quarta-feira, 13 de abril de 2016

É solitário andar por entre a gente

Chega-se a uma certa idade e constata-se que todos os ideais morreram, pelo menos aqueles tenros juvenis que alçavam voos altíssimos como os de Pegasus.

Não amar mais é o limbo, o próprio, este descrito com palavras fortes em muitos livros que citam seres moribundos. 

Não confio e não interesso-me. 

E os dias passam em telas embaçadas, um filme em filtro azul, frio e angustiante. 

Decepção e todas as mazelas de uma alma inquieta em busca da vividez humana não me surpreendem mais - puro cotidiano! Depois de alguns anos, descobre-se as mentiras, as bocas retorcidas, o orgulho e a soberba. Todos os sinais estavam piscando em amarelo, violeta e laranja. Porém a cegueira dos sentimentos tratou esta paisagem infernal com um photoshop descarado. 

Não quero mais estar onde estou - este solo infértil, vil e ordinário. 

Este sabor amargo, ácido, corroendo a minha garganta, sufoca-me e lacera o meu interior. 

A solidão é um estado de espírito (ouvi em algum lugar...). E não há nada e ninguém que possa preencher este vazio abissal. 

Todos os dias escuto histórias. E concluí que as pessoas procuram-me para desabafar, falar sobre seus anseios e desejos, muitas vezes indignações e constatações sobre a realidade cruel. Ouço-as atentamente - como seus lábios mexem-se nervosamente, construindo cada frase, derramando cada gota salina de lágrima. Se sou o consolo de cada uma, isso enaltece-me e, como uma maquiagem, preenche, por algumas horas, a lacuna que eternamente existirá. Há uma parte egoísta, obviamente, nesse ínterim - tenho alguém que deseja compartilhar algo - e todos esses contos são uma distração para minha mente cansada. 

Mórbida é esta vida sem prazeres, sem ação, sem mistérios a serem resolvidos, sem risos desprendidos, sem cumplicidade, sem café da tarde que cheira a menta. 

Metade de mim morreu. Há quanto tempo? Não sei.

É solitário andar por entre a gente - percebemos todas as migalhas de atenção que recebemos, as caminhadas tristes e o escutar para não ser ouvido. 

Sinto-me amarrada, presa pela ponta dos pés. Minha voz continuamente é abafada. Há muita raiva gratuita, sentimentos controversos, desejos inertes e sem esperança. 

Daqui há algum tempo, depois das vozes que se silenciam para cantarem em outras árvores, todas as andorinhas pousam suavemente para visitar o gato ranzinza. E, depois que o véu da noite surge, desaparecem, voltando para suas vidas prioritárias. 

Hoje é um dia triste. E, por si só, aqui tem-se toda a explicação. 

E lamentos podem ser ouvidos em forma de miados abafados.

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Querido (a) leitor (a), obrigada por ler e comentar no Café Quente & Sherlock! Espero que tenha sido uma leitura prazerosa. Até a próxima postagem!