terça-feira, 22 de novembro de 2016

Quantos anos você tem? Todos.

Meu lugar favorito: Dolcce Grill
Mais um aniversário chegou. E uma sensação péssima invade-me toda vez que este dia, minimamente esquisito, vai consumando-se. Ontem confabulei que esta cinzenta terça-feira poderia ser engolida e, como em um buraco de minhoca, minha pessoa seria arremessada diretamente na quarta-feira.

Depois dos 30, a contagem não importa mais. E sendo assim, como em todos os outros ordinários dias, eu acordei com gritos e reclamações. A luz do Sol, brilhante e irritadiça, batia diretamente na parede, o que dava a impressão de que aquela era uma amostra grátis do Inferno. O momento mais engraçado foi a hora do parabéns, esse som detestável, que foi esquecido em meio à pressa de cantá-lo e entregar o presente universal: uma certa quantia em dinheiro.

Fui escutar Chopin. Ah, como eu o amo... Em seus Noturnos, suspeito eu, ele capturou um pedaço da graça de cada anjo habitante do céu.

Não fui à aula e nunca mais iria se pudesse. Eu desejei escapar, achar um buraco de Alice, uma toca de coelho, ou um velho rico decrépito que desse a mim uma casa na Toscana, de madeira, rodeada por girassóis e um monte de ovelhas.

Eu queria liberdade. Só que ontem eu queria morrer. Sim, a morte é apenas uma libertação momentânea, pois, de qualquer maneira, reincarna-se e esse ciclo recomeça, os mesmos erros e as mesmas pessoas, homens em mulheres, mulheres em homens.

Antes de querer morrer, eu queria ser um raio de luz. Eu não teria forma, eu não seria uma mulher. Mas eu adoro ser mulher, então por que eu queria ser esse tracejado de fótons?

E eu fiquei a perguntar-me isso o dia inteiro. Necessitava de uma resposta e de dar-me alguns presentes: a minha própria companhia, um livro e minha confeitaria favorita. Aquelas horas foram únicas, como tantas outras, em que pude abrir meu livro, sem culpa, sem esperar ninguém, nem ao menos desejar uma presença sequer. Foi a minha plenitude e o meu zênite.

Porém eu ainda não tinha a minha resposta, por mais cafés expressos que eu tomasse, com aquela espuma branca, fofa e macia como algodões aromatizados - o pedaço do firmamento em uma junção de gotas amarronzadas em nuances creme.

Terminei e fui caminhar. Depois sentei-me ao ar livre, olhando um urso de pelúcia gigante no meio de um monte de presentes brilhantes com um fundo oco, tudo tão verdadeiro como uma nota de três reais. As pessoas conversavam, andavam, olhavam vitrines, compravam e falavam ao telefone. Alguns estudantes discutiam algo que certamente era inútil. E, de repente, veio-me uma tristeza ainda mais profunda. Que diabos de sensação pegajosa. Eu poderia chorar naquele momento.

Então um certo filme começou a passar em frente aos meus olhos...

... Eu não amava mais, não tinha um objeto de adoração. Os deuses da minha vida foram aniquilados como estátuas massacradas por um martelo. Eu, que sempre amei algo ou alguém, tinha acabado de constatar o grande e temido vazio. O que aconteceu? Em que maldita estrada eu deixei-me?

Tomei consciência de mim e da prisão de ser mulher, por mais que eu amasse sê-la.

Eu sou uma insana lacuna sedenta. Quero opções, sem julgamento. Só que eu sou uma escrava de meu próprio tempo, sendo açoitada por opiniões, empecilhos e expectativas.

Eu poderia ser uma vadia, ser quieta, gostar de homens mais velhos, com dinheiro, ou gostar de mais novos e sustentá-los. Eu poderia gostar de mulheres. Eu poderia fazer sonetos para ambos... Então por que eu parei no poderia... Poderia, poderia...?

Ecoando... Ecoando...

Peguei o ônibus. Fui embora.

Deus do céu, tenha piedade de mim.

Eu já sei porque eu queria morrer e muito antes ser um raio de luz, ou mesmo engolir o meu aniversário.

Estou à beira do grande abismo.

E a única sensação que tenho é do vento gélido a sorrir tenebrosamente, cheio de dentes, à espera do próximo ato.




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