitária em uma sociedade? E se uma vida for perdida por puro capricho alheio? São a Terra ou o Fogo mais importantes do que um semelhante? O Governo, que supostamente deve cuidar do bem estar dos cidadãos e protegê-los, não deve intervir nessa questão? 

Altamente complicado, não?

A série Altered Carbon teve Whitewashing?

O whitewashing, ou embranquecimento, significa substituir personagens fictícios ou históricos, de origem estrangeira, por atores norte-americanos ou de cor branca. 

Nesse caso, claro que não ocorreu isso na série. O próprio livro dá espaço para que um protagonista oriental seja, depois, um caucasiano. E o trabalho traz os dois, na vida passada e presente, dando espaço para as duas etnias. Aliás, uma coisa que Altered Carbon não pode ser acusada é de não ter diversidade. Todo o resto em torno dessa polêmica é intriga da oposição...

Afinal, por que diabos a série chama-se Carbono Alterado?

Nem os três livros e muito menos a série dão-nos uma resposta clara e objetiva, apenas alguns subentendimentos com frases que trazem essa expressão.

O que pode-se supor é que Carbono Alterado seja uma expressão para a própria capa que foi mudada para abrigar novamente uma vida, pois os seres humanos são constituídos por carbono e, nesse processo de reciclagem, essas cadeias precisam ser refeitas ou até mesmo modificadas. Quase um produto transgênico de hoje. 

Oh, Meu Deus, que mundo horrível esse...

Sim, por isso que temos um exemplo claríssimo de DISTOPIA.

As distopias são geralmente caracterizadas pelo totalitarismo, autoritarismo, por opressivo controle da sociedade e grande desigualdade social.


Fontes:


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