sábado, 23 de dezembro de 2017

Cápsula do Tempo

Hoje estou mergulhada em muita dor. Aliás, são semanas que arrastam-se melancólicas e sem muitas esperanças.

Eu morri pela metade há quase oito anos. E foi logo após receber meu diagnóstico de uma doença crônica na coluna. Minha vida transformou-se em uma vale de incertezas.

Em algum lugar escrevi que tinha depositado muita fé nesse meu último tratamento (muito caro e que custou-me muitas insinuações e cobranças por resultados). Contudo tudo ruiu no momento em que senti a primeira fisgada angustiante, o choque que espalha-se pela perna esquerda e o sofrimento em não poder ao menos curvar-me para pegar o meu par de chinelos. Voltei a estaca zero. E isso é o meu inferno. E qualquer um que deseja-me mal pode considerar-se vitorioso - o meu pesar é seu vinho.

Eu estou em um estado em que não existe um prazer capaz de elevar-me a um patamar acima. Dessa forma entra o ato de escrever. Pensei em não fazê-lo e deixar de relatar meus dissabores.

Só que repensei - uma hora eu morrerei, cedo ou tarde, à cargo do destino. E observando a escassez de espaço e a época que tende a rotular-me de um ser humano à moda antiga, o que poderei eu deixar para aqueles que não me conhecerão como sou hoje, nesta forma encarnada? O que poderei dizer a mim em minha próxima existência? Ao meu alcance, apenas resta-me falar sobre o que passa-me nesses dias, da forma mais crua, muitas vezes metafórica, e o mais detalhista possível. Eis que, além do meu espírito despedaçado, jaz aqui a minha cápsula do tempo. E esta é tomada por palavras e sua abertura depende das conspirações ardis que nunca poderei entender.

Não orgulho-me da minha história. É tão infrutífera e não exemplar. Porém meu ego, este sim, é uma fera arisca e com um espinho na pata.

Falta-me algo que não sei. Nasci incompleta, com muitas vontades, jeitos e sonhos, como um antigo VHS que não foi apagado por completo. Tenho saudades de rostos que não possuem olhos, narizes e bocas. Amo-os intensamente e nos meus pesadelos estes foram arrancados de mim como uma punição.

Salivo por gostos de comidas nunca experimentadas, por músicas que não posso partilhar e pelas peles que não posso tocar.

Sei que tenho algo a cumprir, uma meta, uma redenção que precisa ser alcançada. Só que, até este momento, falhei miseravelmente.

Todos que passaram pela minha vida deixaram suas marcas, impressões e causaram-me alguma ferida, umas foram curadas e outras deixaram cicatrizes. Mas chega a ser muito estranho a não existência de um entrelaçamento, cumplicidade e uma união de vivências, mesmo que brevíssima.

Nunca amei de fato. E isso não livrou-me das paixões e do amargor em minha língua. Só que todas as máscaras caíram, ídolos foram desfeitos e estátuas foram quebradas. Após o terremoto, sobraram corpos nus e anêmicos, cheios de indiferença e sedentos por uma presa. E antes que eles consumissem-me e eu a eles, enxerguei-os em essência - abutres carniceiros.

Dói-me tudo, músculos e ossos, espírito e cérebro. E esse é o meu tempo, minha atual existência e minha herança. Sou indigna, amaldiçoada e uma pária que não tem noção dos próprios pecados. Agarro-me a vida, pois, mesmo na lama, tenho resquícios de uma crença inerente.

Consola-me a possibilidade de ter vivido uma época imemorial, onde todos aqueles que um dia estimei estiveram ao meu lado. E esse andamento foi o suficiente para senti-los para sempre.

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