quarta-feira, 24 de dezembro de 2025

40 anos - A vida continua e pode ser bela!

Fiz 40 anos. E muito me ajudou a chegar neles a terapia, os remédios certos e a descoberta da minha dor crônica - fibromialgia. Estou melhor, em muitos aspectos, do que quando era apenas uma jovenzinha, com vinte e poucos anos. 

Entretanto... Muitos sonhos morreram, as emoções ardentes transformaram-se em ecos e eu perdi, pelo caminho cinza, muitas pessoas que foram apagadas em pensamento. 

Sinto saudades de um tempo confuso. E isso é estranho. Porque eu podia flutuar e me extasiar em sentimentos profundos, vívidos e, ao mesmo tempo, melancólicos. 

Será que eu era mais feliz quando eu tinha a alma de uma bola vermelha no meio da multidão de bolas azuis?

Eu realmente não sei. E esse é o preço que devo pagar por ter encontrado uma certa paz de espírito. 

Essa paz é cara, um pouco apática e travestida de luto. O outro eu interessante, louco, dolorido e emocionado morreu por tempo indeterminado, dando lugar a uma mulher mais decidida, que sabe conviver bem com a solidão de pensamentos; porém que ainda lamenta pelo desaparecimento de alguns amores que eu ainda gostaria de ter ao meu lado. 

Eu me sinto mais bonita. E isso não resulta em desejo. É como apreciar as estrelas, imaginando-as em suas formas excêntricas e brilhantes, distantes o suficiente para não ser chamuscada pela plenitude de suas chamas.

Sim. Isso é muito morno. A euforia e o prazer foram trocados por Duloxetina. 

Vou à academia. Escrevo o fim da minha dissertação do Mestrado de História. Tomo muito café, vou ao cinema e mudo de mundos. 

Então... Se eu sou uma melhor versão, por que me sinto como um fiapo de luz?

Como eu disse, a paz custa caro, a paz custa uma guerra e ela se mantém por guerras. Ou seja, sua moeda de troca é o conflito interno. E quando você sente dor física causada pelo ódio dos outros e de muitos dos seus amores, o preço a se pagar não é muito bem pensado no momento.

Nesse momento em que escrevo, sinto uma angústia. Uma angústia de não sentir o prazer de antes e muito menos as saborosas paixões, aquelas com gosto de pão doce de coco em cestos de palha de buriti.

Tenho receio de nunca mais ser aquele eu "cru" e interessante, que olhava as constelações, pensava só em Astronomia e viu a passagem do Hale-Bopp como o anúncio de uma vida mergulhada na ciência.

O eu lapidado se manteve na ciência, na versão mestre em História, por enquanto. Pediu demissão de um emprego porque não tolerou a falta de respeito infantil e muito menos gente que se acha superior sendo apenas mais um tijolo inútil na parede prestes a desabar. Esse eu foi domesticado. E tem enxaquecas homéricas.

Por um dia eu queria voltar a ser o eu "cru". Ter as mesmas emoções, o mesmo sorriso e morrer afogada na paixão. Passear por horas a pé, como em 1900, tomar café, dar um beijo ao luar e escutar promessas da madrugada e ter despedidas pela manhã de névoa.

.Mas desejos são só desejos. Nem mesmo eles têm esperança dessa realização.

Enquanto isso... Vou ruminando. Ao mesmo tempo, melhorando. Sou um fiapo de muitas coisas, menos de derrota.

Eu me reivento. Pago o preço. O mundo cão sempre à espreita.

A vida continua, gira e adormece para amanhecer em um corpo de 40 anos que é um mistério até mesmo para mim. Só que eu amo Sherlock Holmes.

Elementar!

terça-feira, 18 de março de 2025

39

Muito estranho ter 39 anos. É como estar em um limbo: nem 40 nem 38. Trata-se do limiar entre algo super fantástico (que não consigo sentir) e a repulsa dos outros, como seu eu devesse apenas cumprir o papel de sobrevivência e esquecer que sou uma mulher com desejos e ilusões.

Entretanto percebo que os melhores dias foram os de anteontem; distantemente saborosos loucos e solitários, permeados pela esperança e movidos por uma chama ardente no meio do peito. Sim, eu poderia devorar o mundo, tirando pedaços macios feitos de crepúsculos, planetas e constelações. 

Eu amei. E nunca fui amada. E tive que aprender a me reconstruir em um universo em que o amor não me é permitido. Dos homens só tive destrato, violência e o mal-querer. E nunca entenderei o porquê. O segundo plano é amargo demais para suportar. Então optei pela solidão; dessas que são até que muito intessantes: uma xícara de café bem quente, um cheiro suave amadeirado, um livro e uma sessão de cinema.
 
Se antes a tristeza me corroía e, ao mesmo tempo, criava em mim movimentos, hoje, com mais de dois anos de antidepressivo e terapia, sou um pouco inerte, com uma chama gélida estagnada em azul mórbido. 

