segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

O som da solidão

Quando eu era pequena, as chuvas eram acontecimentos majestosos. Ali eram abertos os portais para um outro mundo. Todos os sonhos podiam voar até aquela incrível altura e encontrar a realização.

Elas sempre vinham do leste; raios e trovões eram os címbalos e as cornetas da anunciação. Só os escolhidos sabiam da sua importância e dos segredos que traziam. Enquanto o resto do céu ainda reluzia em um amarelo espelhado, o horizonte começava a mostrar os corcéis negros com ventos tempestivos.

Em certas ocasiões, o arco-íris aparecia e eu pensava: ele veio transportar alguém para o outro lado para dar-lhe uma vida espetacular.

E foi há tanto tempo... Que restaram-me, apenas, fragmentos de recordações. O agora é mentiroso e vil. Os olhos desse momento, que observam o firmamento, estão pesados e cansados. A vida ganhou tons indesejados de um amarelo abafado e doentio.

As pessoas têm muita pressa, precisam correr atrás de um ônibus, buscar alguém, dar satisfação, gritar com outras, despejar ódio e frustrações e é assim dia após dia. Se chovesse, não notariam, a não ser que atrapalhasse. Pergunto-me se algum dia, neste lugar, perceberam elas que as nuvens também possuem cores.

A solidão que a chuva traz é confortável. Suas gotas deslizam em sinfonia. É como um abraço bom, uma sorriso que alguém provoca. Já a solidão que as pessoas causam em outras é devastadora, um pós-tornado, onde só há entulho e morte.

Estou sobre os escombros, procurando razão para refazer e continuar.

As nuvens do leste, cheias de sons celestiais, são uma metáfora triste de tempos que não voltarão. Este meu tempo é cheio de desacompanhamento e notas solitárias. As pessoas ao redor são apenas o produto desse meio. Não há nada para se esperar porque delas somente o nada pode ser extraído.

Tão obstinadas foram as eras de outrora que para esta tenho que defender-me arduamente das suas catástrofes climáticas - construí um galpão subterrâneo na minha própria alma.

E depois dessa avalanche interior, quem sabe, reste um pedaço de mim para admirar aquelas nuvens cinzas e carregadas que deixei naqueles portais.

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