domingo, 22 de fevereiro de 2015

Constatações do Oscar - O papel de sempre da mulher: principal de fato e coadjuvante por imposição

"O que é uma mulher? Eu lhes asseguro, eu não sei. Não acredito que vocês saibam. Não acredito que alguém possa saber até que ela tenha se expressado em todas as artes e profissões abertas à habilidade humana."
(Virginia Woolf, Women and Writing - página 60, Women's Press, 1979, 198 páginas)


Assistindo a um vídeo do Omelete TV sobre a falta de indicações e personagens femininas fortes no Oscar, percebi, mais uma vez, que sempre que tentamos dizer que algo está errado, esbarramos na total falta de compreensão ou mesmo na distorção dos fatos. O feminismo puro e simples quer somente a igualdade e o respeito. O resto é estória para boi dormir.

Prólogo...

Cresci em uma família feminista - mãe chefe de casa - pai - cuidador de crianças. E até a dissolução dessa (por outros motivos), tudo ocorreu bem, como ainda continua a acontecer.
Nenhuma quis ser médica, advogada ou qualquer outra daquelas profissões elitizadas. Saíram, sim, aspirantes a cientista, artista e jornalista.
Brincávamos na rua, com as bonecas, de carrinho e de bola. Rosa? Uma cor ótima para meninos. 
Eu não sei cozinhar bem e só aprendi algumas coisas para a sobrevivência. Minhas irmãs até que são bem melhores, porque gostam e ponto.
Cada uma, desde a entrada na adolescência, cuida da sua roupa - joga nas gavetas. Nada de passar, deixar tudo arrumadinho. Comidinha pronta em travessas de porcelana na mesa, à espera do chefe da casa, é um cenário alien. Sim, no interior dos interiores, aquele era o lar igualitário. O que a gente queria (e quer) é descobrir o mundo. 
Mas quando se cresce, as análises começam: amigos e amigas, namorados e casuais, parentes que se sujeitam ao velho tipo de família mais passada que uma uva passa. São as raízes do machismo velado e incrustado na própria alma.
Não é pelo desejo de querer estar ali e ser a dona de casa. Muitas apenas encaram como o divino papel de provedora do lar e acabam com a luz da própria vida (no filme Sorriso de Mona Lisa/Mona Lisa Smile/2003 há um exemplo de que uma das protagonistas apenas queria ser dona de casa porque gostava da ideia. Sim isso é legal, É ESCOLHA!). As reclamações são inúmeras, cansaço e brigas. No dia seguinte, tudo recomeça.
O papel duplo de mãe e esposa é, ainda, considerado o sucesso maior na vida de uma mulher, ainda mais se agregar uma graduação em uma universidade para encher as vaidades. E é só.
Conquistas? Ainda faltam muitas. Apesar da Lei Maria da Penha, vidas continuam a ser ceifadas pelo famigerado crime passional - a velha defesa da honra.
Os olhares desconfiados quando se chega ao topo ainda são muitos. O chocante não abrange somente estatísticas. Quando os números abrem as bocas, no mal caratismo do anonimato da internet ou através do colega ao lado, constatamos, duramente, que um longo caminho ainda precisa ser percorrido.

***



"De 2010 a 2015, das 150 cinebiografias feitas, apenas 25% são sobre mulheres e dessa porcentagem, apenas 25% falam de mulheres que mudaram o mundo. O resto é tudo filme de casal, filme de alguma mulher que sofreu um trauma, está doente, que teve algum problema na família ou que está numa jornada de auto descobrimento. Enquanto do lado masculino, você tem 75% de filmes em que sobram caras que mudaram o mundo. (Erico Borgo, Omeleteve, 2015)

O Oscar esse ano ganhou #hashtags e mais #hashtags por ter, em quase sua totalidade, as principais categorias preenchidas pelos chamados filmes brancos. E ficou um ano difícil para as mulheres também. Nas principais categorias temos homens cujos os feitos foram universais - Alan Turing e Stephen Hawking. Sobraram para as mulheres poucas nomeações com papéis típicos da jornada interior, de seu universo particular e a busca por si mesma. São filmes que têm seus méritos, porém não rivalizam com aqueles que tornam os homens detentores de grandes feitos. E mulheres bravas e grandes não faltam - escritoras, políticas, artistas e cientistas - Ágatha Christie, Indira Ghandi, Marie Curie e tantas outras - suficientes para nos colocar em patamares de grandes contribuidoras universais.

Epílogo...

Trata-se de uma questão ainda complexa e que exige reflexão e mudanças. Apesar do espaço maior que temos para publicar o que pensamos, estar em cursos e profissões consideradas antes masculinas, falta-nos o respeito em sua totalidade, a valorização de fato e a igualdade. Não raro, as reivindicações feministas ganham atribuições invertidas e exageradas.
Se em nosso cotidiano estamos sempre sujeitas a esse esteriótipo, o que esperar das indicações do Oscar? Apenas o comum - uma total falta de empatia com a causa.
Antes, criadas apenas para ser mães e donas de casa, enquanto os maridos, graças aos cuidados e quase servidão plena, podiam sair e universalizar suas conquistas. Agora, mesmo ocupando espaços importantes nunca antes oferecidos (muitos a contra gosto), somos vítimas da intolerância camuflada - piadas, conotação sexual, perseguições, assédios, chantagens e violência verbal.
Somos tão fortes, geramos vidas, sangramos todos os meses, matamos leões e leões e, mesmo assim, para muitos olhos, tudo não passa de um mimimi sem igual. Feministas isso, feministas aquilo.
Se mesmo brigando pelo mínimos detalhes, somo oprimidas, imaginem se deixássemos passar. Seria a mesma tragédia resumida pela ignorância desmedida do ex-jogador de futebol Pelé (referente ao episódio de racismo sofrido pelo goleiro dos Santos, Aranha) - “O Aranha precipitou-se um pouco querendo brigar com a torcida. Se eu fosse parar o jogo ou gritar desde quando comecei a jogar, na América Latina, aqui no Brasil e no interior, toda vez que me chamassem de crioulo ou de macaco, aí todo jogo teria que parar. O torcedor, dentro da sua animosidade, ele está gritando ali. A gente tem que coibir o racismo, mas acho que não é tudo que vai coibir.". É assim que querem as mulheres e homens machistas - que deixemos o que chamam de mimimi de lado e sejamos mais coniventes.
Lutar pelos mínimos detalhes, criticando cada sílaba mal proferida, mostra perseverança e engajamento. Não existe nenhuma universalização sem desbravamento, o que exige ainda mais esforço de nossa parte.

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