domingo, 16 de outubro de 2016

Um Nobel para um músico - O trovador americano Bob Dylan

Bob Dylan
E o maior prêmio literário desse ano foi para um músico, ou melhor, um trovador - um artista cujas as raízes foram o berço da Literatura como a conhecemos hoje. 

Para muitos pode parecer um absurdo, algo inusitado, ou um capricho da Academia Sueca. E essas opiniões são bem estranhas, principalmente se partem dos brasileiros. Nossa Literatura tem origem em uma das mais antigas formas de arte: o canto, este instrumento de narrativa que, de forma melodiosa, conta-nos as aventuras e desventuras da nossa existência e seus cenários.

Bob Dylan é o cancioneiro americano, o nome que leva a história americana através da música, cantando a sensação e os sentimentos de uma época. E isso tudo através do gênero que conhecemos como Folk Music, que podemos comparar muito bem com a nossa antiga MPB, indo de Zé Ramalho até o grande Boêmio Nelson Gonçalves.

Nascido Robert Allen Zimmerman (Duluth/EUA, 24 de maio de 1941), Dylan, neto de imigrantes judeus russos, escreveu seus primeiros poemas aos dez anos de idade e quando adolescente aprendeu a tocar piano e guitarra sozinho. Começou na música em grupos de rock, imitando Little Richard e Buddy Holly. Porém foi na Universidade de Minnesota, em 1959, que se voltou para a Folk Music, impressionado com a obra musical do lendário cantor Woody Guthrie. Em 2004, foi eleito pela revista Rolling Stone o 7º maior cantor de todos os tempos e, pela mesma revista, o 2º melhor artista da música de todos os tempos, ficando atrás somente dos Beatles. Uma de suas principais canções, Like a Rolling Stone, foi escolhida como a melhor de todos os tempos. Em 2012, foi condecorado com a Medalha Presidencial da Liberdade pelo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama.

Bob Dylan Nobel Media/2016
Junta-se a este Nobel um Oscar e um Globo de Ouro (o primeiro em 2000 e o segundo em 2001, pela canção Things Have Changed, do filme Garotos Incríveis - Wonder Boys/2000), 13 Grammys (um deles Pelo Conjunto da Obra em 1991) e um Pulitzer Especial de 2008; 6 de suas músicas estão no Hall of Fame e 5 estão no Rock Roll of Fame, dois doutorados honorários em música e mais outros prêmios e induções.

Mas se você ainda está se perguntando como um músico pode ganhar um Nobel de Literatura, ou se concorda, porém ainda não sabe as razões mais profundas dessa láurea, então é melhor buscar uma xícara de café e preparar-se para descobrir, pois assim como a história do folclore e suas manifestações, essa postagem vai ser longa...

Vou basear este artigo nas justificativas que a Academia apresentou para dar o prêmio a Bob Dylan:

“por ter criado uma nova expressão poética dentro da grande tradição norte-americana da canção”. (Mensagem geral da Academia Sueca)

“Ele é o grande poeta, um grande poeta dentro da tradição da língua inglesa. Um autor original que carrega com ele a tradição e está há mais de cinquenta anos inovando e se renovando. [...] Se olharmos milhares de anos atrás, descobriremos Homero e Safo. Eles escreveram textos poéticos feitos para serem escutados e interpretados com instrumentos. O mesmo acontece com Bob Dylan. Pode e deve ser lido.” (Sara Danius, secretária permanente da Academia Sueca)


Então, senta que lá vem a história...

***

1. O que é a Folk Music e o que o Bob Dylan tem a ver com isso?

O jovem Bob Dylan
Folk, segundo uma das definições do Dicionário de Cambridge, é um adjetivo que expressa o tradicional ou o típico de um determinado grupo ou país, especialmente um onde as pessoas vivem principalmente na zona rural, e, geralmente, é transmitido de pais para filhos durante um longo período de tempo; exemplo, cultura popular. Ou seja, é o nosso bom e velho Folclore, que é expressado de todas as formas, Música, Literatura e Artes em geral.

