Estive pensando nessa descrição e como ela é caprichosa e cheia de mistérios nas entrelinhas. Antes de possuirmos essa consciência, talvez fervorosamente pedimos pelo renascimento e por outra chance. Contudo a hipótese mais condizente é aquela do grande empurrão inesperado para tentarmos aprender o que foi deixado de lado ou incompleto.
Dizem alguns que somos todos concebidos pelo amor. Bem utópica esta ideia, mas não há de negar-se a beleza de tal proposição. É como adentrar a história de Psiquê e o Cupido.
Sim, existem alguns afortunados originários dessa fonte - e como são eles cobertos por olhares de inveja. Porém emergimos, recorrentemente, por consequência somente do prazer alheio unilateral e egoísta. É como ser contratado, por tempo indefinido, para uma peça teatral. E nessa turnê há toda sorte de atores e atrizes, um poço de não empatia, além da encenação que pode ser uma tragédia grega ou um drama satírico.
Fiquei a repassar todo este cenário e a maneira como ele encaixa-se nesta minha atual existência.
Em qual ato está a minha dor crônica? Será que ela desaparecerá, se desaparecer, antes dos aplausos finais?
Há seis anos ela reina absoluta frente as ribaltas, regida por frenesis senoidais. E estou tão farta que eu gostaria de dissolver-me e virar, por alguns instantes infinitos, partículas douradas de luz.
Hoje estou em cartaz com este monólogo e minhas palavras atingem as vazias cadeiras. E eu chorei rios que desemborcaram em um mar rubro de angústia e medo.
O único lugar em que posso ser meu eu essencial, mesmo fragmentada, é por trás das cortinas, bem onde há os velhos caixotes. Minha imaginação e minha alma saem desse teatro em ruínas e condessam-se em uma nuvem que flutua por outros espetáculos que mostram vidas doces e normais, cheias de prazeres e sorrisos, amores e amantes, onde não há espaço para nenhum tipo de dor.
Entretanto há um grande perigo em visitar constantemente minhas próprias ilusões - elas são perfeitas e nascem do ato de vestir-me com roupas que não foram feitas para minhas medidas. A fantasia irá rasgar-se mais cedo ou mais tarde, quebrando as barreiras mal feitas da auto proteção. Rajadas de realidade ignorada matam tanto quanto a própria realidade cruel.
O meu mal crônico rasgou minhas vestes. E agora sinto-me prisioneira de um lugar repleto de veracidade que mostra manhãs de escárnio e noites de gritos sufocados.
E está proibida qualquer queixa sob pena de represálias. E falar sobre o que sente-se, segundo os diretores, é o maior sinal de fraqueza de uma atriz que enfrenta a linha tênue do fracasso e esquecimento.
E em quais outros tablados eu já pisei? Estas pessoas que conheço estavam lá? As mentes e corpos que amei também estão aqui? Amam eles, agora, outros daqui ou os que estão longe desses muros? Bem... Respostas faltam-me.
E essa dor duradoura esmaece meu coração e maltrata os pequenos brotos de sentimento. Lá estão eles, franzinos e temerosos. Famintos, precisam nutrir-se de uma confiança quebradiça que os levará ao declínio.
Eis que chega a noite com seu véu negro e brilhantemente pontilhado. Escuto o som de algumas luzes a serem desligadas. Mas há uma que nunca se apaga, mesmo envolta em grandes conflitos e males - uns chamam de felicidade... E eu de esperança.
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Querido (a) leitor (a), obrigada por ler e comentar no Café Quente & Sherlock! Espero que tenha sido uma leitura prazerosa. Até a próxima postagem!