terça-feira, 8 de março de 2016

Rádio da madrugada, velhos tempos e amores imaginativos - platonismo e suas metáforas

Hilo com uma Ninfa - John William Waterhouse/1883

Há algo místico e infinito no amor platônico, apesar dele frequentar a região da dor, sofrimento, miserabilidade e solidão.

Ele é sempre a inspiração certeira para livros que registram a saga dos desejos não realizados na forma mais humanamente palpável. Só que todos esquecem da sua pureza, delicadeza e liberdade. O amor platônico é a utopia que mantém a mente fértil e o coração vivo e esperançoso. E isso é infinitamente mais consolador do que o desgosto com os amores consumados e que mostraram tão somente o amargo sabor da vida real.

Não há regra que impeça que o amor platônico, um dia, possa tornar-se vívido e bilateral e, quem sabe, tão doce como seus outrora frutos imaginativos. Não se deve duvidar do nirvana amoroso. Porém vivê-lo como se fosse a força eletromotriz da vida é caminhar rumo a tristeza crônica e a mortificação da alma.

Por estes tempos tenho revivido histórias sobre platonismo que estavam na tenra juventude. Naquela época, imaginativamente, o céu não era o limite, o limite rumava ao infinito.

Reviver a dubiedade é angustiar-se à conta-gotas. Não há desespero exagerado e nem tristeza excessiva. Não há culpados, nem nós mesmos, o maquinário do sentimento, e muito menos a nossa criação, os desejados.

[E assim tem sido há um certo tempo.]

Todos os poemas poderiam ser escritos com rimas douradas. Quadros poderiam ser pintados com gotas prateadas de chuva e traços amadeirados das folhas do outono. As rádios da madrugada poderiam tocar madrugada adentro. E ao embalarem danças sob o luar, com seus narradores afoitos, mandando recadinhos, o cenário perfeito estaria formado.

O platonismo deseja o bem, o sucesso, a felicidade, mesmo em outros braços. É livre da ilusão de que acabará inevitavelmente em conquista. Ele nasce regido por poréns.

Os platônicos amam simplesmente a existência do ser admirado, a sua essência e seu modo de vida. É como Pigmalião a admirar sua própria criação.

Este é o mais ingênuo dos amores e que, muitas vezes, é ruborizado na vergonha de admitir o próprio sentimento a si mesmo. Também é o mais humilde, deleitando-se em pequenos sorrisos, gestos e conversas. Franciscano por essência.

Se lágrimas do amor platônico fossem transformadas em vinho, o mais doce deles seria criado.

Posso afirmar que não há nada mais intimista e próprio do que gostar secretamente. E, a cada minuto, mais e mais amores platônicos nascem, tornando-se imortais e rumando a um tempo imemorial em que a vida repousa na mais suave das montanhas.

2 comentários:

  1. Esse tipo de amor é livre e apaixonante, há uma entrega sem cobrança. E também é triste, já que as veze snão se torna realidade. Parabéns pelo texto.
    PS.: Fiquei esperando o texto sobre o Oscar 2016....

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Querida amiga Fátima, que bom revê-la por aqui. Sempre fico muito feliz com seus comentários e com sua visita. Sim... Eis que o não tornar-se realidade é a angústia é o sacrifício de tê-lo no coração. Estou em dívida com o texto sobre o Oscar 2016. Uma hora escrevo, nem que seja perto do Oscar 2017. Beijos***

      Excluir

Querido (a) leitor (a), obrigada por ler e comentar no Café Quente & Sherlock! Espero que tenha sido uma leitura prazerosa. Até a próxima postagem!