domingo, 7 de setembro de 2014

Sonhadora - O Outro Mundo

"In all this talk of time
Talk is fine
But I don't want to stay around
Why can't we pantomime, just close our eyes
And sleep sweet dreams
Me and you with wings on our feet."



"De toda essa conversa sobre o tempo,
Conversar é o melhor,
Mas eu não quero ficar por perto.
Porque não podemos fingir, apenas fechar nossos olhos
E sonhar doces sonhos.
Eu e você, com asas em nossos pés."  (trecho de The Great Beyond de R.E.M.)


R.E.M. é a pura metáfora sobre os sonhadores e isso não somente pelo nome da banda remeter o próprio estágio profundo do sono onde ocorrem os sonhos mais intensos. Suas letras são carregadas com cenários e pensamentos daqueles que, para escaparem do mundo cruel em volta, divagam e transitam por universos mais acolhedores em suas canções. 

Hoje lembrei-me intensamente dos dias que escutava as músicas da banda e sentia cada nota. Entretanto, infelizmente, em vez de trazê-las por meio de pensamentos mais esperançosos, as memórias emergiram tristemente. Senti meu coração espatifar-se no muro de uma realidade constrangedora e houve migalhas de momentos saudosistas por todos os lados. 

Ultimamente tenho sentindo-me vazia, desesperançosa e, talvez, carregando um grande carma: de achar que, em algum lugar, há pessoas diferentes, que valorizam o amor, acreditam nele, acreditam também nas boas ações, na ajuda desprovida de interesse, em fazer o bem, ou seja, por todas as razões teóricas que nos fazem únicos em nossa própria existência.  

Ao longo dos anos fui maltratada, não pelas convicções desses sentimentos bons, mas pelas pessoas diferentes de mim em que insisti em manter uma ligação. Um dos meus maiores erros foi ter amado alguém que destruiu minha própria imagem de uma pessoa que poderia e merecia ser bem cuidada. Todos os aprendizados são válidos, porém gostaria de ter recebido este em doses menos intensas. 

Com esta experiência, passei a questionar o que é um fato sobre alguém. Sempre escutava que as críticas negativas, tanto emocionais e físicas, relativas a mim eram a famigerada realidade. O que é a realidade? O que é um fato? Existe uma verdade universal sobre um ser humano e sua personalidade? Deveria aceitar e acreditar que uma mudança em minha essência seria de fato para meu bem ou para o bem daquele que queria manipular-me e que tudo funcionasse do seu jeito prático e frio? Custou-me (e ainda estou no processo) convencer a mim mesma que "ser única" e "desviada do padrão" não eram defeitos e sim minha própria identidade não muito bem compreendida pelos outros e muito menos respeitada: eu sou um peixe dourado podado por um aquário de vidro

Sim, isso caracteriza uma espécie de violência psicológica. É claro que eu sobrevivi, mas não sem sequelas. Olho a garota de dez anos atrás, cheia de sonhos e com a sede do conhecimento, que achava que os bons sentimentos e o amor eram as engrenagens que moviam o mundo. Tinha a concepção que, fora do meu cercado interiorano, não havia desuso neste campo. Hoje, já mulher, vejo que o meu minha cerca protegeu-me das decepções enquanto edificava meu próprio caráter. Apesar do bullying adolescente sofrido, pude construir e desfrutar de emoções puras e ter esperança sobre acerca de uma sociedade que pudesse fervilhar em conhecimento e ter mais bondade do que aquela em que vivi. Notei que tive contato cedo com a doação, a entrega, o amor e a cultura de muitas maneiras -  foram as minhas experiências de antes que seguraram-me no meu trajeto sem amargar em um poço de tristeza antes do que deveria. 

Sim, agora estou amargando nesse poço. E escrever é uma ferramenta que utilizo para livrar-me, por alguns momentos, da pesada máscara que carrego para não demonstrar, a quem não devo, o meu próprio desespero interior. 

