domingo, 27 de dezembro de 2015

Natal e Ano Novo - A constatação dos dissabores anuais

Florbela Espanca
O meu talento!... De que me tem servido? Não trouxe nunca às minhas mãos vazias a mais pequenina esmola do destino. Até hoje não há ninguém que de mim se tenha aproximado que me não tenha feito mal. Talvez por culpa minha, talvez... O meu mundo não é como o dos outros, quero de mais, exijo de mais, há em mim uma sede de infinito, uma angústia constante que eu nem mesmo compreendo, pois estou longe de ser uma pessimista; sou antes uma exaltada, com uma alma intensa, violenta, atormentada, uma alma que se não sente bem onde está, que tem saudades... sei lá de quê! (Florbela Espanca, Desafinado Desconcerto: Contos, Cartas, Diários. Iluminuras, 2002. P. 271)

Florbela é uma achado. Assim como Augusto dos Anjos e sua poesia cortante e realista em metáforas negras, ela aproxima-se de mim com a alma parecida, uma vida de angústia e decepções.

E, nesse final de ano (com o Natal que passou e o Ano Novo que aproxima-se), mais constatações da minha vida: minuciosamente detalhada em seus poemas.

Veja o destaque, frase perfeita, avassaladora e ratificadora: Até hoje não há ninguém que de mim se tenha aproximado que me não tenha feito mal. Talvez por culpa minha, talvez... E assim o é - sem delongas e sem drama, apenas a verdade nua e crua. 

Natal é uma época para a família. Sim, aquelas de comercial ou das pessoas felizes e bobas, satisfeitas com o raso, o multicolorido instantâneo e suas vidas recheadas com sopa de orfanato. A felicidade parece bombom de quinta comprado com moeda de um centavo. 

Natal também lembra-me esperança, o menino Jesus, os desenhos católicos e o catecismo. Era a época em que eu podia ser tudo, claro, na imaginação. Quando somos pequenos, mesmo com as mazelas do dia a dia, as perseguições, pobreza e o destrato na escola (bullying de hoje), o espírito inquietante e a esperança são o mais tenro combustível da alma. Poderíamos, para sempre, ser infantes, ou, ao menos, ter um ínfimo do brio de outrora só para sobrevivermos com o mínimo de dor. Porém crescemos e enxergamos o mal, o preconceito, o descaso e o descarte.

As ceias, antes esperadas, só mostram agonia, problemas domésticos, queixumes. A grande maioria das pessoas que amo e gosto, e que gostaria que estivesse ao meu lado nesse momento, tem outras prioridades, outros amigos mais importantes, outros amores. Muitos deles enganaram, viram apenas algo passageiro, um número, uma nota musical solitária para coleção particular. 

Foi um ano terrível, cheio de tristeza e pesar. Apunhaladas, fofocas, pessoas insanas, coração partido e toda sorte de desgosto. Seres humanos ruins foram coroados, idolatrados e elogiados. E vivem agora seus contos de fada - com beleza, riqueza, belos rebentos, atenção e glorificação. 

Amar tornou-se difícil. E os fracassos apareceram - controle, crítica e dizeres para alimentar a baixa auto estima. Não amei este ano - foram 365 dias estéreis. E não lembro-me de uma época assim. E espero não ter nada parecido por anos. 

Sinto-me presa. Aliás, sempre estive. Sou escrava das convenções, dos dramas alheios, das imposições dos outros. Não tenho dinheiro e nem um rumo certo. Vivo de lampejos de felicidade imaginária e sorrisos soltos. Estes, aliás, causados por pessoas não próximas; talvez, as melhores e mais sensatas que já entraram em minha vida. 

A vida como ela é - cinza. 

Mas quero chuva. Porque ela possui o mais belo céu, o cheiro enebriante de terra gotejada, frio, eletricidade e, antes, bem antes, o arco-íris da infância, cheio de Matemática e Física. Portal de frenesi, palco de cores em tons pastéis. É um espetáculo raro por estes tempos.

Há apenas raios cegantes de sol, com cores vivas e artificialmente alegres, enjoativas. Sem bases e discussões. 

[Fale-me de Beatles, dos Celtas, qualquer ato sólido e artístico. Tire-me desse mar de lama alheio! Ofereça-me uma café com leite quente e um bolinho boliviano. Seja um estranho encantador, alguém para sempre, mesmo por instantes.]

Hoje, pós-natal, e depois que todos comeram como animais, pensando em Papai Noel (minha época favorita ainda é a Páscoa, ao menos, lembram de Jesus), estou com mais um episódio forte de dor nas costas. Existem dias com menos dor, porém ela sempre está lá - companheira inseparável. A cronicidade do meu dia a dia.

Das coisas boas, uma descoberta incrível: um musicista celta - Greg Joy. Também voltei a assistir Arquivo-X e tem sido muito divertido. Agora toco Flauta Nativa Americana - NAF que amo e acalma-me (ninguém nunca me deu forças para tocá-la e assim que o fiz, muitas críticas vieram, não porque eu toco mal, pelo contrário, e sim desdenhos ou o velho descaso, fora que ela é considerada um objeto que ocupa espaço, muito indesejável no começo). 

O curso de Física continua um show de horrores, claro, para mim (porque NUNCA vão dizer algo parecido, afinal, cada um cuida da sua própria vida acadêmica e esses assuntos são terminantemente proibidos. A premissa é que somente os fortes sobrevivem, pois fazem parte disso o egoísmo e também a falta de apoio). Contudo é como disse um amigo e jovem escritor certa vez para mim - Termine isso! E tire sua bunda daí! Não há nada que te segure, não há raízes, não há nada espetacular e forte. Só que é bem difícil manter-se na linha e focada. São tantos problemas, tanta desarmonia e a falta de uma figura para admirar. Episódios recorrentes de desrespeito acontecem, a última, e que me abalou muito, eu já contei em uma postagem anterior.

Vista área de Newgrange - Irlanda
Uma vez terminada toda essa jornada excruciante, poderei começar uma nova vida, longe, muito longe daqui, sem levar nada e ninguém na bagagem. Sem laços, sem história, apenas a vontade de
recomeçar. 

Essa é minha única promessa para o novo ano. Difícil? Exato. É a chave da minha liberdade, minha chance de renascer e poder ter fé em mim, no meu talento. O preço é alto, nada mais que o esperado. Aqui, agora, não há pessoas que acreditem em mim. Essa tarefa é somente minha.

Raio de luz em Newgrange, Solstício de Inverno
Desejo a todos (as) os leitores (as) um ano mais calmo e produtivo. A paz é a lacuna a ser preenchida e a saúde, pois bem sei, é essencial. Do resto, cada um precisa ter ou arrancar da alma, mesmo que seja dolorido. 

E, dessa forma, que as nossas vidas possam ser como a luz que entra em Newgrange a cada Solstício de Inverno - o lembrete da esperança que nunca falha!





Uma linda música celta de Greg Joy!


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Querido (a) leitor (a), obrigada por ler e comentar no Café Quente & Sherlock! Espero que tenha sido uma leitura prazerosa. Até a próxima postagem!