[no Inglês, também chamamos um grupo de pessoas de folks, "o pessoal, o povo, etc... Como no final do desenho Pernalonga, da série Looney Tunes e Merrie Melodies, That's all folks! - Isso é tudo, pessoal!]

E uma das vertentes do Folk é a Folk Music, representada pelo Blues e suas ramificações, a Música Nativa Americana, Jazz e afins. Ela é tudo isso e Bob Dylan é um dos grandes nomes desse gênero, suas letras expressam a vida e um sentimento de um povo, através da poesia musicada, que nada mais é do que a própria música.

Veja um exemplo na música Mr. Tambourine Man:

Hey! Mr. Tambourine Man, play a song for me, 
Hei! Senhor Tocador de Pandeiro, toque uma canção para mim,
I'm not sleepy and there is no place I'm going to.
Não estou dormindo, e não há lugar onde eu possa ir.
Hey! Mr. Tambourine Man, play a song for me,
Hei! Senhor Tocador de Pandeiro, toque uma canção para mim,
In the jingle jangle morning I'll come followin' you.
No treme-treme da manhã, eu procurarei você.

Esta canção de Dylan foi lançada em 1965 e regravada por inúmeros artistas. Ela tornou-se famosa, em particular, por seu imaginário surrealista, influenciada por artistas tão diversos quanto o poeta francês Arthur Rimbaud e o cineasta italiano Federico Fellini. As interpretações vão desde uma Ode ao LSD até o religioso. Uma letra que passa a sensação e os pensamentos dos anos 60 - o movimento hippie entrava em cena.

2. A Literatura também engloba a música? Foi por isso que Dylan ganhou o prêmio?

Comecemos pela definição de Literatura no Dicionário Aurélio:

sf. 1. Arte de compor trabalhos artísticos em prosa ou verso. 
2. O conjunto de trabalhos literários dum país ou duma época.


Ou como o meu bom e velho Livro de Português do Ensino Médio fala:

"A arte da literatura existe há alguns milênios. Entretanto sua natureza e suas funções continuam objeto de discussão principalmente para os artistas, seus criadores, [...]. A literatura, como qualquer outra arte, é uma criação humana, por isso sua definição constitui uma tarefa tão difícil. [...] Literatura é a arte que utiliza a palavra como matéria-prima de suas criações."  (Emília Amaral et al, Português Novas Palavras: literatura, gramática, redação, p. 17. São Paulo, 2000)

Só com essas podemos entender muito sobre a premiação literária deste ano. Mas iremos além - vamos revisar uma parte importante da Literatura, a chave para compreender definitivamente todo esse cenário - é hora de redescobrir os TROVADORES.

ADENDO: O Trovadorismo foi escolhido para melhor compreensão dos falantes da Língua Mãe. Pelas comparações com Homero e Safo, por parte da secretária da Academia, eu poderia também abordar as origens gregas; só que para fins mais práticos e objetivos, a delimitação ficou nesse gênero literário medieval português.

2.1 O Trovadorismo
Menestréis
Cantigas de Afonso X
de Castela

"Dizia la fremosinha:
ai, Deus, val!
Com'estou d'amor ferida!
ai, Deus, val!" (trecho de Cantiga, D. Afonso Sanches de Portugal, trovador do final do século XIII)

No trecho acima, temos uma característica importante do Trovadorismo: a simplicidade, nos moldes da tradição popular. Além, claro, de uma língua que parece irmã do nosso Português: o Galego-Português [só no século XV que surgiram o Português e o Galego como línguas distintas].

Os historiadores costumam limitar o Trovadorismo entre os anos de 1189 e 1385. Mas o importante é saber que ele corresponde  à primeira fase da História Portuguesa - o período de formação de um reino independente. 

Podemos dizer que Trovadorismo é o conjunto das manifestações literárias contemporâneas à primeira dinastia de Portugal - a Borgonha. Tendo algumas características históricas importantes, como o feudalismo e o teocentrismo.

Nessa época a poesia ainda não era escrita para ser lida por um leitor solitário. Ela era CANTADA (por isso o nome cantiga), geralmente acompanhada por um coro e instrumentos musicais. Não tínhamos leitores e sim ouvintes.  Assim, a poesia trovadoresca é a produção poética, em Galego-Português, do final do século XII ao século XIV.

Página do Cancioneiro da Ajuda
2.1.1 O Cancioneiro

Só depois (final do século XIII) as cantigas foram copiadas e colecionadas em manuscritos (sobre um tipo de manuscrito dessa época, o iluminado, há um artigo no CQ&Sherlock aqui) chamados cancioneiros. Apenas três existem hoje e são:

1. Cancioneiro da Ajuda;
2. Cancioneiro da Vaticana;
3. Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa - Colocci-Brancuti.

2.1.2 Os autores

Os autores das cantigas são chamados trovadores. Eram pessoas cultas, quase sempre nobres, contando-se entre eles alguns reis.

2.1.3 Os intérpretes 

As cantigas compostas pelos trovadores eram musicadas e interpretadas pelo jogral, pelo segrel e pelo menestrel, artistas agregados às cortes ou que perambulavam pelas cidades e feiras. Muitas vezes o jogral também compunha cantigas.

2.1.4 Os gêneros

As cantigas são classificadas em: 

1. Gênero lírico

Cantigas de amigo - características: voz lírica feminina, expressão da vida campesina e urbana, realismo, simplicidade temática e formal, origem popular.

Cantigas de amor - características: voz lírica masculina, expressão da vida aristocrática, convenções do amor cortês (a idealização, a vassalagem amorosa, a coita "dor, sofrimento"), origem provençal. 

2. Gênero satírico

Cantiga de escárniocaracterísticas: indiretas, uso da ironia e de equívocos. 

Cantigas de maldizercaracterísticas: diretas, sem equívocos; intenção difamatória, palavrões e xingamentos.

***

Agora que você revisou o Trovadorismo, ficou mais fácil entender as razões da academia, não é mesmo?

Então vamos prosseguir...

Bob Dylan no Azkena Rock
Festival, 2010
4. Dylan é primeiro músico a ganhar um Nobel de Literatura?

Não. Rabindranath Tagore (nascido em Calcutá/Índia, em 7 de maio de 1861 - falecido em Calcutá/Índia, em 7 de agosto de 1941, também chamado de Gurudev) ganhou o prêmio em 1913. Compôs mais de 2000 músicas e o hino nacional da Índia. Ele foi poeta, romancista, músico e dramaturgo. Ele participou do movimento nacionalista indiano e era amigo pessoal de Mahatma Gandhi. 

A diferença, nesse caso, é que Dylan é o primeiro cantor-compositor a ser premiado sem ter uma obra, um livro lançado nos moldes formais.

5. E agora que eu entendi as razões, por que mesmo os burburinhos?

Porque as pessoas adoram uma polêmica pelos motivos errados e, no final, muitos não possuem conhecimento sobre o histórico da premiação, nem da História da Literatura e muito menos argumentos sólidos para embasar as suas críticas. Já sobre os escritores renomados, que ficaram odiosos com esse resultado, só posso entender o mesmo que escritor franco-congolês Alain Mabanckou:

"Os puristas e outros amargos rasgarão as roupas, denunciarão a degeneração do espírito de Nobel, mas me alegro de que se reconheça também a literatura na Palavra - no sentido poético do termo - em tempos em que muitos artistas pensam ser dispensados da exigência de fundo e forma em sua criação."

As justificativas, já mal cunhadas, esvaem-se de vez quando fala-se que Philip Roth merecia mais, ou mesmo Haruki Murakami ou o famoso poeta sírio Adonis. Eles merecem tanto quanto Dylan e fim de conversa. Esse fato de bradarem que a palavra escrita é Literatura e a palavra cantada não, nossa, é um descalabro de ideias sem precedentes.

Imagine só os brasileiros entrarem em desacordo com a entrega do prêmio a Dylan - seria como renegar a importância literária de Vinicius de Moraes e seus sonetos musicados, um verdadeiro trovador-menestrel das cantigas de amor, bem como Chico Buarque e seus versos dodecassílabos da canção Construção, ou ainda um dos mais belos poemas cantados - Chão de Estrelas - de Silvio Caldas. E os cordéis cantados e os repentes, seriam menos Literatura apenas pela musicalidade?

