quinta-feira, 8 de setembro de 2016

A bissexualidade, a não maternidade, maternidade tardia e outras questões...

Ah, esses nefastos dias de opressão, golpistas e republiqueta. O mundo tornou-se um caos por culpa do medonho embuste por trás da moral e dos bons costumes... Que blasé!

... E por esses dias estava eu a discutir sobre a bissexualidade.

Acredito piamente, o ser humano é bissexual. O amor não faz escolhas. E isso seria tão natural se o mundo não amargasse em questões religiosas extremistas.

Até o momento, nunca apaixonei-me por uma mulher. Mas isso não tira-me a possibilidade de que talvez um dia isso ocorra. Afinal, o amor e o desejo fazem distinção entre quem tem um pênis ou uma vagina? Ou a enraizada culpa religiosa e machista amarga qualquer pensamento sobre isso? São perguntas pertinentes em um mundo ainda em suave transição.

Esta foi uma semana reveladora. Muitas pessoas que eu gostei ou namorei, de fato, já experimentaram ambos os lados. E, pelo que sussurram, talvez, fiquem na oposição. Uma delas é um conto bem triste, com suicídio, disfarces e assuntos que foram escondidos por aqueles que eu confiei. Para este eu desejo uma felicidade plena.

Relacionar-se é um bocado difícil, seja com homens ou mulheres. Não importa. É o cotidiano sufocante em um mesmo ambiente que aniquila qualquer possibilidade de paz e satisfação. Quase um filme Veludo Azul: a face bizarra de um mundo coberto pelas cores artificiais de tulipas esfuziantes que escondem existências tão degradantes como a pior sarjeta existente - sem tirar e nem por.

Eu já passei pela experiência de ficar uma semana na minha casa e uma semana na casa do meu ex-namorado, alternando durante uns seis meses. Meu Deus do céu... Que patético. Aquilo definitivamente não é para mim. Uma grande sensação de estrangulamento, deslocamento e todos os mentos. E como a vida flui, eu tive que dar um ponto final nessa tragédia anunciada. E, posso afirmar por agora, que não quero esse tradicionalismo nem pintado com o orvalho dourado da manhã. Sim, eu quero um living apart together, assim como escrevi aqui, nesse blog, há 5 anos.

Não posso ser acusada de não tentar. Afinal, todos os religiosos, machistas e românticos ensandecidos gostam de dizer que não se encontrou a pessoa certa e blá, blá, blá... E sobe-me uma certa quantidade de sangue para a face quando escuto algo do tipo. Padronização desenfreada e empurrada garganta abaixo não há como tolerar. É como calçar sapatos comprados em lojas: eles são feitos para vários números iguais ao seu, mas seus pés são únicos e uma hora um deles vai machucar muito e deixar sequelas.

Aliás, há um certo misticismo em várias questões femininas. Exemplo? Virgindade. Nunca entendi o porquê dessa aura dourada e fantasiosa em torno dela. Na prática é bem mais simples - não há mortos e nem feridos - um pedacinho de pele foi-se - não existe nenhuma obrigação. Como a vida era difícil quando por causa desse famigerado hímen muitas mulheres tinham que viver com um canalha por um longo tempo...

Outra questão é a maternidade. E essa causa-me calafrios. Não pelo desejo de não ser mãe tão cedo, que é algo que grita dentro de mim (eu só tenho 30 anos e nenhuma vocação e vontade, não há útero e hormônios que mudem minha concepção por agora.), e sim pelo fardo que é um acordo (ou uma intimação) unilateral. Está extremamente longe o ideal de parceria neste caso - a paternidade ainda significa uma liberdade maior do que a maternidade. E não venha-me com essa história de que o homem trabalha para sustentar filho e mais umas lorotas. A sociedade aponta no seu rosto todos os dias. Quem conforma-se com isso, tudo bem, padeça no seu paraíso. Mas o número de inconformadas aumenta a cada dia, o que é um alento. Temos aqui uma balança em desequilíbrio visível. E ainda há os riscos de morte na gravidez e a criminalização do aborto. Por isso que amo os pinguins e os cavalos marinhos - a natureza redimiu-se comigo apenas nestes casos.

Por outro lado, a maternidade tardia e a adoção causam burburinhos. Hoje há a tendência de engravidar aos 40 anos. Mas com toda a certeza você já ouviu, ou ouvirá, chiados por todos os lugares. Eu mesma já escutei cada barbaridade de colegas que não valem perder o meu tempo. E a balança novamente pende para um lado - um homem que tem um filho aos 40 anos será abençoado por um bocado de gente. A adoção segue a linha da família tradicionalista putrefada - "eles não são seu sangue.", mas se o casal é gay, há uma virada de casaca: "o que será dessa criança!".

A vida é injusta com as mulheres desde os primórdios. Mas o que ocorre-me é que não há como voltar para o estado em que éramos escravas do mundo e do lar, monitoradas pelas famílias, pelos homens e pelos juízes e juízas moralistas. Só que não aproveitaremos a igualdade como desejamos, que bem mais tarde ocorrerá. A mortalidade não nos permitirá. Nosso papel é lutar, dizer não e revidar - e isso é desgastante e necessário. É seguir em frente com os ideais, mesmo que o machismo velado diga que você é louca, mal amada, encrenqueira, um monstro por não querer ser mãe, defender o aborto e uma série de barbaridades que a sociedade prega como verdades absolutas para uma cidadã de bem.

Sinto-me um ser amordaçado, recorrente a pantomina. Tudo é enfadonho e bem cinzento. Ser mulher é entrar em um campo de batalha minado todos os dias, muitas feridas ao longo da guerra em nome da liberdade...

... A liberdade para amar pessoas, de não ser mãe, decidir sê-lo bem depois...
... Liberdade de ser eu mesma em minha essência - sem o peso das correntes alheias.

4 comentários:

  1. Eu sempre digo isso "A vida é injusta com as mulheres desde os primórdios". Nós temos que carregar grandes fardos. Atualmente, moro na minha casa e comumente ouço "agora que já tem casa só falta casar". Se eu não casei antes, imagina agora que tenho minha liberdade... Como sempre, seus textos são retratos da vida...E o café está mais quente....

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    1. Querida Fátima, que bom tê-la sempre por aqui. Sim, nosso fardo é pesado e ao, mesmo tempo, a sociedade exige que temos que carregá-lo sem pestanejar. Estou muito feliz com o seu sucesso, com sua casa e sua independência. Obrigada pelos elogios. Beijos.

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  2. Eu me identifiquei tanto com seu post em tantos aspectos... Aliás, foi uma leitura muito prazerosa ;)

    Eu sempre tive um probleminha com tudo o que soava tradicional demais. Meu relacionamento anterior (hétero) era bem quadradinho, e era uma bosta. Fiquei pensando que esse negócio de namorar, casar, ter filhos... Puts, não era para mim. Eu sentia que tudo era uma prisão, uma constante pressão para agradar alguém, um sufocamento, falta de espaço, falta de ar, falta de mim. Eu era tudo, menos eu mesma e menos minha.
    Daí conheci uma garota que desconstruiu todo esse repúdio que eu tinha a monogamia e esses relacionamentos "quadradinhos", porque eu consegui atingir aquele estado de amar e ser livre, sem sufocar. E isso poderia ou não ter acontecido, o fato é que com ela a coisa funciona exatamente como eu preciso que funcione. Mas isso não é uma regra, essa sou eu, Jaque, e minha fórmula da felicidade.
    Acho que precisamos quebrar mesmo essas tradições. Você pode casar, se quiser. Ou não, se não sentir que é para você e descobrir outras formas de ser feliz (que são igualmente válidas). Você pode viver sozinha, sem ser solitária. Pode amar, sem querer envolver o estado, deus e o caralho nisso. Pode amar a uma pessoa, duas ou três ao mesmo tempo, independentemente do sexo. Pode ter filhos, pode não tê-los. Não existe uma regra.
    Teu texto me levou a refletir sobre tudo isso. A gente precisa ser livre para fazer a nossa própria fórmula da felicidade. Principalmente por sermos mulheres.

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    1. Olá, Jaqueliny! Que ótimo que gostou do texto e que se identificou com ele. Agradeço muitíssimo os elogios. "precisamos quebrar mesmo essas tradições. Você pode casar, se quiser. Ou não, se não sentir que é para você e descobrir outras formas de ser feliz (que são igualmente válidas). Você pode viver sozinha, sem ser solitária. Pode amar, sem querer envolver o estado, deus e o caralho nisso. Pode amar a uma pessoa, duas ou três ao mesmo tempo, independentemente do sexo. Pode ter filhos, pode não tê-los. Não existe uma regra.". Tudo que falaste é perfeito. Disseste tudo. Volte sempre! Beijos.

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Querido (a) leitor (a), obrigada por ler e comentar no Café Quente & Sherlock! Espero que tenha sido uma leitura prazerosa. Até a próxima postagem!