Partilhar sofrimentos e angústias feriu-me muitas vezes, assim como sonhos e anseios. E sobre esse último, recentemente, surpreendeu-me a denominação sonhadora. De fato, no contexto inserido, senti-me uma pobre coitada que padecerá no mundo pela falta de praticidade e pela esperança ultrapassada - uma utopia digna de pena

Passei por tantos maus bocados - dor física crônica, medos, solidão, demonstrações de egoísmo, de falta de caráter, de exploração e de esperteza. Chorei e choro muitas vezes trancada porque não há ninguém com tempo, disposição ou entendimento (nunca, de verdade, ninguém tem tempo, sempre contado os minutos no relógio, muito atarefado com as coisas práticas, a ávida e feroz busca pelo conhecimento padrão, pela formação e a estabilidade profissional a todo custo). Abandonei as possibilidade da minha primeira formação acadêmica porque, por mais dinheiro que ela pudesse ter proporcionado-me, seria apenas mais um tijolo na parede, um modelo padrão, uma pessoa forjada e muito infeliz na área. Minha família comprou o meu segundo sonho: Física. Eu sempre ansiei por ser uma astrônoma e trabalhar com o estudo das estrelas e do Universo. E por ser um grande sonho, as quedas também são muitas. Eu cumpro uma pena, dia após dia, por essa escolha, não pelo conhecimento da Física e sua estrutura intacta e incorrupta, mas justamente pelo material humano. Sofro, não para adaptar-me, mas para sobreviver às mazelas das matérias difíceis dadas por professores, que além de serem maus profissionais do ensino, fazem questão de serem iconoclastas; por muitos colegas, bem mais jovens, muito cruéis e que somente sabem falar de números e cálculos de uma forma incrivelmente mecanizada (que sei: não é a única realidade, não aquela que eu quero e não a que meus modelos profissionais viveram). Vivo um pequeno inferno diário em pensionatos mal-estruturados, com muita bagunça, sem tranquilidade, sem segurança, sem lugar para preparar refeições, tendo que sair todos os dias para comer fora. O cotidiano de ônibus sucateados, com motoristas e cobradores mal-educados e passageiros ainda piores, e o pouco dinheiro do mês a esvair-se como água desanimam profundamente. 

Diante de todo o exposto, eu realmente não esperava escutar, um dia, um sonhadora (muito pela inocência de garimpar compreensão) tão entristecedor. Quem poderá colocar-se, um dia, em minha pele? Quem poderá ter uma reflexão coerente? 

É muito fácil julgar, o esporte favorito de muitos que conheço. Torna-se mais fácil ainda quando se está em uma casa confortável, contando com um carro para emergências, mesmo utilizando ônibus, acordando e tendo café da manhã para depois almoçar tranquilamente, voltando da universidade, cheio de dúvidas, raiva e angústia, e ter um lugar somente seu para repousar a cabeça, sem pensar todos os dias - "não poderei sair desse purgatório, pois não tenho condições.". 

Depois desse ocorrido, voltei para casa, no ônibus de sempre, sem noção do tempo. Fiquei triste pelos julgamentos e com a sensação de que o meu vazio aumentara. Pela primeira vez, sinto que o amanhã não vai ser melhor. 

Se fosse possível uma acolhida, eu bem que gostaria. Na verdade, apenas uma conversa saudável, animadora, com alguém que renovasse a esperança na beleza do acreditar, que não medisse o tempo, não falasse em compromissos, que não sobrepusesse sua voz sobre a minha, que desse-me espaço e compreensão, não se baseasse em aspectos físicos e valorizasse o todo, o conjunto de uma obra; que, finalmente, soubesse entender contextos. 

É assim que é ser sonhadora? Ou a sociedade acostumou-se e mergulhou em seu próprio caldo insosso e instantâneo? São muitos os questionamentos, realidades distintas e culpas. E este caminho tornou-se escuridão, cercado por águas turvas. 

Sim, mais do que nunca, agora, preciso manter as asas do meus pés feridos e cansados. Bem ou mal, eles mantêm-me ainda no caminho, sustentado minha alma taciturna e calejada.




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