Não. Simplesmente não faz sentido.

A Literatura flui, volta ao básico e inova-se. Ela utiliza a PALAVRA, seja ela falada, cantada ou escrita. Ela é o testemunho de gerações, das graças e desgraças, das revoltas e justiças, do tempo memorial e imemorial. 

O trovador apenas modernizou-se, saiu do medieval e atravessou eras, ele não só escreve, ele canta também. Suas composições continuam essencialmente falando do povo para o povo. E se Dylan hoje é Nobel, ratificando de vez sua história na Literatura e causando burburinho entre os conservadores mais xiitas e os desinformados de plantão, daqui um tempo ele estará nos nossos livros de estudos, sendo parte mais do que essencial para entendermos a nossa própria História.

ATUALIZAÇÃO

19/10/2016

O Bob Dylan anda rebelde e não falou ainda com a Academia e nem se pronunciou sobre o fato. Os membros acabaram por desistir e vão deixar as pedras rolarem até a cerimônia de entrega - se ele irá ou não, eis um mistério hamletiano.

Como sempre o capitalismo e os empresários não perdem tempo - resolveram lançar alguns livros do Dylan aqui no Brasil. Porém vale ressaltar que esses livros não tiveram peso algum no prêmio dado ao músico.

ATUALIZAÇÃO

03/11/2016

Finalmente nosso querido Bob Dylan se proncunciou sobre o Nobel. Ele pretende buscar seu prêmio pessoalmente em Estocolmo. Após duas semanas de silêncio, ele falou sobre ter ganhado o Nobel de Literatura, em entrevista ao jornal britânico The Telegraph. Um comunicado divulgado pela Academia Sueca foi publicado no dia 28 de outubro de 2018. Ao ser questionado se pretende ir à cerimônia de premiação, ele disse ao jornal - Absolutamente. Se for possível.

A Academia disse que o cantor ligou e que, na ocasião, falou - Se eu aceito o prêmio? É claro. A notícia sobre o Prêmio Nobel me deixou sem palavras. Eu agradeço muito por essa homenagem.

A Academia também pretende que Dylan cante na cerimônia.

ATUALIZAÇÃO

06/12/2016

Dylan anunciou que não irá a entrega do Prêmio Nobel de Literatura, em Estocolmo, dia 10 de dezembro de 2016, por causa de outros compromissos. Porém ele enviou um discurso para ser lido no evento. Patti Smith irá cantar A Hard Rain's A-Gonna Fall, uma das composições mais conhecidas dele.

O discurso de Dylan será lido por Horace Engdahl, da Academia Sueca, segundo a agência de notícias local TT.

ATUALIZAÇÃO

10/12/2016

Como foi dito anteriormente, Bob Dylan não foi à cerimônia de entrega do Nobel de Literatura. A honraria foi apresentada com uma performance da cantora Patti Smith e um discurso de Horace Engdahl.

Patti estava muito nervosa e cometeu alguns erros ao cantar a música A Hard Rain's A-Gonna Fall. Mas, ao final, foi muito aplaudida e compreendida pelo público presente.


***

Para encerrar, eu vou deixar a MÚSICA de Dylan que marcou a minha vida. Chama-se Don't Think Twice It's All Right, do álbum The Freewheelin' Bob Dylan, de 1963. Em 2003, o álbum foi incluído na lista da revista Rolling Stone como o nº 97 dos 500 Melhores Álbuns de Todos os Tempos. Ela é trilha sonora de um filme que amo e foi através dele que a escutei pela primeira vez. O filme chama-se Apostando No Amor (Dogfight/1991), com alguns dos meus atores favoritos, River Phoenix e a graciosa Lili Taylor (o CQ&Sherlock fez uma crítica do filme aqui).