Sinto falta das paixões, do toque, dos sorrisos e das mensagens que arrancavam sorrisos. Fiquei mais velha e sumiram todas essas mentirosas devoções. A farsa era libido. E, pelo pecado de ser mulher, para eles, o meu tempo se extinguiu. 

Antes eu era cinza. Agora sou tons a mais. 

Estou no Mestrado e fiquei decepcionada. Aliás, a decepção é uma constante em uma equação cheia de variáveis ingratas. 

Vergonha. Pudor. Desaparecimento. Não há espaço para mim. Pelo menos não um que faça parte dessa realidade tão líquida, tão raivosa e superficial. 

Sou feita de sono, de pesadelos e de dormência muscular. Bendito e maldito remédio! Sem ele, muita dor; com ele, muito pesar.

De verdade... Talvez eu seja atualmente uma projeção do que fui - uma simulação do eu de ontem.

Eu escrevo e finalizo. A base de inibidores da recaptação de serotonina e noradrenalina.

Queria uma conversa - de verdade, sem modernidades, luz da lua ou de vela.

Preciso de presença. E não de simulacros.

Sim. Estou cansada.

Fim. (por enquanto...).

quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

E meu diretor favorito morreu: David Lynch (1946 - 2025)



São dias muito cinzas. Para mim, ainda mais. A turbulência silenciosa da minha mente e o desfragmentar dela a cada dia coincidem com as idas a psicóloga, a fibromialgia, o mal-estar reinante e a iconoclastia cotidiana. Entrei no Mestrado, um maldito sonho que virou um incrível pesadelo. E esse tem arrematado os nós do meu inferno pessoal. Não consigo finalizar minha qualificação, perdi a fé nas pessoas e tomo um antidepressivo para dor crônica que tem me transformado em um espírito vagante pela terra e envolto pela névoa do sono e da decepção...

E, nesse janeiro chuvoso, frio, úmido e melancólico, acabei de saber que meu diretor favorito se foi desse mundo cão. O David Lynch morreu.

Lembro-me do primeiro dia que vi Veludo Azul (Blue Velvet/1986). Foi pela televisão, de madrugada. Quando eu ainda tinha sonhos, anseios e uma quase infundável crença numa descarada felicidade. Se eu fechar os olhos, ainda vejo a cor azul balançando ao fundo, as letras em tom de branco e escuto a música de perigo, atenção e despertar. Em contraste, tudo fica negro, e as cercas brancas aparecem: TULIPAS! As crianças felizes, uma mulher que as conduz quase em movimentos robóticos... E depois, no SUBMUNDO, os besouros, a terra, a LAMA: lá estava a orelha - envolta em mofo! E a partir dali o abismo se misturaria aos tons de amarelo, à cerveja, ao "candy-colored clown", às drogas, ao Jeff e Dorothy, todos capturados pela teia profana de Frank Booth. Esse era o cinema bizarro e incrível de Lynch. A minha vida estava ali. Aquele cara, aquela direção, nada... Absolutamente nada sairia da minha mente.

Tratava-se de uma outra existência. Eu não tinha dor. Eu não vivia por ela. Eu me perdi. Flutuei por um tempo que nunca foi meu. As coisas mudaram e tiraram, talvez, muito do melhor de mim. O tempo escorreu como um líquido asqueroso e putrefato, verde, latejante em tom fluorescente. Fui privada dos rostos que amava e que tinha um prazer enorme em contemplar. O agora é jovem e superficial, roubou as conversas agradáveis, um pouco da verdade, o amor utópico, o frio na barriga, o gosto bom do café... E agora o David Lynch.

Eu adio o psiquiatra. Adio meus afazeres... Adio o meu êxtase em viver. E só me sobram os sonhos, indecifráveis, esquisitos, desconfortáveis – eu não durmo! Provavelmente, somente ele, o Lynch, poderia compreender e transformá-los em uma arte irretocável, como tantas vezes fez com seus próprios demônios; e me colocar de novo nesse mundo que teima em dizer que eu já não sei mais quem eu sou e qual o meu propósito.

Lynch tinha um estilo único, assim como seus personagens: todos chamativos por fora e atormentados por dentro. Essa sou eu. Meu exterior reflete cores. Meu interior é só sombra e nébula. Disfarçá-lo é uma questão de sobrevivência.

Seu eu pudesse gritar, gritaria. Quebraria tudo. Largaria esse mestrado maldito. É um peso tão grande. Enorme, do sentir-se um ser altamente rejeitado e fora de contexto.

E o que me resta? Lembrar do David Lynch. Do ontem. E reassistir aos filmes dele. Ele morreu aqui. Mas tem os acolás. E me pergunto se ele vai encontrar a verdade por trás das suas assombrações.

Ser ímpar é exatamente isso: fazer com que milhares sintam que a própria estranheza é um deleite. E Lynch foi mestre nessa arte. Não haverá outro!

Vá pela sombra, eterno!


***


Falei de do filme Veludo Azul, em 2011, aqui: