![]() |
Sketch of Circe, John William Waterhouse 1911-1914 |
Ser triste é uma realidade que os tolos otimistas ignoram. São eles apenas espíritos enjoativamente alegres que merecem a máxima distância: comem rosas e regurgitam poesias baratas. O ser humano vil e decadente está por todos os cantos, isso sim, procurando vítimas perfeitas, que acreditam que a lama pode mostrar a lótus com a paciência devida. E essas penosas almas servem apenas como uma válvula de escape e de experiência para chegar-se ao maior nível de dor infligindo.
Pois bem, travesti-me com rochas. Mas desnudei-me para tentar voltar a sentir o frescor do mundo, deixando o meu interior para lançar-me por rios esvaziados, que trazem memórias borradas de um eu fantasioso e que alegrou-me apenas com a imaginação.
Como o canto das harpias, os avisos são muitos para não mais ter-me com essa esperança.
Feri-me, como o previsto por todos os oráculos. E voltei, mais uma vez, para minha concha de pedras com o dissabor das intrigas e das odiosas mentiras.
Em mim sobrou apenas um sentimento de humilhação profunda e de que não posso mais ficar em espaços em que existem tantas diferenças.
Se antes o meu mundo era um filme de David Lynch com personagens de mesma linha, hoje sou a própria reflexão da velhice de Ingmar Bergman.
Perdi-me e não posso mais ser o que planejei nos tempos imemoriais. Os sonhos e as paixões sucumbiram, voltaram-se para olhos mais jovens e belos. Serei, portanto, Circe.
Talvez tenha eu apenas a simples vontade de ficar para sempre em mim mesma e sepultar-me, sem honras, até que a poeira alimente-se da última gotícula de minha alma. Esse seria o meu final digno.