Fontes:

Livros e dicionários

Português Novas Palavras: literatura, gramática, redação, Emília Amaral et al. São Paulo, FTD, 2000
Antropofagia Trovadoresca - José D’Assunção Barros, Doutor em História Social - Artigo
Bob Dylan vence o Prêmio Nobel de Literatura de 2016, Cultura, jornal eletrônico EL PAÍS, 13 de outubro de 2016
G1 - Nobel de literatura, Bob Dylan também tem Oscar, Pulitzer, Grammy e mais
#SalaSocial: Seis letras que mostram por que Bob Dylan mereceu o Nobel de Literatura ─ na opinião dos leitores - BBC Brasil
Folk Music - Wikipédia em Inglês
Rabindranath Tago - Wikipédia em Português
Nobel de Literatura - Wikipédia em Inglês
Dylan é o 2º músico a ganhar Nobel literário – e o 1º em 103 anos, revista VEJA eletrônica

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Notícias do front... O que andas fazendo, óh, criatura?

Pois bem, pois bem, eis como nos primórdios do CQ&Sherlock...

Então é o mês das folhas que caem, das paisagens amarronzadas com aroma de madeira e canela e... Não, não é nada disso! Por aqui somente um calor escaldante dos trópicos, com um céu cegamente azul e uma sede sem fim. Penso que qualquer um desses dias será mais do mesmo - nenhuma gota de chuva e tampouco nuvens cinzas que façam-me sentir como nos velhos tempos do belos temporais que vinham do leste. Nossa, que saudade daqueles tempos imemoriais...

Mais do mesmo também é meu cotidiano. Estou tentando terminar o curso de Física, uma notícia mais velha que o próprio Matusalém.

 - Senhor, como está difícil!

São apenas duas cadeiras e dois cenários tão distintos e discrepantes que uma confusão e discussão mental fazem-me sair da sala em pensamento: um professor muito rígido, mas que mantém o diálogo um pouco mais aberto. O outro, um senhor que não sei bem como foi parar no magistério acadêmico. Um tédio absoluto em ambas - a primeira disciplina é tão abstrata que não sei por onde começar. E isso não me incentiva a abrir o livro, que por desventura é em inglês, para tentar entender. É como antecipar um futuro já sabido por todos - aquilo é extremamente complicado para se aprender e não há uma viva alma para concordar comigo; a segunda, pateticamente tão mal ministrada que não merece nenhuma linha a mais desta conversa. Das intempéries desse semestre, não sei mais o que profetizar. É apenas uma questão de espera.

No final do mês haverá o IV Simpósio de Estudos Celtas e Germânicos dos meus colegas do curso de História. E sim, escrevi-me nele sem pudores - será uma escapadela da realidade mórbida que cerca o meu prédio de exatas. Digo a muitos (e poucos compreendem) que é como cruzar o portal para dois mundos extremos - em apenas uma travessia de passarela, ou escadas, desvencilho-me do ar pesado e sabichão dos arrogantes para adentrar em uma reunião dos seresteiros, cancioneiros e trovadores da noite. Pode parecer vadiagem sem precedentes, mas eu prefiro assim.

Continuo a tocar as minhas flautas nativas. Mas uma tem dado-me um pouco de dor de cabeça - parece desafinar em uma das últimas notas e tem um "vento" que rivaliza com o som. Conversei com o luthier, mas ele insiste em dizer que é sopro em demasia. Desanimei um pouquinho, só que irá passar.

As dores na coluna vão e voltam. Eu não tenho hérnia de disco, apenas degeneração discal. Acho que já estou bem acostumada a esse ritmo. Claro, nos dias de dores, tudo parece sem esperança. Ajuda muito a piorar esse quadro a TPM, esses sim são péssimos momentos. E conversando com o meu médico, optei por fazer pilates e fitdance (a famosa zumba) e tomar alguns medicamentos menos agressivos. Tudo isso foi cuidadosamente pensado depois que ele passou-me um antidepressivo que também age nas dores crônicas e juro, depois de tomado um comprimido apenas, a morte parecia mais perto do que nunca. É como não sentir-se mais a mesma pessoa, uma sensação de letargia, respiração quase parando, o mundo girando e pensamentos infernais. Resultado: o ortopedista concluiu que sou uma pessoa demasiadamente sensível a antidepressivos.

Depois de completados 30 anos... A contagem já não importa mais.

