quinta-feira, 5 de abril de 2018

Ab imo pectore

Do fundo do coração... Parece que o dias não se esforçam para emergir das águas turvas com perspectivas animadoras para a alma.

Trago em mim uma dúvida navalhante: Deus, onde estão as oportunidades de trabalho?

Ontem percebi que enviei quase cinquenta currículos para diversas agências de recrutamento. Recebi resposta alguma dessas. Só consegui, até o momento, um homework sem carteira assinada. A tecnologia para educação corporativa deu-me uma chance, não muito grandiosa, mas não deixa de ser fonte de algum dinheiro. E isso leva-me a crer que eu tenho muita capacidade. O que atinge-me é a inexistência de oportunidades. E isso é bem devastador.

Cá estou desde dois mil e onze. E aconteceram tantos fatos inenarráveis e estrambóticos. Cheguei sentido-me uma anciã de vinte e cinco anos muito incompreendida, que tornou-se refugiada nas montanhas do próprio mundo interior. Quis o destino que eu instalasse-me em um lugar bucólico e catito, um reduto para universitários e recém-formados sem um vintém (ou quase), com uma ruazinha ladrilhada por tijolos de uma época remota, uma gente bem popularesca de dia e gatuna à noite.

Nunca esquecerei-me das luzinhas amarelas débeis que pareciam abrir um portal para a era oitocentista. Tão pouco do Palacete mais acima, já desgastado, vívido de memórias e com a escada de O Mulato ainda em pé a muito custo. Os cabarés mais horripilantes ficavam por trás dessa minha moradia. A degradação moral e da alma eram vizinhas, o sujo e o vulgar. E eu só pensava: - Pobres mulheres! Por que a vida é tão ingrata para com seus espíritos e corpos?
Sim, eu estava no Desterro. Literalmente. E essa será referência para toda uma vida - exilada daqueles que do rosto não sei.

Dá-me preguiça da vida em certos momentos do dia. Ah, e como assolam-me essas passagens. Porque compõe-me as peças de um quebra cabeça muito incomum - partes modernas, à frente, e outras muito antigas, necessitando ora de uma máquina de escrever e uma vitrola, ora de um tinteiro, pena e uma estante de livros de capas de pano azuis e vermelhas com folhas amareladas.

Sofro com dores de estômago, entretanto a coluna e seus disco estragado amenizaram o ranger de dentes diabólicos por esse ciclo.

Acho que não tenho saudades do ambiente universitário. Sinto falta mesmo das conversas agradavelmente desprendidas que chegavam de surpresa, sorrateiramente e que raramente aconteciam. E vinham justamente das pessoas mais inesperadas, com suas figuras altas e esguias, de rostos delicadamente feitos por uma jovialidade quase imaculada e deliciosamente ingênua e boba.

Falta-me tanto... E a maioria trata-se de sentimentos e prazeres aprisionados, renegados, arrancados à fórceps.

Dessa semana, agradou-me sair para comprar os caprichos usuais de uma mulher. E depois tomei o café mais delicioso e espumante com uns bolinhos quentinhos e cremosos. Não deixei de notar a figura de uma moço com um rosto bonito e um pouco acima do peso, o que o fez ainda mais amável de olhar-se. Tão tímido... Lendo ali o seu livro. E assim como apareceu-me, esvaiu-se. Porque fui embora tão logo terminou a comida.

Assombra-me o pavor de não conseguir um trabalho fixo a médio prazo. É um desespero que pulsa a intervalos regulares. É uma face temerosa. Sinto-me prejudicada pela falta de conexões.

Preciso finalizar o trabalho de conclusão da minha Pós-Graduação. Tenho mais uma demanda de mapa mental. E está tudo odiosamente calmo; até o explodir dos próximos gritos de reprovação e maledicências.

Por enquanto os malditos inquisidores e toda a sorte de inimigos estão vencendo. Até quando? Não sei... Nada dura para sempre. Mesmo que esse sempre estenda-se por várias e várias existências.

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