quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Iconoclasta

Pigmalião e Galatea/1886
Ernest Normand
“E erguendo os gládios e brandindo as hastas,
No desespero dos iconoclastas
Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos!”
(Augusto dos Anjos, poema Vandalismo)


Frio, incômodo, inércia. E, depois de um café quente e do desânimo habitual, pus-me a pensar em Augusto dos Anjos.

Como no último verso, venho agindo como uma iconoclasta - ando a espatifar as imagens que, ilusoriamente, eu tenho.

Sufocada, intoxicada, necessitada. Criei um mundo onde eu era o lado miserável, pequeno e frágil. Em contrapartida, deturpei a realidade, maquiei os fatos e transferi meus desejos - estava pronta a imagem de adoração.

Como uma sonhadora, agi como Pigmalião. Esperei que Afrodite soprasse as narinas de minha estátua. Espera vã e tola.

Quando dei por mim, estava mergulhada no limbo, olhando duas janelas distintas, dois extremos que mostravam a realidade e a fantasia.

E num momento de desespero interior, um grito de solidão atinge a imagem. Em instantes tenho milhões de pedaços.

A fantasia foi-se. Serei capaz de gostar do ser real com o mesmo afinco?

Os dias passam lentamente, em silêncio e devagar. Anseio pela completude, porém a vida mostra-se distante e indiferente. E as fortes inclinações pelo desejo do corpo estão matando sentimentos mais nobres.

E assim continuo na beira do abismo - a olhar a minha doce imagem esfacelada e a realidade que, um dia, terei ou não de aceitar.


5 comentários:

  1. Vendo o trecho inicial, uma citação de Augusto dos Anjos me fez lembrar os dois últimos anos no colégio, em que meus professores de literatura [principalmente o do terceiro ano, André Luiz], declamava os versos de Augusto na sala e terminava por 'encarnar' um pouco o personagem.

    Pelo visto não foi só em meus professores que o Augusto influenciou na escrita. Passo por algo parecido, mas também entendo que a realidade muda a partir de cada par de olhos e sinpases químicas individuais. O que nos diferencia, é o que fazemos com a nossa realidade e e como a administramos com as realidades alheias e com a 'realidade padrão'.
    Enfim, nada que um bom café pra nos dar um pouco de ânimo e nos fazer parar à beira do abismo. Boa sorte na caminhada Frank, mas lembre-se que é sempre bom dar uma pausa, sentar-se na beira da estrada debaixo de uma sombra e simplesmente ver a vida passar um pouco, antes de seguir andando.
    ;*

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  2. Café é algo que me inspira também,altas reflexões,assim como me inspirou esse texto seu .O que me ocorre,é que esse mecanismo de maquiar aqui e ali,é algo pertinente ao ser humano,até mesmo para poder conviver consigo,para poder olhar no espelho.A realidade não pede aceitação.Ela simplesmente é,independente da nossa vontade.Sinto que apenas vamos interpretando até o momento que não nos convence mais,e nesse instante encontramos o olhar obstinado da realidade pedindo uma nova leitura.E esse desafio dói mesmo.
    Beijos,sucesso :)
    www.dancaharah.blogspot.com

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  3. Querida! T. Scherlock Frank!
    Não acredito no que vejo mulher, um posto sobre Augusto dos Anjos e ainda falando de iconoclasta. Para teres uma idéia, AMO, Augusto do Anjos e me considero uma iconoclasta de plantão! Mas explico: adoro destruir coisas, conceitos..., idéias, opiniões; para depois reconstruir tudo!!! Nesse sentido, que é bem amplo. Isso tento passar para a literatura e a vida! Gente me emocionei, acho que estamos numa sintonia mesmo! Maravilha!
    Destruir e depois reconstruir! É a própria ruptura na vida. E ruptura é arte! Viva a arte da vida! Grande abraço minha amiga de "alma".
    Elementar minha cara T. S.!

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  4. "A podridão me serve de evangelho. O animal que urra nos bosques, com certeza é meu irmão mais velho!"
    Noooooooooossssssssssssssssaaaaaaaaaaaaaa!!!!!
    Beijos

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  5. Lendo seu texto e os comentários da Cissa...
    vou falar mais o que?
    Rebeldes com causa...rsrs

    Boa noite!

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Querido (a) leitor (a), obrigada por ler e comentar no Café Quente & Sherlock! Espero que tenha sido uma leitura prazerosa. Até a próxima postagem!