Estou endividada até a alma (ha, ha, ha). Tive que cortar o plano de saúde e minha boa vida acabou. Estou procurando um emprego e, pelos céus, como está intricada esta parte. Esta cidade é estranha para quem quer entrar no mercado de trabalho depois de muito tempo. Resolvi tentar o setor das aulas particulares, mas também é um cenário difícil. Depois de 4 anos fora de órbita, vivendo apenas com as bolsas de iniciação científica, não há mais como sobreviver desta maneira. Depois da última bolsa, em que o Professor chamou a mim e outros colegas de vagabundos que não queria trabalhar, decidi que é melhor ir para outro ramo.

Estou viciada nos documentários do Investigação Discovery. Os programas que mais assisto são A Sangue Frio e Casos Arquivados. É uma sensação de alívio saber que os assassinos foram punidos com o rigor da lei no final de cada episódio - algo que não teria espaço aqui no Brasil - o país mais escrachado, nesse aspecto, de todos.

Estou quase acabando (de verdade!) Moby Dick Volume I, faltam apenas 24 páginas. E como já relatei em outras postagens, isso tornou-se uma saga de quase 3 anos. E o Volume II promete seguir a mesma rota.

São dias calmos, bem tranquilos, eu diria. Quando você toma conhecimento da sua quebra financeira e encara isso de frente, não há mais ansiedade e compulsividade, ou mesmo ira. É um fato consumado e ponto final. Claro, todos pensam em sucesso e dinheiro para mostrar o poder adquirido alguma vez na vida ou em toda ela - não passando de uma ilusão neon; a nobreza encontra-se na simplicidade. A palavra mais adequada para nossas ambições seria estabilidade, porém, para a maioria, esta não tem validade se não for uma vaca gorda que jorre leite espumante em bicas. Talvez percamos muito tempo em uma busca desenfreada pelo ter para satisfazer apenas caprichos, deixando essa passagem incompleta e levando lacunas para a próxima. Só que não estou dizendo que quero viver dependente dos outros, como estes filhos que acomodam-se. Longe de mim! A procura diária do saber quem eu sou levou-me por caminhos mais místicos. Percebo que a vida é mais promissora para aqueles que tentam desprender-se das imposições da sociedade, um monstro faminto e impiedoso - prepara o indivíduo para ser devorado, fazendo-o acreditar que o que a nutre também o nutrirá, quando na verdade, a criatura não passa da próxima refeição.

Tenho mais passatempos agora - traduzo legendas do Inglês para o Português de minisséries, séries e peças de teatro inglesas ou de outras línguas que são raríssimas de encontrar no Brasil. Eu já traduzi e aprontei uma legenda para o filme dinamarquês O Jovem Andersen (que fiz a crítica aqui), agora trabalho com duas obras - todas com o ator que amo, Sir Derek Jacobi (que eu falei aqui) - Little Dorrit, de Charles Dickens, de 1988, e a peça Hamlet, de Shakespeare, de 1980 - ambas da BBC. Tais legendas são extremamente dificultosas. Quando você trabalha como legender, percebe a diferença entre um bom trabalho e um péssimo. Little Dorrit tem 6 horas de duração, divida em duas partes, e Hamlet tem 3 horas, sendo assim, a pressa não tem vez. Nesses casos, traduzir bem também significa conhecer as obras e um pouco do universo do autores. E boas legendas podem demorar até dois meses para ficarem prontas. No caso de Hamlet, com uma linguagem altamente rebuscada em inglês, tenho que usar livros, duas traduções em Português (Brasil e Portugal), e a peça no original, em Inglês, para saber o que foi utilizado e o que foi cortado para em seguida passar para as legendas. É como um grande quebra-cabeça que monta-se dia após dia.

Tenho dois temas para escrever nos próximos dias - A série Stranger Things, que já havia prometido, e o Nobel do Bob Dylan. Talvez o tema Dylan saia primeiro, pois foi um burburinho sem sentido para algo que eu considero fantástico e totalmente justo - eu sempre quis falar sobre os trovadores e eis uma bela oportunidade.

Lembre-se:

"Se não há vento para seu barco, reme!". 

E dito isso, desejo-te, leitor (a), uma ótima e agradável noite.


T. S. Frank