sábado, 18 de março de 2017

Ortvs (Ortus)

Habita-me uma alma inquietante, cerceada e solitária. Talvez ela tenha muitas histórias para contar, de séculos e milênios - grandes batalhas, amores e vidas intrépidas intercaladas por quietudes.

Seria esta minha existência uma jaula diamantada? Longe de todos que um dia amei? Estão eles espalhados em outros terrenos tão pedregosos como estes que caminho? Resta-me somente a especulação diante de pulsares latejantes - sensações intermitentes de que a vida passa-me como expiação

A Queda de Faetonte
1604
Peter Paul Rubens
National Gallery of Art/EUA
Sinto falta de amar algum ser humano de uma forma mais frenética, dedicar-lhe versos e prosas pueris e inocentes como o desabrochar das rosas na primavera. Ah, sim, é uma lacuna estranha, um ninho abandonado, uma sinfonia bela com algum instrumento desafinado ao fundo. 

Onde eu fui parar? Será que, sem perceber, eu cruzei uma outra dimensão onde os aborrecimentos reinam? Não, não... Quero o meu bizarro de novo, o meu frio na barriga, a neblina gélida do mistério. 

O amor morreu e seria assim capaz de ressuscitar? Quantas perguntas ei de fazer-me até descobrir mais caminhos de tédio puro? 

As pessoas falam e suas vozes ecoam lentamente como fluxos distorcidos e não têm significado algum. Seus semblantes são de bonecos de cera derretidos. Todas as cores esvaíram-se e sinto uma grande onda soprando em tons cinzas melancólicos. 

Eu queria o meu nascer do Sol novamente, apesar de muito detestar as manhãs. Porém não o cobiço como um juvenil Faetonte que, por puro êxtase e inexperiência, acabou fulminado por um raio do controle alheio. 

Desejo que coágulos dourados e brilhantes incidam sobre a minha pele, penetrando e transformando-a em um fluido.

Anseio por libertação e por grandes e majestosos voos.

Nos meus devaneios eu sou um raio de Sol; nos meus pesadelos não passo de uma caricatura de mim mesma. 

E, ao final, constato que sou uma prisoneira que escreve nas paredes, dia após dia, a palavra Utopia.


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